Caros Amigos e leitores deste blog.
Hoje, Sexta Feira dia 18 de Dezembro de 2009, aproveitando o facto de estar de férias, tive a honra de representar a Delegação de Braga da Acapo numa palestra que decorreu na Escola Superior de Saúde do Vale do Ave, estabelecimento que pertence ao instituto politécnico de saúde do norte.
A convite da Prof. Sofia Veloso, participei nesta comunicação que teve como público alvo os alunos do terceiro ano de Enfermagem.
E foram cerca de 70 os participantes, e tivemos cerca de 120 minutos num ambiente descontraído, mas onde falamos de assuntos sérios e permitiu-me esclarecer os presentes sobre aquilo que é o quotidiano de uma pessoa cega.
Preparei uma comunicação que apresentei, e que durou sensivelmente 50 minutos, seguindo-se depois uma série de perguntas e respostas, que originou um debate salutar.
Partilho convosco a referida comunicação.
Início.
A Dra. Sofia Veloso formulou um convite à Acapo de braga, para que nós possamos vir aqui dar o nosso testemunho à cerca daquilo que é a vida de um comum deficiente visual.
Acedemos desde logo ao desafio, porque uma das nossas missões enquanto dirigentes de uma associação de cegos, é a de contribuir para passar uma boa imagem deste tipo de cidadãos e esta sessões de esclarecimento e de sensibilização são fundamentais.
Quero por isso que façam todas as perguntas que entenderem. Se não houverem questões é sinal que esta explanação não motivou interesse da vossa parte.
Por vezes as perguntas que aparentemente nos parecem mais ridículas, são aquelas que servem para que aquele que responde possa desmistificar algo que foi sendo criado ao longo dos tempos.
A principal missão da Acapo é a de lutar pela plena integração sócio/cultural dos deficientes visuais.
Somos a instituição de referência no que concerne à representação e defesa dos interesses dos cegos amblíopes e surdocegos.
Para isso temos 13 delegações espalhadas pelo país.
E no meio de tantas contrariedades, de tantas ideias e mitos nefastos que foram criados em redor da cegueira, Temos de dizer que muita coisa já foi feita, e que a situação já é bem mais favorável.
Isto apesar de cada vez mais nos depararmos com desafios novos, e até com situações de retrocesso. Mas a vida do quotidiano de um cego é temos de o dizer bem mais sorridente do que era à uns bons anos atrás.
A área onde se evoluiu menos em minha opinião foi na vertente profissional.
Mesmo assim, hoje já temos cegos: Empresários, advogados, economistas, músicos profissionais, professores, psicólogos, telefonistas, recepcionistas, programadores e técnicos de informática, profissionais da comunicação social etc.
à portanto um leque muito variado de áreas de actividade onde os cegos são francamente bem sucedidos e competentes.
Inclusivamente está provado que regra geral um cego no trabalho tem menos focos de distracção, ajuda a humanizar mais o clima e as relações interpessoais nessa organização, e socialmente uma empresa que empregue deficientes, para além de ter contrapartidas do estado, acaba por ajudar a construir uma boa imagem junto do restante tecido empresarial e sobre tudo da opinião pública.
Acreditem que vale bem a pena darem oportunidade a pessoas cegas, porque os benefícios são francamente maiores do que os prejuízos, isto porque se o funcionário cego tiver o seu posto de trabalho devidamente adaptado, pode e deve produzir tanto como os seus colegas.
Na vertente social, os cegos hoje também estão mais integrados, designadamente na sociedade da informação e do conhecimento.
Não deixa de ser verdade que também nesta área à um longo caminho a percorrer, até que tenhamos uma sociedade de informação verdadeiramente inclusiva, e onde se passe para aquilo que nós chamamos de desenho universal na concepção de software e hardware.
Mas mesmo assim, hoje para um cego já é relativamente simples consultar diariamente o seu jornal, ler a sua revista, navegar na Internet, no fundo fazer aquilo que qualquer pessoa faz com o computador.
Com o advento da informática e as novas tecnologias a ela associadas, trouxe digamos assim a grande Páscoa dos cegos, no que respeita ao acesso à informação.
Por exemplo: através dos scanners e dos softwares de reconhecimento ótico de caracteres, um cego já pode ler um vulgar livro, uma vulgar revista. Porque ao introduzir o papel no scanner o programa faz a digitalização da imagem, e o reconhecimento dos caracteres, transformando o que está no papel em texto corrido.
Por todas estas razões, temos mesmo de deixar de lado aqueles velhos mitos, que quase fazem parte da nossa história e que foram circulando de geração em geração.
Mas hoje não à nenhuma justificação para que na nossa ignorância os continuemos a alimentar.
Por exemplo:
É comum associar o cego à pedinxa.
Quantas vezes já não vimos cegos a pedirem na rua?
Mas saibam que felizmente à cada vez menos cegos a enveredarem por este modo de vida, e muitos que hoje ainda o fazem devem-se a vícios que foram sendo criados no passado, e também a algum comodismo, que em muitos casos se apoderou da pessoa deficiente visual.
Hoje portanto é injusto dizer que o Cego é por tradição um pedinte, e que não tem objectivos de vida.
Como já vimos, e nunca é de mais referi-lo, Um cego trabalha como os restantes concidadãos, e descansem, não tem benefícios adicionais do estado que lhes permita substituir o trabalho pela boa vida, salvo os incentivos que têm os outros cidadãos.
Outra coisa que está errada, é pensar-se que os cegos são todos amigos ou colegas.
Todos nós, já tivemos experiências em que um normovisual nos abordou dizendo que tinha visto um colega nosso, que conhecia um amigo nosso.
Não se deve encarar as coisas nestes termos. Se pretende transmitir ao cego que conhece, ou que viu outro cego, deve dizer-lhe exactamente isto. Ou seja, conheço uma pessoa cega, ou no caso em que saiba a sua verdadeira identidade e não tenha problemas em o referir, deve dizer que conhece fulano ou sicrano, e nunca que conhece um colega ou amigo.
Os cegos não se conhecem todos uns aos outros, e nem são todos amigos, pois isto não é propriamente a instituição das mãos unidas!
Ao longo do tempo foi também criado o mito que os cegos eram de certa forma uns sobredotados e uns protegidos por Deus.
Daí se dizer muitas vezes que Deus tira uma coisa mas dá outra.
Nada disso! Para quem acredita em Deus, afirmar isso trata-se de uma blasfémia.
Então Deus ia tirar a visão a um filho seu, e depois para o compensar dava-lhe outros pseudo dons?
Por mais dons que essa pessoa tenha algum substitui a visão?
O que acontece é que um cego, como qualquer outra pessoa desenvolve os outros sentidos. Não tendo a visão, o segredo passa por potenciar os outros 4 sentidos ao máximo.
Um cego de nascença, que seja estimulado precocemente a ler braille, vai desenvolver o tacto, e irá ler o braille de uma forma fluente sem traumas nem problemas.
Mas uma pessoa que cegue tardiamente vai experimentar muito mais dificuldades em ler o braille, porque o seu tacto não está devidamente treinado.
Como vêem não à nada de extraordinário! Ou será que o tal Deus só da o tacto aos que cegam de nascença?
E os que cegam mais tarde, e que até mereciam mais benesses do divino, ficam sem nada?
Mesmo até para as pessoas cegas é péssimo que se sintam digamos assim sobredotadas. Isso fazem delas pequenos monstros, diferentes do restantes concidadãos. E aquilo que temos sempre de ter em conta é que as pessoas cegas são exactamente iguais às outras, nem mais nem menos!
Quando alguém se depara com algum cego a ler o Braille, muitos na sua ignorância pensam que está a li um prodígio da natureza. É comum ouvirmos afirmar. Ler isso deve ser extremamente difícil! Eu olho para o papel e não entendo nada do que aí está!
A verdade é que quando uma pessoa cega começa a aprender o Braille no jardim de infância, ou na escola primária, o seu sentido Tacto, vai desenvolver-se de uma forma natural, e da mesma forma que os normovisuais aprendem as letras em tinta, os cegos aprendem-nas em Relevo, o mesmo é dizer em Braille.
Quer isto dizer que qualquer criança mesmo sendo normovisual, se começasse a aprender escrever e ler o braille com os dedos, conseguiam em teoria atingir a mesma performance que uma criança cega.
Uma curiosidade.
Fiquem a saber que o Braille, para quem vê é de muito fácil aprendizagem. E por uma razão simples. É que um normovisual vai ler o braille com os olhos, e isso é muito mais fácil do que o ler com os dedos. Regra geral não são precisas muitas horas para que um normovisual aprenda a ler e a escrever Braille correctamente.
Por isso, algo que têm mesmo de ser evitado a todo o custo são as expressões de piedade e sentimentos de pena.
Lá diz o sábio povo, que penas têm as galinhas! E quando falamos de deficientes, esta expressão assenta como nem uma luva.
Deve evitar qualquer expressão de piedade porque os cegos, como as outras pessoas, geralmente ressentem-se disso; também é de evitar quaisquer considerações sentimentais acerca da cegueira ou referências a ela como um tormento;
não só irrita aqueles que já se adaptaram à sua deficiência como por outro lado, deprime e aflige aqueles que estão a caminho dela.
Por causa desses tais mitos que foram criados ao longo dos tempos, o comum do cidadão tem alguma dificuldade em lidar com pessoas cegas, notando-se mais esses constrangimentos a quando do primeiro contacto, na rua por exemplo, onde a maior parte das pessoas não sabe como fazer a primeira abordagem a uma pessoa cega.
A primeira ideia a reter é que os cegos são pessoas vulgares. As suas virtudes, aptidões e defeitos são coincidentes com as das outras pessoas.
Por isso as recomendações que deixo são:
Fale sempre empregando um tom de voz natural. Regra geral, um cego não é surdo! Por isso não precisa de falar alto.
Deve também falar-lhe directamente e não por entreposta pessoa. Muitas vezes à a tendência para que quando um cego estiver acompanhado por outrem, a pessoa fala com o acompanhante do cego. Essa atitude é mal aceite pelas pessoas cegas. Dá a ideia que o cego é um atrasado mental, e que tem de ser o seu acompanhante a receber a mensagem para depois lhe a transmitir. Para què usar intermediários?
Também não se coíba de utilizar as palavras cego e cegueira, nem substitua as palavras veja e olha, pela expressão oiça.
Os cegos no seu dia a dia fartam-se de dizer: Eu vi televisão, vi aquele programa, vi aquela pessoa. Quando alguém adapta a terminologia utilizada na conversa com uma pessoa cega, está a criar uma barreira à comunicação perfeitamente desnecessária.
Quando aborda uma pessoa cega, outra coisa que é conveniente é dar-se a conhecer.
Se não souber o seu nome, ou se não se lembrar naquele momento toque levemente no seu braço, para que a pessoa saiba que a conversa é com ela própria.
Quando se for a retirar deve informar o seu interlocutor. É extremamente desagradável para um cego continuar a falar para uma pessoa que já não se encontra perto dele.
Depois de já ter tomado contacto com uma pessoa cega, chega a altura de interagir com ele de uma forma mais directa.
Como tal, quando for a conduzir uma pessoa cega, nunca procure com os seus movimentos erguê-la.
Na técnica correcta, o guia dá o braço ao cego, e este agarra no cotovelo do guia, e procura ir sempre meio passo atrás.
Assim, o cego apercebe-se com muito mais facilidade da existência de escadas e de outros obstáculos. Quando for para subir ou descer, o guia para um pouco, e o cego vai aperceber-se pelo movimento da pessoa que o vai a guiar, se a escada é a subir ou a descer.
No entanto a maior parte dos cegos gostam de saber se os degraus se encaminham em sentido ascendente ou descendente. Nestes momentos nunca
se deve dizer ao cego quantos degraus vai subir ou descer porque um erro de cálculo pode ocasionar acidentes graves;
Quando for a subir ou a descer uma escada, ou então for a entrar para um autocarro, coloque a mão do cego no corrimão.
Essas são as técnicas correctas. Com tudo, existem Cegos que talvez por ainda não estarem devidamente reabilitados não estão muito seguros em caminharem meio paço atrás do guia. Por isso é conveniente perguntar à pessoa cega como se sente mais à vontade, para que a ajuda possa ser bem mais eficaz, e melhor aceite pelo deficiente visual.
Ajude só na medida em que for necessário.
No automóvel Deve-se sempre tomar cautela ao fechar a porta.
Ao abrir a porta do veículo, deve tomar precauções redobradas e assegurar-se que naquele momento não vai a passar nenhuma pessoa cega.
Ao atravessar a Estrada. É comum um cego necessitar de ajuda para isso.
Quando ajudar um cego a atravessar uma rua tente seguir em linha recta sempre que possível.
Quando vir algum cego parado junto à borda de um passeio na atitude de atravessar a rua não lhe faça perguntas inúteis como por exemplo "quer atravessar para o outro
lado?" Pergunte antes: "precisa de ajuda?"
Também não se deve gritar de longe para um cego com a intenção de alertá-lo para qualquer obstáculo, a não ser que estejamos perante um objecto que não seja detectável pela bengala; por exemplo, um toldo colocado a baixa altura.
Agora que já vimos como realizar a primeira abordagem a uma pessoa cega, e poder ajudá-lo na rua, vamos ver agora como lidar com um cego em Casa?
Temos visto que os cuidados a ter não são nada por aí além. Algum bom senso e uma boa dose de inteligência resolvem praticamente tudo.
Um cego não é nenhum monstro!
Assim deve deixar o cego cortar os alimentos, a não ser que este dê sinais evidentes que precisa de ajuda.
Quando lhe servir, por exemplo, vinho, chá ou café não convém encher completamente os copos ou chávenas porque é difícil para o cego conseguir
equilibrá-los.
Não se deve preocupar com os móveis e as decorações da casa.
Basta indicar à pessoa cega o caminho a seguir dentro da mesma e a posição relativa dos diferentes objectos. A percepção dos cegos é extremamente rápida, o que lhes permite, depois de conhecerem o local, deslocarem-se com toda a facilidade.
Não empurre o cego para a cadeira ou sofá; basta pôr a mão dele nas costas ou no braço dos referidos móveis.
Evite ao máximo deixar portas entreabertas, e sempre que mudar alguma disposição dos móveis deve informar o cego desse facto.
Se oferecer um cigarro, coloque junto à pessoa cega um cinzeiro, indicando-lhe o local onde o colocou.
Finalmente, não vos podia deixar de falar de algo que está muito em voga, e que são os cães-guia.
Actualmente já começa a ser usual vermos um cego acompanhado por um cão guia.
O cão guia tem ganho bastantes adeptos uma vez que a sua utilização proporciona melhor qualidade de vida, que se reflecte na mobilidade que um cego consegue desfrutar quando tem a possibilidade de contar com o seu fiel amigo.
Quando vir um deficiente visual acompanhado por um cão guia nunca se tente aproximar do animal.
Por vezes existe a tentação de acariciar o animal, no entanto essa situação acaba por o distrair fazendo com que ele deixe de fazer o seu trabalho, e naquele momento a pessoa cega não tem mais nenhuma ajuda para se deslocar.
Na rua nunca tente ajudar a pessoa cega que se faça acompanhar pelo cão guia. Quando isso for necessário é preferível dar instruções de uma forma ligeiramente distanciada para que o cão não considere que alguém está a interferir no seu trabalho.
No restaurante nunca caia na tentação de dar qualquer alimento ao cão guia, nem um simples osso.
Os cães guia são sujeitos a um plano alimentar específico, para que o seu aparelho digestivo esteja regulado.
O utilizador do animal tem de lhe ministrar uma ração própria e a horas certas, para que o cão faça sempre as suas necessidades fisiológicas há mesma hora todos os dias.
Acreditem que se colocarem em prática estas dicas e sugestões que tenho partilhado convosco, vão ser uma grande mais valia para os cidadãos deficientes visuais.
É muito gratificante para um cego sentir que tem alguém que o trata bem, que não faz dele um ser diminuído nem um monstro.
É óptimo verificar que da parte da outra pessoa à uma sensibilização e compreensão relativa à especificidade da cegueira, e se virem bem afinal não custa nada pôr em prática estes concelhos. Basta alguma dose de inteligência e bom senso, e acabará por assimilar de uma forma natural estas técnicas.
Quando me disseram que esta palestra era dirigida a futuros enfermeiros, fiquei absolutamente radiante, e aumentou muito o meu sentido de responsabilidade.
É que quando uma pessoa cega numa fase avançada da sua vida, o primeiro contacto que essa pessoa tem é com o médico e o enfermeiro. E uma das coisas que devem ter em mente é que as instituições são um manancial de experiência e saber acumulados que importa contactar, aconselhar e reencaminhar.
No caso da cegueira, quanto mais tarde se iniciar o processo de reabilitação, menos possibilidade de êxito a pessoa vai ter. Se ao invés a pessoa começar logo a ter apoio psicológico, mobilidade, informática, braille e actividades da vida diária, esse indivíduo poderá a curto médio prazo adquirir um vastíssimo conjunto de competências que o vão permitir fazer a sua vida com toda a dignidade que certamente merece.
Por isso, deixo-vos um apelo sincero. Tão ou mais importante do que conhecerem as técnicas de guia e de interacção com pessoas cegas, é estarem sensíveis e conhecerem as instituições que têm como finalidade defender os interesses desta camada populacional. E por favor aconselhem o vosso doente a procurarem as associações, incentivem-nos, não os deixem por amor de Deus ficarem em casa a contar os dias, a sofrerem a sua agonia, a cavarem uma depressão crónica.
Se querem verdadeiramente ajudar essas pessoas, façam tudo que poderem para incentivarem o cego a procurarem uma instituição para que se possa reabilitar, e usufruir de todo o apoio que ele precisar.
E vocês estão numa situação muito privilegiada, porque vão vos chegar às mãos muitos pacientes acabados de ficarem cegos, e nesse momento mais do que a lamexísse, é preciso palavras de esperança e de conforto, e mais importante acção. E a melhor acção que podemos ter é procurar quem os possa reintegrar em pleno, social e culturalmente.
Certamente que me hão-de perdoar o desabafo, mas eu sinto que por vezes os médicos apenas se preocupam em tratar da situação clínica do cego, e esquecem-se que a visão uma vez perdida é fundamental aconselhar o doente a começar uma vida nova sem a visão.
Não quero com isto dizer que a componente clínica não deve ser tida em conta, longe disso! Se a ciência tiver uma palavra a dizer, havendo hipótese de recuperar a visão, por pouca que seja, então é preciso fazer tudo o que for humanamente possível para isso. Um pedacinho de visão pode valer ouro.
Mas repito a ideia. Não nos esqueçamos que à mais vida para além da cegueira. E se a equipa médica é quem contacta directamente com o doente e a sua família, e muitas vezes eles não têm mesmo mais ninguém com quem falar, ajudem a pessoa a dar o primeiro paço e a caminhar para uma instituição que o possa ajudar a encarar a vida de uma forma diferente, mas igualmente feliz.
Deixo-vos com esta ideia final.
Ser cego, não significa ser infeliz.
Fim.
Depois da minha apresentação surgiram uma série de questões, qual delas a mais pertinente e que até para mim foram um constante desafio à imaginação e criatividade.
Como não podia deixar de ser, uma futura Enfermeira questionou-me directamente à cerca dos cuidados a ter na comunicação e interacção com uma pessoa cega.
Quando nos chegar às mãos uma pessoa cega como deveremos fazer a primeira abordagem? Perguntou ela sintetizando .
Respondi que regra geral, os cegos não requerem cuidados especiais no trato. A não ser que seja alguém que tenha cegado muito recentemente, e que ainda não se tenha livrado de uma série de traumas, nomeadamente o tipo de linguagem usada, que para o caso é o que interessa, as regras que eu explanei na minha comunicação inicial, ou seja, identificar-se junto da pessoa cega dando-lhe um toque no braço, ter o cuidado de dizer directamente que se trata da enfermeira ou do enfermeiro X, o cego gosta de saber com quem está a falar, e se uma pessoa que vê a pode identificar olhando para a sua vestimenta, já o mesmo não se pode falar de um cego que precisa de saber com quem está a interagir.
Perguntaram-me também se os Cegos frequentavam escolas regulares, ou se haviam estabelecimentos de ensino só para Cegos.
Expliquei, de uma forma muito sucinta que durante muitos anos existiam os institutos de Cegos, onde apenas esses estudavam.
Nessa altura os cegos saíam regra geral muito bem preparados, mas a pretexto da socialização, e no final da década de 80 os Cegos começaram a ser integrados no ensino recorrente.
Actualmente temos as chamadas escolas de referência, que funcionam nas capitais de distrito. Estas escolas são do ensino recorrente, mas todos os cegos que queiram ter apoio e recursos tecnológicos devem frequentar essas escolas, visto que a logística está toda ali concentrada.
Um outro assunto que suscitou interesse foi o dos cães-guia. Perguntaram-se estes podiam entrar ou não em todos os estabelecimentos, mesmo aqueles onde à porta estava afixado um letreiro dizendo: "proibido entrada a cães"?
Expliquei que os cães-guia são considerados cães de assistência e que podiam entrar sem restrições em qualquer estabelecimento, até nos transportes públicos.
Quando eu dizia que se devem evitar quaisquer sentimentos de pena e piedade, eis que foi interpelado com uma questão que eu achei muitíssimo curiosa.
A pergunta era. Não acha que uma família de uma pessoa cega se não demonstrar alguma compaixão para com ela, isso não pode ser visto como um acto de falta de sensibilidade e humanismo?
Respondi que achei uma boa pergunta, e confesso que não estava a contar com uma questão feita nestes moldes.
Mesmo assim avancei com pedagogia e bom senso. Dei o exemplo daquela família que super protege a pessoa cega. E de tanto a proteger acaba por lhe tolher a liberdade de acção e por inerência a sua autonomia.
Nos meios mais rurais, quando um cego começa a andar de bengala é comum os vizinhos se apresentarem chocados, acusando a família de falta de zelo por deixar o cego caminhar sozinho sujeito a cair, a ser atropelado ou a ser vítima de um outro tipo de acidente.
Como consequência disso, muitos cegos pura e simplesmente não pegam na bengala, e quando isso acontece fazem-no fora da sua freguesia.
Essa tal compaixão que a oradora falava como se vê é altamente prejudicial. é verdade que um cego ao andar sozinho pode bater com a Cabeça em qualquer sítio, mas o que eu digo sempre é que esperemos que não tenha sido a última cabeçada! Todos nós, enquanto bebés quando começamos a caminhar caímos muitas vezes, e nem por isso os nossos pais nos desincentivaram a continuar a andar, antes pelo contrário!
Finalmente referi ainda que os sentimentos de pena e de piedade são bem mais amplos. Ao falar disto penso nos comentários que ouvimos quando vamos na rua, nas constantes referências à Santa Luzia, que só podem ser encaradas com humor, mas nem todos têm essa capacidade de encaixe.
Como seria de esperar não faltaram as questões de âmbito digamos assim mais pessoal.
Perguntaram-me como eu conhecia o dinheiro, no qual expliquei que as moedas se conheciam pelos rebordos, e que as notas podiam ser melhor identificadas com o Cachteste.
Exemplifiquei tanto no caso das moedas como nas notas, e todos ficaram a perceber como é que os cegos identificavam o dinheiro.
Perguntaram ainda como um cego levanta dinheiro num caixa Multibanco?
Falei do serviço de apoio por voz que o serviço de ATM disponibiliza, mas apontei o facto de não haver controlo no volume e de isso nos trazer muito pouca privacidade, e também no facto de o software à muito não ser actualizado, trazendo como consequência o facto de as operações disponíveis estarem desajustadas.
Falei da minha experiência e do facto de já ter decorado os paços para levantar dinheiro usando os métodos tradicionais.
Também foi aflorada a questão das compras. Perguntaram-me como é que os cegos se deslocavam aos centros comerciais para fazerem as suas compras?
Expliquei que quando um cego vai sozinho normalmente prefere pedir ajuda na caixa principal do hiper mercado. E agora com a lei 33 de 2008 as coisas estão bem mais facilitadas, porque as grandes superfícies já são obrigadas a terem uma loja por concelho, onde seja disponibilizado um serviço de etiquetagem de produtos em Braille, e apoio personalizado no processo da realização das compras.
Referi que já muito foi reflectido para tornar as grandes superfícies acessíveis aos cegos, mas que a forma mais eficaz ainda é pedir ajuda a um funcionário.
Como não podia deixar de ser, veio à coacção a questão da beleza física.
Foram duas as questões que me colocaram.
Como tem a noção se determinada pessoa é bonita ou feia?
Como Conhece as cores?
A essas duas questões, avancei com uma resposta politicamente correcta.
Expliquei que os nossos padrões de Beleza não tinham de ser obrigatoriamente iguais a quem só valoriza o aspecto exterior.
Dei o exemplo de uma pessoa olhar para outra do sexo oposto, ver que se trata de alguém muito bonito, mas depois quando abre a boca, dá logo vontade de fugir, porque ou entra mosca ou sai asneira!
Neste caso os cegos nem sequer ficam iludidos! Porque bastava falar com essa pessoa e ficariam logo esclarecidos.
Regra geral os cegos dão muito mais valor ao tom de voz, ao toque, ao sorriso, à calma e à tranquilidade, à inteligência, ao sentido de humor, em suma maximizam muito mais a componente afectiva do que a física.
Claro está que quando um cego tem um contacto mais íntimo com outrem, também é capaz de reconhecer se a pessoa tem um corpo bem feito ou não.
Sobre as cores expliquei que pessoalmente eu não tenho qualquer resíduo visual, por isso não tenho nenhuma noção de cor, apenas usufruo do que as novas tecnologias nos trazem, nomeadamente os identificadores de cores, mas ao mesmo tempo referi que existem muitos cegos, que conseguem ver sombras e identificarem luzes e que esses sim já conseguem ter alguma noção de cor, nomeadamente diferenciar as cores escuras das claras.
Outro assunto que também despertou o interesse dos presentes foi o de saber como é que os cegos fazem para apanharem os transportes públicos?
Expliquei que onde as novas tecnologias já estavam implantadas, davam uma grande ajuda, porque o autocarro ao chegar à paragem era produzido um sinal sonoro com o número do veículo e o destino final, e dentro do autocarro o cego podia ouvir qual era a próxima paragem.
Nos locais onde essa tecnologia não existe, é preciso ser um pouco mais criativo e desenvolver algumas estratégias.
Por exemplo, quando não está ninguém na paragem a quem possamos perguntar, o segredo passa por fazer paragem a todos os autocarros e perguntar para onde é que cada um vai.
Relativamente ao comboio e ao metro, as coisas estão francamente mais facilitadas, porque à uma grande ajuda de voz que é dada aos cegos.
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Comentários
Bom dia, Gostei muito
Bom dia,
Gostei muito daquilo que disse no seu blog sobre os cegos e como no ambito de Area Projecto estou a trabalhar no tema da deficiencia visual e gostaria imenso que viesse ver o meu blog e me desse algumas dicas para realizar um bom trabalho e sobretudo para apelar a comunidade à não discriminação das pessoas cegas e ambliopes.