Está aqui

Opinando - Blog de Filipe Azevedo - blog de Filipecanelas

a minha participação na tertúlia Tecnologias e Relações Humanas- Núcleo de Estudantes de Comunicação da UM

por Filipecanelas

Caros Leitores.

Ontem, terça Feira dia 2 de Fevereiro de 2010, tive a honra de representar a Delegação de Braga da Acapo, numa Tertúlia organizada pelo Nedum (Núcleo de Estudantes de Educação da Universidade do Minho), subordinada ao tema: Tecnologias e Relações Humanas.
Esta Tertúlia decorreu na Loja Fnac do Braga Parque, e foi um momento muito agradável, onde tive oportunidade de falar das vantagens e dos horizontes que se têm aberto para os deficientes visuais, fruto do desenvolvimento tecnológico, designadamente das Tic.
Preparei uma comunicação que apresentei, durante sensivelmente 30 minutos.
Partilho-a convosco na íntegra.

Início.
A primeira ideia a reter é que as novas tecnologias representam para os cegos a sua emancipação no que concerne ao acesso à sociedade da informação e do conhecimento.
Não tenho dúvida em afirmar que a crescente utilização dos computadores e respectivos periféricos, tem sido um dos meios, senão o meio mais eficiente para que se comece a sonhar com uma integração cada vez mais plena dos deficientes visuais, social, cultural e profissional.
Vejamos desde logo a vertente profissional.
Sem as novas tecnologias, os deficientes visuais estavam em manifesta desvantagem em relação aos colegas normovisuais.
Enquanto estes, mesmo sem a ajuda da informática podiam realizar as tarefas, com dificuldade é certo, mas um cego muitas vezes pura e simplesmente não podia fazer o seu trabalho.
Daí o facto de hoje já termos muitos deficientes visuais que desempenham funções de: psicólogos, técnicos de informática, programadores, professores, empresários, advogados, músicos, economistas, recepcionistas e claro telefonistas.
Sem as novas tecnologias seria praticamente impossível a uma pessoa com limitações visuais, abarcar muitas destas actividades que acabei de mencionar.
Actualmente um deficiente visual pode utilizar o computador, tendo à sua disposição uma panóplia muito diversificada de soluções (software e hardware), que nos permitem usar o computador em radical igualdade com os demais.
Temos por exemplo os leitores de ecrã.
São softwares que se instalam em qualquer computador, e em que o referido programa vai aproveitar a placa de som da máquina para transmitir em voz alta toda a informação que aparece no ecrã.
Esta alternativa é muitíssimo prática, porque basta apenas instalar o programa, não é necessário absolutamente mais nada.
Se quisermos depois podemos juntar uma linha Braille.
Nesta situação o deficiente visual vai poder também ler em Braille a informação que surge no ecrã do computador.
Isto é: podemos apenas ouvir a informação através das colunas do computador, podemos apenas ler em Braille através da tal linha Braille, ou podemos usar as duas vertentes em simultâneo.
A grande desvantagem da linha Braille é o preço, que infelizmente ainda é bastante elevado.
Por isso a grande maioria dos deficientes visuais apenas usa o leitor de ecrã, o mesmo é dizer, a voz.
Para além do computador propriamente dito temos outras ferramentas absolutamente extraordinárias e que aumentam grandemente a nossa qualidade de vida.
Posso falar dos softwares de OCR - (reconhecimento ótico de caracteres).
Este programa pega numa imagem digitalizada a partir de um vulgar Scanner, ou de um pdf, e converte a referida para texto corrido.
Um cego pode por exemplo, pegar num livro, num jornal, numa revista ou numa das cartas que recebe diariamente em casa, introduzi-la num vulgar scanner, e o software de OCR faz o resto. Digitaliza a imagem, converte-a para texto e até o lê directamente, permitindo depois gravá-lo no formato doc, rtf, txt, html, e noutros formatos de texto universais.
Hoje por exemplo já existem mais de 15000 livros que estão digitalizados e que podem ser lidos por deficientes visuais.
Antigamente, tínhamos o Braille e a Cassete. Ambos os suportes apresentam muitas limitações.
O Braille porque a sua produção é extremamente cara e inacessível, e porque ocupa imenso espaço. A cassete porque num livro de estudo por exemplo, a pessoa não tinha uma forma fácil, rápida e eficaz de localizar texto ou capítulos, o que tornava muito mais morosa a sua tarefa.
Sem dúvida que agora, com as coisas em suporte digital, os cegos estão com a vida muitíssimo mais facilitada, tanto que até podem continuar a usar o Braille, que é como todos sabem o único meio de leitura e escrita dos cegos, através das tais linhas Braille que falei anteriormente.
E por falar em Braille, também não posso deixar de falar das impressoras.
São impressoras que em vez de imprimirem a tinta, fazem-no em Braille.
São compatíveis com os vulgares editores de texto, e permitem ao cego continuar a usar o Braille em Papel quando pretender.
Hoje também já podemos instalar leitores de ecrã em telemóveis, que nos permite aceder a praticamente todas as funções do equipamento.
Enviar e receber mensagens, agenda, a calculadora, o bloco de notas, o relógio, a lista dos contactos, até a uma utilização mais avançada, como por exemplo a Internet e o processamento de texto.
Em resultado de toda esta democratização no acesso à sociedade da informação, verificamos que a descriminação que são alvo os deficientes visuais, é nesta área menos sentida e notada.
Vejamos o caso de uma organização, constituída maioritariamente por normovisuais, e que tem um ou dois colaboradores cegos.
Se esse um ou dois funcionários vão poder realizar grande parte das tarefas inerentes à sua actividade usando os mesmos processos e as mesmas ferramentas que os colegas, podendo ter o mesmo nível de produtividade e eficácia, estamos perante uma óbvia vantagem que a utilização das novas tecnologias nos veio trazer.
Se os deficientes visuais podem aceder em tempo real à informação, usando as mesmas ferramentas que os demais, estamos a fazer integração, estamos a ajudar a construir uma sociedade cada vez mais inclusiva.
O mesmo se aplica aos estudantes cegos, que com as novas tecnologias já podem digitalizar o material de apoio, usarem a Internet, deixando assim de ter de passar para Braille os apontamentos cedidos pelos professores, que antes do aparecimento dos computadores era prato do dia, e isto quando o estudante tinha a sorte de ter quem lhe os pudesse ditar!
Temos ainda todos aqueles e aquelas que cegam tardiamente por doença ou acidente, que a bom rigor representam a maior fatia dos cegos recentes.
Estes nossos concidadãos, salvo raras excepções, têm grandes dificuldades em lerem o Braille de uma forma fluida, e aqueles que o usam, fazem-no apenas para pequenos apontamentos ou etiquetarem as suas coisas.
O mesmo já não sucede com os leitores de ecrã e os sintetizadores de voz, onde a adaptação normalmente é bem mais fácil.
E este facto entronca numa outra grande vantagem que as novas tecnologias vieram trazer às pessoas cegas e às suas relações humanas.
Como todos mais ou menos sabem, os cegos têm algumas limitações de locomoção e sobre tudo de movimentação, que são condicionantes à nossa mobilidade.
Isso faz com que aqueles deficientes visuais que saem menos de casa, tenham mais dificuldade em contactarem com os outros, de estabelecerem laços de amizade no fundo de comunicarem.
Com a Internet, tudo fica mais facilitado. Através do computador, podemos estar em contacto com várias pessoas ao mesmo tempo, criar os próprios grupos de contacto e partilha de conhecimentos, em suma estar em contacto com o mundo.
Um dos grandes problemas que muitos cegos tinham, designadamente aqueles com idade avançada e ou que estavam desempregados, era a solidão.
Tinham o telefone, que apesar de tudo era bastante caro, tendo em conta as dificuldades económicas que assolavam essas pessoas.
Hoje com a Internet, as comunicações são mais baratas, realizadas com muito melhor qualidade, e pode-se optar por variadíssimas alternativas.
Com outra grande vantagem.
Antigamente um cego para comunicar teria de ser por voz, ou então usar o Braille. Com o Braille só os cegos estavam em condições de interagirem com essa pessoa.
Agora, os cegos podem comunicar com qualquer outra pessoa normovisual, porque todos utilizam o computador.
Deixamos de ter relacionamentos de certa forma segregados, para passar a ter a possibilidade de comunicar com todos sem excepção.
Tem sido tantas as inovações que como vimos têm vindo a revolucionar a forma como nós cegos entramos de cabeça na sociedade da informação e do conhecimento, que o futuro deve ser encarado com bastante optimismo.
Mas, existe também o reverso da medalha, e pese embora todas estas vantagens e todo este manancial de ferramentas que nos têm sido colocadas à disposição, e os horizontes que temos conseguido alargar à custa disso, à ainda muitas coisas para fazer, designadamente e aqui é que eu fico triste, a mudança de mentalidades.
As nossas preocupações actualmente passam por sensibilizar quem de direito para os graves problemas que ainda existem, isto apesar das grandes inovações que temos tido.
Ainda agora a Acapo queixou-se publicamente da SIC e da TVI que não estão a cumprir o Plano Plurianual aprovado pela ERC que fixa obrigações em matéria de acessibilidades às emissões televisivas por parte das pessoas com deficiência.
Imaginem só que, uma das coisas que nós reivindicamos é algo tão simples como ler em voz alta aquelas legendas que aparecem quando no telejornal, à uma reportagem em que o interveniente fala noutro idioma que não o Português.
Bastava que enquanto o interveniente fala, houvesse um voz off que fosse traduzindo aquilo que ele está a dizer, para que os cegos pudessem também acompanhar a intervenção.
Reparem que nem sequer é preciso traduzir, porque isso já está nas legendas. Basta apenas lerem essas legendas.
Mas infelizmente, nem isso as televisões fazem, o que demonstra bem a falta de sensibilidade que está patente, não só neste caso como também em muitos dos produtores de conteúdos informáticos, que fazem programas inacessíveis ao uso do teclado, criam páginas de Internet sem cumprirem as regras de acessibilidade, quando muitas vezes são os programas e páginas simples e acessíveis que vão beneficiar toda a gente deficientes visuais inclusive.
Por isso ultimamente se reflectir muito não só a acessibilidade mas também a usabilidade. Isto é: permitir que num site de Internet por exemplo o utilizador possa encontrar de uma forma rápida e prática a informação que necessita. E quanto mais simples for a página, mais acessível ela é para os cegos que usam leitores de ecrã e mais fácil e prático se torna para os restantes concidadãos acederem à informação.
Bastaria que os Webmasters fizessem por cumprir algumas regras na construção das páginas tais como:
Garantir que todas as imagens se encontram legendadas ou descritas,
Fazer com que o tamanho do texto possa ser aumentado com as opções do browser,
Garantir que o comprimento do texto na página se ajusta ao tamanho da Janela,
Identificar todos os campos de formulário, e se se tratar de uma imagem não se esquecer de a legendar,
Permitir a activação de todos os elementos da página através do teclado,
Fazer com que os textos das ligações sejam compreensíveis fora do contexto, por exemplo: ligações com o texto "Clique aqui", não são nada esclarecedoras para quem usa o tab para saltar entre links como é o caso dos utilizadores cegos,
E outras regas que se encontram no campo ddo senso comum, como: facilitar um link para que o cibernauta possa contactar o webmaster, colher informações sobre o cumprimento das regras do w3c, para que os deficientes visuais pudessem aceder sem restrições a todos os conteúdos da página.
Já em Dezembro de 2006, um grupo de 7431 cidadãos subscreveu uma petição que foi enviada à Assembleia da república, e que pedia aos Senhores Deputados que legislassem por forma a garantir igualdade de acesso à Internet, aos programas informáticos, televisão, comunicações electrónicas, multibanco, e máquinas de venda automática de produtos e serviços.
Esta porém não foi a primeira iniciativa deste género, visto que no longínquo ano de 1998, teve lugar a primeira petição electrónica, a chamada Petição Pela Acessibilidade da Internet Portuguesa, que recolheu mais de nove mil assinaturas.
Hoje, apesar do desenvolvimento tecnológico temos aberrações como por exemplo os dispositivos tácteis, que não são acessíveis aos cegos. Admito que esteticamente eles poderão ser mais agradáveis à vista, mas se já duvido da sua funcionalidade, porque muitos normovisuais com quem falo admitem que têm dificuldades em manusear com os referidos equipamentos, no que respeita aos Cegos é impossível trabalhar com dispositivos que não tenham botões tácteis ou rodas.
E quando falamos de electrodomésticos por exemplo, de fogões, de placas de indução, instrumentos básicos para a sobrevivência das pessoas, é revoltante sentir que bastaria que o fabricante ao invés de desenvolver a máquina sem teclado, lhe implementasse um, para que os cegos pudessem trabalhar com o equipamento sem problema.
Daí a tal mudança de mentalidades que eu falei anteriormente, porque como sabem estas coisas não dependem da evolução tecnológica! Antes pelo contrário, muitas vezes nós cegos, até tentamos adquirir máquinas mais antigas, precisamente porque ainda não têm o vírus dos ecrãs tácteis!
À portanto muito caminho que é preciso ser desbravado, muitas mentalidades que têm de mudar, para que de uma vez por todas se consiga chegar àquilo que nós chamamos de desenho universal. Esta definição é simples mas ao mesmo tempo muito difícil de pôr em prática.
O desenho universal consiste em tornar os produtos e serviços acessíveis a toda a gente, independentemente da sua limitação.
Apesar de, com o panorama actual não se vislumbrarem muitas desvantagens da vulgarização da utilização das novas tecnologias, à uma porém que me salta logo à vista, e que se prende com o facto de os cegos usarem em demasia o sintetizador de voz, e com isso perdem hábitos de leitura.
Como sabem, uma pessoa só se pode alfabetizar correctamente lendo, tomando contacto com as letras. E como o Braille é por norma muito dispendioso, começando logo pela aquisição das linhas Braille e das impressoras Braille, e acabando na sua produção propriamente dita, opta-se por usar os sintetizadores de voz.
Mas estas ferramentas, apesar de darem aos deficientes visuais a possibilidade de acederem à informação, não permite que possamos ler aquilo que nos chega, mas apenas ouvir, o que não é a mesma coisa.
Prevejo por isso, que se assistirmos a um abandono do Braille, coisa que não desejo, os cegos vão ter cada vez mais dificuldade em dominarem a ortografia, saber como se escrevem as palavras, com todos os prejuízos que isso vai trazer.
Por isso uma das grandes lutas que devemos travar é incentivar as pessoas a não deixarem o Braille, continuarem a ler, e usarem os sintetizadores de voz como complemento e não como a única ferramenta de acesso à informação.

Comentários

Parabéns Rilipe pela exposição lúcida e realista das vantagens e dos cuidados que devem ser observados na utilização das novas tecnologias.
Só as palavras traduzem o pensamento de muitos de nós, com objetividade e clareza.
Abrahão