Está aqui

Áudio-descrição: Opinião, Crítica e Comentários - blog de Francisco Lima

Acessibilidade: servidor vivencia quotidiano de um deficiente visual

por Francisco Lima

Prezados,

Vejam esta. Eu já propus algo semelhante a um colega aqui na minha Universidade, a UFPE, mas acho que ele “amarelou”, sei lá. Ele respondeu que eu estava querendo “reduzir” as outras pessoas à minha “CONDIÇÃO”. Mas, o experimento até que seria legal de ver, risos.
Se alguém quiser tentar, tenho uma bengala extra e um par de vendas...
Agora, gente, por favor, não façam isso com suas alunas e alunos, a experiência pode ser perigosa e, além de não ser ecológica, pode sustentar barreiras atitudinais, estereótipos etc. E, se, no entanto, insistirem em fazer essas “vivências” com os alunos de educação inclusiva, fiquem por perto, deem as orientações e suportes adequados.
Digo isso, pois certa vez, faz pouco tempo, estavam umas alunas fingindo de cegas, aqui na frente do meu prédio, no Centro de Educação e a professora não estava junta, nem perto, nem nada...
Bem, bem na hora que eu passava, uma “ceguinha” de primeira viagem batia a canela no banco e, pelo o que pude ouvir claramente, houve dor! Muita dor!
Fiquem com o texto, pois.
Feliz dia do cego,
Francisco Lima
Acessibilidade: servidor vivencia quotidiano de um deficiente visual
Durante a 1ª Semana da Acessibilidade do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins, alguns servidores estão vivenciando as dificuldades que uma pessoa com deficiência encontra para realizar as atividades rotineiras como subir escadas, redigir um texto entre outras ações consideradas simples para quem não possui qualquer tipo de deficiência.
A Semana de Acessibilidade acontece para sensibilizar os servidores e também para criar e propor melhorias nos acessos do Tribunal e dos locais de votação. Por esse motivo, o analista judiciário Francisco Moura Fé, atuou como voluntário, vivenciando uma pessoa com deficiência visual. Em carta emocionante aos colegas de serviço, Moura Fé conta como foi o seu primeiro dia na condição de um deficiente visual. Confira abaixo:
Cego por um dia:
“Eu fiz questão de participar da vivência de acessibilidade para que eu pudesse entender esta forma diferente de “ver” o mundo e ajudar na identificação das necessidades que um deficiente visual enfrenta diariamente no seu ambiente de trabalho e nos locais por onde se locomove, para que possamos tentar mudar nosso ambiente de trabalho e outros ambientes.
A experiência começou com o uso da venda nos olhos que para mim foi como se as luzes tivessem sido apagadas e só restassem vozes ao meu redor. A princípio reconheci quem se comunicava comigo e quem conversava ao redor. O engraçado é que a gente passa a perceber a localização das pessoas, se está em pé ou sentado, está próximo ou distante pela direção do som.
O Clairton Thomazzi (servidor do TRE-TO com deficiência visual) apresentou as dicas de o uso da “guia”, conhecida como bastão de cego, e eu procurei entender a explicação do uso com a venda nos olhos pra me colocar na situação de um deficiente visual que vai aprender o uso de uma ferramenta sem que a veja.
Ao sair do auditório do pleno procurei seguir as orientações recebidas além de utilizar a imagem que tinha na mente a respeito do prédio do TRE-TO e suas dependências. A primeira coisa que pensei foi: “tenho que saber onde estou e não posso perder esta referência em momento nenhum”.
Segui rumo às escadas, subi para o 1º andar me guiando pela guia e pelo corremão da escada. A cada momento sentia um pouco de medo de cair ou pisar em falso e me machucar devido à sensação de estar no escuro e não saber exatamente onde estava pisando. Ao chegar no 1º andar encontrei alguns obstáculos para chegar na STI pois a situação que imaginava havia sido mudada. A porta “corta fogo” e a porta da STI estavam fechadas, o que não era costume, além de que no meio do caminho estava cheio de obstáculos desconhecidos tais como cadeiras nas passagens.
Passada esta fase consegui chegar na minha mesa, sentar, beber a água da minha caneca, além de sentir que tinha chegado ao “porto seguro”.
Sentado em frente ao meu computador, até consegui desbloquear a minha máquina, mas não consegui fazer nada porque na mesma não estava disponível nenhum aplicativo que me permitisse utilizar o computador.
Consegui fazer algumas ligações telefônicas usando os números de ramais que lembrava, mas quando precisei ligar para o Clairton, por exemplo, tive que recorrer aos “universitários”.
Participei de 02 (duas) reuniões, onde em uma delas o Clairton estava presente. Opinei sobre o assunto mas não pude consultar nada ou ver o que estava sendo apresentado. Em todas as vezes que me manifestei, não tive como sentir a reação dos participantes em relação aos meus comentário, fiquei tentando imaginar pela entonação, mas se alguém ficasse calado eu não entenderia nada.
Numa das reuniões o Clairton me trouxe um iPad configurado pra ele, pra que eu participasse da reunião e fizesse anotações, mas o máximo que consegui fazer e acho que foi muito, foi desbloquear o iPad.
Resolvi experimentei tomar café sem a ajuda de ninguém pra me servir e acho que só consegui porque eu já sabia exatamente onde estavam os copos e a garrafa de café.
Após as reuniões imaginei que a experiência ficaria melhor se eu tentasse andar pelas dependências do prédio, então resolvi ir ao terraço devolver o iPad ao Clairton. Segui novamente rumo à escadas, o que já não foi muito difícil por me agarrei ao corrimão e só larguei quanto cheguei ao terraço.
O engraçado foi a reação das pessoas a me ver com a venda nos olhos, pois achavam que eu tinha feito alguma cirurgia. Algumas pessoas que sabiam da experiência queriam me conduzir me segurando, mas eu queria ir só pra sentir as dificuldades.
No Terraço, fui “tateando” até chegar onde eu imaginava que seria a sala do Clairton. Antes de chegar algumas pessoas me orientaram “segue reto, mais pra esquerda, bem aí”. Foi engraçado. Mas enfim consegui chegar na sala do Clairton e entregar o IPad.
Após conversar um pouco, segui meu caminho de volta, parando na copa e me servindo um copo de café apesar de apanhar da garrafa que tinha um botão que eu não conseguia que o café saísse.
Segui rumo à porta que identifiquei fácil pelo barulho do elevador e pelo calor que senti vindo da parede onde imagino que seja o elevador. Decidi que pela escada era “mais seguro” apesar de que no início dos degraus não ter uma sinalização no piso que indicasse isso.
Esta parte foi a parte que mais fiquei com medo, pois iria experimentar descer e quando chegasse ao 3º andar não queria me arriscar no elevador com medo que a porta abrisse e o elevador não estivesse lá. Além disso tinha medo do momento de sair do elevador, principalmente o da direita, seguir reto sem perceber e cair na escada.
Desci do terraço até o 2º andar, onde resolvi visitar os amigos da seção de compras. Fiquei receoso ao soltar o meu “porto seguro” (corremão) e seguir rumo à SECOM com medo de escorregar nos degraus ou entrar na porta do elevador. Graças a Deus foi tudo bem. Lá conversei um pouco e recebi um convite da Olga que passava por lá, para comer a canjica solidária na SEREF, o que prontamente resolvi experimentar.
Fiquei novamente preocupado com a saída da SECOM para não escorregar nos degraus ou na porta do elevador, então mirei reto usando a guia pra identificar os degraus e a lateral onde fica o elevador até a porta corta fogo onde em frente fica a sala do Julhierme, Zilmar e Márcio Roberto. Dobrei à esquerda, dei um tchauzinho no rumo do vidro, mas não sei se tinha alguém lá e se responderam pois não ouvi nada e nem vi(risos).
Segui rumo à SEREF e no caminho topei com vasos de plantas e a porta de vidro fechada, que atrapalhou no início, mas depois foi só dobrar à esquerda que certeza chegaria à SEREF. Saí com a guia acertando as laterais que lembro ser cheia de armários até onde imaginava ser a mesa da Olga e por pouco não peguei na panela quente de canjica. Lá, acho que fui servido pelo Flávio que me orientou ao entregar um copo cheio de canjica quente com uma colher dentro. Quando fui comer, derramei um pouco ao colocar a primeira colherada pois não tinha noção da quantidade de canjica dentro do copo. Fora isso, não errei a boca.
Ao terminar de comer fui pagar a canjica que custava R$ 2,00. Tirei uma nota da minha carteira mas não sabia qual o valor, então falei: “recebe os meus R$ 100,00 e me dá o troco”. Recebi algumas notas e uma moeda mas no momento não sabia quanto tinha recebido apesar de achar que fosse R$ 8,00 porque tinha duas notas e seria uma de R$ 5,00 e outra de R$ 2,00 e uma moeda que presumi que fosse de R$ 1,00.
Despedi-me e saí rumo à STI quando uma pessoa que não identifiquei pela voz, apenas sabe que é do sexo feminino, questionou se eu iria sozinho. Respondi que sim pois estava fazendo um experimento. Ela riu e acho que me acompanhou até eu entrar rumo à escada.
Novamente me agarrei ao meu “porto seguro” (corrimão) e desci para o 1º andar. Ao entrar na STI ouvi a voz do senhor Gilberto e outra pessoa falando sobre alguma coisa que estavam montando então alguém me alertou quanto à escada que estava no meio do caminho. Imediatamente retornei e contornei a mesa de reuniões e fui perguntando se estava longe da escada até que cheguei na minha mesa.
Como última atividade resolvi ir ao banheiro, o que não foi difícil porque os nossos banheiros são limpos e sem água acumulada no chão, que imagino ser o maior medo de alguém que entra num banheiro sem enxergar. Além disso, por não ser tão movimentado facilitou utilizar o mictório com tranquilidade. Não tive problemas para localizar a pia e o papel toalha, mas acho que devido à minha memória do ambiente.
Por fim quando imaginei que fosse a hora da experiência terminar perguntei o número do ramal do Clairton, liguei e ele me informou que eu já poderia passar a venda e a guia para a Maria Lúcia.
Quando tirei a venda senti a claridade muito forte e incômoda, mas de certa forma, senti um grande alívio, pois a vida do Clairton neste ponto, não é fácil.
Passei o “kit” para a Maria Lúcia, dei instruções a ela baseadas na minha experiência. Por fim, eu a acompanhei sem interferir, até a sala dela.
Enfim, parabéns pela iniciativa do projeto. Gostei da experiência e acredito que posso ajudar a mudar os ambientes e torná-los acessíveis a quem precisar.
Francisco Moura Fé