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Opinando - Blog de Filipe Azevedo - blog de Filipecanelas

Abaixo a pedincha e os paninhos quentes na forma como se apelida a alguém que não vê

por Filipecanelas

Ao longo da minha vida, já conheci muitas formas de caracterizar a pessoa que não vê.
Este pequeno texto não pretende discorrer à cerca da forma como este tema tem sido abundantemente debatido no meio académico, porque neste particular, hoje já existe um amplo consenso sobre a forma como chamar a uma pessoa sem visão, que é cego.
Portador de deficiência dá a ideia que somos portadores de algo que a qualquer momento podemos dispensar, ou então que andamos ali com a cegueira, como se fosse um objecto, algo que adquirimos por nossa própria vontade.
Invisual é melhor que portador de deficiência visual, mas se virmos bem, o visual não é propriamente a mesma coisa que a visão, embora se interliguem. Mas quando nós cuidamos do nosso visual, estamos a tratar do nosso rosto, da nossa aparência, do nosso aspecto! Logo numa análise mais livre e literal invisual seria um deficiente do visual, aquilo que num raciocínio baseado na piada fácil, poderíamos apelidar de feio!
Por isso, encontrou-se o cego, que muita gente acha duro, mas que na verdade é a forma mais correcta que se deve usar quando se fala da falta da visão.
A razão principal deste texto é chamar a atenção para a forma como muita gente aparentemente culta, inteligente e bem formada caracteriza uma pessoa cega.
Como se não bastasse, esta pérola foi preferida por um empresário numa festa, quando quis apresentar um ser humano, que lá está, é cego, que ia subir ao palco para o seu habitual, super, hiper, mega peditório que empesta a maior parte dos concertos de alguns artistas famosos aqui no norte do país.
Então, o senhor empresário hesitou imenso antes de chamar o senhor, e disse textualmente isto "estamos aqui todos a olhar uns para os outros, mas há pessoas que não o conseguem fazer, eu vou chamar aqui uma pessoa que, que, que, tem insuficiência visual, não consigo dizer de outra maneira".
Detesto, repudio, e estou frontalmente contra a forma como se expõem negativamente a cegueira, dando uma imagem de tristeza, de solidão, de fraqueza, ainda por cima usando a pedincha que como todos sabem é aquilo que de mais negro os cegos têm na sua existência histórica, e ainda por cima quando os apresentadores nem sequer têm a dignidade de usar as palavras certas, e utilizam paninhos quentes, fazendo figura de ignorantes, porque insuficiência visual praticamente todos têm, visto que a partir do momento em que após correcção a pessoa não tem 100 % de visão, tem insuficiência visual, não tenhamos medo das palavras!
Depois disto digam-me. Como é que eu não posso estar irritado e furioso?
É que eu por acidente também estava lá! E também sou cego! E não me revejo nesta maneira de valorizar, ou neste caso desvalorizar a luta pela nossa dignidade e pela nossa plena inclusão.
E o que me desgosta mais ainda é perceber que há cegos que acham isto bonito e querem que a sociedade civil tenha pena do seu infortúnio.
Eu costumo ser tolerante, mas meus queridos e minhas queridas, acreditem em mim, esta política da pena e da comiseração embora não vos possa parecer, prejudica muito mais do que beneficia.
Se não formos nós a contribuir para eliminar definitivamente este anátema, este estigma do cego pedinte e desgraçado, não vai ser a sociedade civil que nos vai passar a olhar de outra forma mais digna e mais condizente com a realidade assim do pé para a mão.
Quando uns gastam o seu tempo a lutarem pelo acesso ao emprego, à cultura, à educação, e à sociedade de informação e do conhecimento entre outros, temos companheiros que demonstram estar completamente nos antípodas desta postura, e semeiam a imagem do cego na solidão, o cego carente, o cego pobre, necessitado, e desculpem-me a repetição, o cego pedinte! É mesmo essa imagem que esses companheiros passam.
Eu sei bem o caminho que quero seguir.

Comentários

Olá Filipe!

Boa reflexão! Concordo plenamente consigo e também penso que “cego” é o termo que caracteriza corretamente uma pessoa que não vê.

Invisual é um termo que muitas pessoas aparentemente cultas utilizam para designar alguém que nasceu ou deixou de ver, embora possuam visão como todas as pessoas. Quero dizer, todos temos 5 sentidos mas por circunstâncias exteriores perdemos a capacidade de ver ou de ouvir, o que impede temporária ou definitivamente o desempenho da nossa visão ou da audição.

No entanto, o verdadeiro significado de invisual é: alguém que não se vê; invisível; que não tem visual. Mas como pode ser invisual uma pessoa que tem visual? Se todos temos visual, por que é que uma pessoa cega não pode ter também? É um absurdo chamar de invisual a uma pessoa cega que tem o seu visual, ou querem fazer de nós transparentes?

Além disso, eu nunca gostei que me chamassem de invisual, porque prefiro o termo “cego” e não sou daquelas pessoas que deixam que as tratem como “coitadinho” ou como “inválido”! isso é humilhante, muito estigmatizante e pejorativo. A compaixão só serve para tornar a pessoa mais infeliz e revoltada.

Quanto a portador de deficiência visual, sou cego adquirido mas não desejei ser portador da minha cegueira, nem quero sentir que a adquiri como um objecto. Ela é uma apenas limitação sensorial nada mais.

Temos de usar a palavra “cego” sem mágoa, porque não é a cegueira que é triste mas sim a ignorância de quem faz dela uma fatalidade ou uma espécie de fim do mundo. Inteligência é sinónimo de boa adaptação ao meio. Portanto, é possível encontrarmos formas alternativas que possam colmatar a falta de uma visão funcional.

Revolta-me que a cegueira esteja associada a um pensamento demasiado pessimista e negativo, que ainda perdure a imagem do cego desafortunado que clama por piedade e pede esmola na rua. A vida das pessoas cegas foi assim durante muitos séculoos e a mendicidade era a única forma de sobrevivência das classes sociais mais desfavorecidas. Só recentemente, no século XX, é que passámos a ter teoricamente os mesmos direitos como os demais, embora na prática continue aquele preconceito de que somos menos aptos e inteligentes, que somos mais dignos de comiseração do que de outra coisa…

E também revolta-me que se aproveitem da cegueira para causar sensacionalismo, que as pessoas ajudem mais por caridade do que por solidariedade, e que os peditórios para ajudar sejam feitos apenas para provocar pena por quem precisa de ajudas técnicas muito urgentemente.

E concordo plenamente quando diz que temos de ser nós a contribuir para eliminar esses preconceitos negativos sobre a cegueira, seja com o nosso testemunho, por meio de redes sociais, livros ou por meio de tudo o que estiver ao nosso alcance. Porque só assim estaremos a mostrar o contrário daquilo que se formou de negativo acerca da pessoa cega.

Cumprimentos

Olá Marco e Filipe !

Nesse aspecto, em concordo plenamente com q o Marco disse ! loool

Eu confesso q em tempos tb chamava de invisuais, mas como me explicaram cá no lerparaver e mto bem, uma pessoa invisível não se vê, parece aquelas coisas da banda desenhada e dos filmes, em q personagens ficam invisíveis ! looool

Ceguinho não acho bem, porque geralmente tá um bocado associado à expressão "coitadinho do ceguinho", e pra mim coitadinho é 1 burro sem cornos ! hehehe

Portanto o melhor é chamar pelo nome mais apropriado de cego / cega, ou DV (Deficiente Visual), mas q em boa verdade são tão bons ou melhores q os outros ditos normais ... !

Abraços

Prezados, concordo com tudo o que foi comentado até agora. Cego e deficiente visual são os termos que devem ser utilizados, sem rodeios, sem frescuras. Quaisquer outras designações, além de em nada contribuírem para nossa vida, acabam se convertendo em uma barreira para a efetiva aproximação entre cegos e videntes, porque sempre haverá uma dúvida e um constrangimento destes ao se referirem às pessoas que não enxergam.

O pior de tudo é ver que, se você tenta desembaraçar um vidente, dizendo que ele pode utilizar a palavra "cego" normalmente, será visto como um "conformado", um acomodado diante da "tragédia" que se abateu sobre sua vida.

No meu entender, no que tange às terminologias, dois princípios são fundamentais: o do respeito e o do bom senso. Com efeito, você não pode pretender que um indivíduo sem instrução adequada fique se policiando o tempo todo para utilizar os "termos corretos"; da mesma forma, o indivíduo que conhece alguém que se sente ofendido diante de um determinado termo deve evitar utilizá-lo, até que o outro perceba que essas terminologias levam do nada para lugar nenhum.

Michel

Viva,
Concordo com os companheiros filipes e marco. Contudo, da mesma forma que um cego não deve ser chamado de invisual e muito menos ceguinho, as pessoas com visão normal não devem ser chamadas videntes, e neste ponto não vi só o Michel usar este termo, mas também outros brasileiros. Vidente é sinónimo de alguém que lê cartas, falando astrologicamente, pelo menos aqui em Portugal. Este termo já começa a ser muito familiar entre os cegos, pois ainda ontem conversei com um amigo meu que também me disse: este equipamento era de um vidente... ... Qual vidente, qual carapuça! Lol. Posso não ser o mais correto, mas prefiro dizer normovisual.
Cumprimentos a todos.

Tiago Duarte

Olá Amigão !

Que eu saiba por ser normovisual, não sou vidente (ou tb designado de bruxo) ! loooool
Ainda não dei nenhuma consulta nesse sentido, nem adivinho as coisas atempadamente, apenas tenho o dito sexto sentido, mas isso toda a gente tem ! loool

Portanto e como bem disseste o mais correcto é normovisual !

Abraços

Olá Tiago!

Que bom ver-te por aqui!

Isto de dividir as pessoas em cegos e normovisuais é absurdo, porque um cego pode voltar a ver e um que vê ficar cego. Portanto, a deficiência todos a temos, não apenas os outros.

Ser cego é apenas não possuir uma acuidade visual que permita ao indivíduo ser autónomo nas tarefas que requerem o desempenho da visão, tais como, conduzir um veículo, pintar um quadro, desviar-se de obstáculos em sítios desconhecidos, etc. Todo o resto é invenção, é polémica académica, é terminologias culturais. No Brasil, aparece frequentemente o termo vidente, apesar de não corresponder ao seu valor epistemológico real. Porque uma pessoa vidente tem a capacidade de ver mais além do que a visão das pessoas comuns, é capaz de prever eventos futuros, de notar a presença de espíritos desencarnados, etc. Talvez o termo mais correcto seja pessoas que enxergam ou simplesmente não usar terminologia nenhuma, porque todos somos iguais e diferentes, não pelo facto de vermos ou não, mas sim pela nossa personalidade, temperamento, carga hereditária, meio social e xperiência de vida.

Não concordo que se use o termo vidente, mas à falta de vocábulo foi assim que este termo tornou-se moda no Brasil e aqui. Por que é que mão se usam as palavras mais simples? Cego e pessoa não-cega? No fundo, nunca se deve dizer "o cego", mas sim tratar a pessoa pelo seu nome. Nos meios de omunicação aparec cabeçalhos com o cego ou a cega isto ou aquilo. Por que é que não dizem simplesmente este senhor é músico em vez de este senhor invisual?

Complicamos o que é simples e natural e acabamos por prejudicar-no a nós e aos outros.

Quando é que deixamos de sobrevalorizar o exterior de uma pessoa e começamos a valorizar o qe ela é realmente, pelas suas capacidades e qualidades?

Abraço

Olá Marco !

Pois é, ultimamente o lerparaver anda mais pessoal a participar ! looool

Não, claro q absurdo, porque apesar de cegos, coxos, normovisuais .... todos somos feitos de carne e osso, e todos temos sentimentos, e desejos de sermos tratados com dignidade, de sermos amados .... !
O amanhã só DEUS sabe, e o mundo dá muitas voltas !

Tirando o facto de conduzir de carro, acho que os cegos se tiverem as tais aulas de mobilidade, conseguem uma autonomia quase total ! loool

É mesmo, as coisas são simples por natureza, nós é q complicamos ! loool

Abraços

Meus caros amigos.
Estou muito contente pela quantidade e a qualidade dos comentários que li a este pequeno texto.
Comentários muito pertinentes, muito bem fundamentados e sensatos.
fiquei mesmo muito satisfeito.
Concordo que a palavra vidente não deve ser usada para caracterizar quem vê, no entanto há uma diferença fundamental, é que quando um cego usa o termo vidente não é com sentido discriminatório, porque ninguém vai pensar que uma pessoa com visão se vai sentir revoltada ou descriminada por ser chamada de vidente!
A não ser que seja alguém que tenha mesmo trauma e aversão a bruxas!
No entanto, vocês têm toda a razão em dizer que não faz sentido usar esta terminologia.
Gostei muito da reflexão do Marco que nos diz que essencialmente devemos ser tratados pelo nosso nome, e não podia estar mais de acordo com a ideia segundo a qual nós complicamos o que é fácil.
Penso no entanto que muitos dos meus queridos amigos que comentaram este artigo apesar de terem feito uma análise muito acertada e equilibrada à forma como se deve chamar a uma pessoa que não vê, receio que não perceberam o foco do artigo.
Claro que esta questão do cego e do invisual é importante, mas o mais indigno é o modo de actuar de algumas pessoas que deviam fazer muito mais por dar uma boa imagem das pessoas cegas.
Verifico com muita perplexidade que internamente há um grande consenso na condenação da comiseração e do discurso miserabilista.
O grave problema é que depois este aparente consenso não liga com a realidade, e ainda somos muito brandos quando de certa forma legitimamos quanto mais não seja com o nosso silêncio estas atitudes que transformam o ser humano sem visão em ceguinho diminuído perante a sociedade.
E se temos tantos anos, tantas gerações em que os cegos eram pedintes, tocadores de acordeão na esquina, estas coisas que eu tenho assistido só fazem com que a opinião pública confirme na prática esta visão.
Um dia alguém que juro não me recordo dizia que os cegos são uma classe.
Eu não sou tão peremptório. Mas lá que a sociedade civil nos vê enquanto tal não tenho grandes dúvidas.
Cabe-nos também a nós, principais interessados, fazer tudo para desconstruir esta ideia pré concebida e ajudar-mos a mostrar que regra geral os pedintes e os miseráveis não são os cegos, mas sim uma parte pequena de cegos.
Reparem que eu não uso a palavra pobres, porque ser miserável não é ser pobre.
Dos pobres eu tenho muito respeito e ajudo no que poder. Aos miseráveis não merecem a nossa compreensão.
Um abraço forte para todos os cegos lutadores e construtores de coisas boas e positivas.

+Filipe Azevedo

Bom Dia Filipe,

Realmente, este é um dos aspectos que nos diz respeito, e como tal houveram imensos comentários com qualidade loool
Normovisual e cego são os termos correctos, mas melhor do que isso é tratar pelo nome óbvio !
Mas quem sequer nos conheçe, é preferivel dizer aquele tipo é cego, do que aquele tipo é ceguinho ou invisual, entendes ?
E tu bem sabes q a gente nas ruas, houvem-se comentários desses, alguns bem desagradáveis .... !

Focalizando ao cerne da questão ....
Isto não tá fácil, a crise piorou imenso as coisas, mas não nos devemos deixar levar pela crise não só económica, mas de valores ... !
Que a crise não seja um pretexto para não se fazer nada ... !

Lembro-me há anos quando estudava na Faculdade de Ciências da Univ. Porto, antigamente havia um túnel para se atravessar para s. bento, e havia lá uma sra que de pedinchisse era demais ... mas noutros locais da baixa do Porto, via outros casos do género .... !
Uma amiga minha, cega mas socialmente activa, um dia foi ter com essa fulana do túnel e disse umas poucas e boas verdades ... a sra ficou admirada .... ! loool

Todos sabemos que generalizar é um erro grave ! :-(
Porque nem todos os ciganos são maus, nem todos os brancos são bons, nem todos os cegos são pedinchas .... !
E a sociedade ao ver estes cegos pedinchas, generalisa por todos aqueles que se esforçam todos dias por ter uma vida digna, trabalhando .... !

Mas na minha opinião, isso só mudará, quando nós próprios estivermos atentos a essas situações e actuarmos na hora com frontalidade, e só com estes e outros testemunhos, é q a sociedade irá perceber que existem diferenças, e q generalizar é grave ... !
Mas se não formos nós a fazer, mais ninguém o faz por nós, acreditem !

Abraços