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"Nenhum pessimista jamais descobriu os segredos das estrelas, nem velejou a uma terra inexplorada, nem abriu um novo céu para o espírito." (Helen Keller) - blog de Marco Poeta

Relatório de estágio

por Marco Poeta

RELATÓRIO DE ESTÁGIO

Marco Aurélio Maltez Branco

26 de Fevereiro de 2009

O presente relatório é fruto de um estágio realizado no Centro Novas Oportunidades (CNO) da Casa Pia de Lisboa – Centro de Educação e Desenvolvimento António Aurélio da Costa Ferreira.

Esta instituição tem como principal objectivo o reconhecimento, a validação e a certificação de competências de pessoas adultas maiores de 18 anos e portadoras de deficiência sensorial. Procura, assim, promover a igualdade de oportunidades a estas populações e combater a discriminação social a que, por razões culturais ou socioeconómicas, são sujeitas.

Conforme o plano de estágio delimitado pela assessora do CNO, a Dr.ª. Fátima Martinho, foram-me apresentados os objectivos gerais do Centro logo no dia 10 do mês de Fevereiro, ou seja, no primeiro dia de estágio. Numa visão global, o Centro permite elevar a qualidade de vida e melhorar o acesso de pessoas com défices sensoriais a serviços, equipamentos (tecnologias de informação e de comunicação) e a instituições de ensino, emprego e de enriquecimento cultural. De acordo com as necessidades e o desejo deestas pessoas melhorarem a sua qualificação e formação, através desta instituição de solidariedade é-lhes possível obterem um nível escolar equivalente ao ensino básico, e certificar as suas competências que foram adquiridas ao longo das suas vidas, através do desempenho de funções ou de experiências directas.

No dia 11, participei numa actividade cultural juntamente com os formandos, os formadores e alguns voluntários. Tratava-se de uma exposição num museu de Lisboa intitulada “O Oriente na ponta dos dedos”. Os instrumentos musicais e os objectos de diversas culturas orientais estavam legendados em Braille e podiam ser tocados por pessoas com deficiência visual. Contudo, o grupo de visitantes do CNO era também constituído por pessoas com surdocegueira, daí que utilização da língua gestual fosse indispensável para a recolha de informação sobre as peças expostas.

Todos os formandos sem excepção puderam tocar e experimentar os artefactos tailandeses, chineses e indianos. Todos estavam manifestamente interessados e cativados por conhecerem algo inteiramente diferente da sua cultura e que nunca antes tiveram possibilidade de se aperceberem da existência da diversidade cultural do Homem.

Alguns dos formandos com os quais tive em contacto durante a visita ao museu, sobretudo surdocegos, estavam muito sensibilizados e satisfeitos com aquela experiência única e repleta de novidades. A Carolina estava fascinada com o facto de a exposição estar acessível, o que fazia todo o sentido que outras pessoas com necessidades especiais também tivessem a possibilidade de participar em eventos de âmbito cultural. Poder, por exemplo, tocar na máscara do deus da montanha Taiwan e colocá-la no rosto tal como as pessoas a colocavam nas festividades religiosas; saber o que era um palanque portátil e um altar portátil do deus Krishna; a estatueta de Buda, o fundador do budismo na Índia; as estatuetas do deus Gannesh, uma divindade indiana e benévola; as marionetas chinesas de brincar que podiam ser colocadas nas mãos dos visitantes cegos. Tudo apreendido na ponta dos dedos, um órgão sensorial do conhecimento e não apenas com uma função redutora. Mesmo que a Carolina não ouvisse ela tocar no xelofone e no xilofone tailandeses, era possível sentir a diferença do toque das marimbas de metal e senti-las vibrar, assim como ter a noção real dos objectos. Quem sabe se um surdocego tem um sexto sentido para a música?

O André revelou uma grande e contagiante satisfação com o passeio ao museu, revelando emoções muito positivas. Adorou tudo, incluindo colocar-se debaixo de um pequeno dragão chinês utilizado nas festas do Ano Novo Chinês.

A visita ao museu foi preparada pelo CNO e o entusiasmo geral foi benéfico para que esta instituição pública de apoio social prosseguisse nos seus objectivos de defesa dos direitos das pessoas com deficiência, abrangendo também as instituições de índole cultural que estejam acessíveis.

Ainda no mesmo dia, estive em ambiente de convívio com o jovem surdocego André. É cego total e tem alguns resíduos auditivos, que lhe permitem uma comunicação deficitária com os outros interlocutores. Entretanto, o período de tempo no qual estive com ele foi escasso e não me permitiu aprofundar o meu conhecimento sobre as temáticas da sua problemática. Por isso, apenas irei expor o momento do contacto e a minha interacção com este jovem.

Depois do almoço verifiquei que todos os formandos se reuniam para conviver menos o Andrr. Os que eram cegos comunicavam através do sentido da audição, enquanto que os que eram surdos comunicavam através do sentido da visão. Mas o André não tem acesso a essas formas alternativas de comunicação, daí o seu consequente isolamento e uma vida social menos activa. O contacto físico com ele é muito importante, visto que o seu canal de percepção e de recepção da informação é predominantemente o tacto e porque ele necessita de tocar no seu interlocutor para ter a noção da sua presença e emoções. Não basta uma linguagem verbal para exprimir sentimentos e intenções, o André tem de sentir os outros para os compreender, por isso comuniquei com ele através da postura corporal, dos gestos das mãos, e encorajei-o a partilhar comigo e com os outros ideias e afectos. porque sei que vive muito só no seu mundo introspectivo.

Aos poucos a comunicação entre nós foi ficando mais espontânea, pois a sua postura contraída e reservada foi dando lugar a um diálogo facilitado pelo próprio. Comunicou-me que sabia Braille embora não mantivesse correspondência com outros jovens como ele, nem tivesse facilidade em fazer amigos. O seu único meio de comunicação eram as próteses auditivas que lhe permitiam uma audição deficitária, e eram notórias as suas dificuldades e os enviesamentos na descodificação das mensagens. Porque respondia a um assunto de modo completamente diferente do que lhe era transmitido directamente ao ouvido.

Foi importante deixá-lo comunicar à vontade, e informou-me que estava a aprender informática e que evidenciava entusiasmo pelos computadores. Disse-lhe que estava contente e que o computador era uma excelente ferramenta para aprender e comunicar com os demais. Mas também reiterei a necessidade de utilizar muito o Sistema Braille e de manter correspondência com outros jovens cegos e surdocegos, que como tinha a sua máquina de escrever Braille enferrujada devia substitui-la por uma nova. Só assim poderia corresponder-se com os amigos e não se sentir a única pessoa do mundo com dificuldades.

Claro que para conversar com ele precisei da minha disponibilidade e sensibilidade, mas tive uma grande compensação ao senti-lo bem-humorado e comunicativo. Mostrava-se satisfeito com a atenção e o interesse do seu interlocutor, o que o motivava a falar mais e a exteriorizar os seus estados emocionais. O contacto social era imprescindível para o seu desenvolvimento e ele estava um pouco “estagnado” em virtude do seu reduzido contacto e convívio com as pessoas e sobretudo com jovens rapazes próximos da sua idade para uma troca de experiências comuns.

Da parte da tarde, assisti a uma aula de inglês estruturada e orientada para os formandos que utilizavam o Sistema Braille regularmente. Mas antes disso também observei o modo como os formandos na sala de estar passavam o tempo de ócio convivendo uns com os outros. O Centro era também um espaço social para eles se reunirem e partilharem as suas vivências, emoções e os seus problemas, tal como para criarem laços de amizade com os seus colegas e sentirem-se mais capazes de se aceitarem e elevarem a sua auto-estima.

O grupo que acompanhei era constituído por alguns surdocegos e cegos, na sua maioria do sexo feminino, que utilizava o Sistema Braille como instrumento de trabalho e de comunicação. No entanto, existia outro grupo de formandos metodicamente separado do grupo já referido, que não apresentava um bom domínio do Braille e que se encontrava a aprender no computador com o auxílio de um sintetizador de voz. Só assim era possível dar formação aos vários formandos de acordo com as suas necessidades.

O grupo que trazia consigo um dossiê onde arquivava todos os exercícios das aulas para depois incluir no portefólio de reflexão de aprendizagem. Todos os formadores tinham obrigatoriamente de saber LGP (Língua Gestual Portuguesa) para interagir com os surdocegos, e a formadora de Inglês comunicava com eles através dessa língua para que se pudessem entender. Quanto ao Braille, os que eram apenas cegos e os que tinham resíduos auditivos suficientes para ouvirem no mínimo, era-lhes pedido que lessem em voz alta o que tinham escrito em Braille para se fazer a correcção do exercício e ao mesmo tempo praticar a oralidade da língua estrangeira.

Apenas assisti a metade da aula e mostrei-me disponível caso algum formando necessitasse de ajuda no Braille. Além disso, foi-me possível analisar um exercício de aprendizagem da Língua Inglesa e constatar que era feito de forma básica e mais prática para o dia-a-dia e que servia como importante complemento para o diploma de certificação de competências.

Seguidamente, fui introduzido sobre as dinâmicas do CNO, desde o acolhimento das pessoas cegas, surdas e surdocegas até ao processo de elaboração do portefólio reflexivo de aprendizagem.

O processo de acolhimento de pessoas adultas é da responsabilidade da técnica, a Dr.ª Helena Alves. Fui inteirado sobre o modo como era realizada a inscrição no Centro, o modelo entrevista individual, em que consistia o diagnóstico pedagógico e, por último, o encaminhamento. A inscrição no Centro pode ser solicitada utilizando os meios de comunicação mais acessíveis aos candidatos.

Durante a entrevista individual é realizado um registo sobre os dados pessoais do candidato e um questionário como diagnóstico pedagógico sobre o nível de escolaridade e as experiências profissionais, bem como as competências sociais que a pessoa tenha desenvolvido ao longo do seu percurso. Não somente são relevantes o nível escolar mas também todas as aprendizagens e competências e a participação na vida social. É referido na entrevista individual se o candidato está inscrito nalguma associação ou instituição, se participa em actividades sociais e culturais, tal como que trabalhos foi desempenhando ao longo da sua vida, que cursos ou formações profissionais tirou.

Assim, constatei que não é apenas avaliado o nível de escolaridade, mas a apropriação de competências e o nível de integração social da pessoa com défices sensoriais. Em colaboração com a técnica de diagnóstico pedagógico e encaminhamento, foram-me explicados os componentes do ingresso dos adultos no Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC). Neste Processo de RVCC é realizada uma apropriação de aprendizagens ao longo da vida para as áreas da Matemática, Língua Portuguesa e Cidadania.
Com os diferentes formadores é elaborado o Portefólio Reflexivo de Aprendizagem (PRA), que contém as competências do formando que foram confirmadas e reconhecidas pelos mesmos técnicos. O seu reconhecimento oficial é realizado por um júri qualificado que atribuirá o certificado de competências ao formando.

Comentários

Olá Marco !

Sim Sr, grande relatório heim ? lool
Não li tudo mas percebi as ideias chave .... !
Fizeste um óptimo trabalho ! loool

E q tal, agora após o estágio no CNE, fazeres parte activa do mesmo ?
Concerteza q irias fazer toda a diferença ..... !
Pensa nisso !

Abraços

Bom dia Filipe!

Como tás?

Gostei do estágio que fiz no CNO quando estava no 3º ano da licenciatura. Foi muito interessante, mas não foi um estágio de psicólogo, foi antes para ganhar experiências e competências no mundo real onde existem os problemas reais. Quanto mais experiência se tiver mais somos conscientes e aprendemos a aplicar os nossos conhecimentos na hora certa.

Estou no último ano do mestrado de Psicologia da Educação e o meu estágio como psicólogo vai ser na escola secundária de Rio Maior, onde os jovens são ditos "normais". Eu mesmo é que insisti para estagiar lá e consegui que fosse aceite mesmo contra vontade dos outros. Vai ser para mim um grande desafio mas eu adoro desafios e estou sempre a meter-me em cada uma! eheheheheh

Abraço

Olá Marco !

Eu tou bem ! looool
E tu ?

Ah, fizeste bem, afinal nunca ninguém perdeu por ganhar experiências e competencias, bem pelo contrário ! lol
Quanto mais experientes somos, mais conscientes ficamos, ao ponto de sermos bastante exigentes com nós prórios, e claro q naturalmente actuamos na hora e sempre q necessário !

Acho q fazes muitissimo bem, eu vou ficando torcendo para q o teu estágio na escola secundária dê certo !! looool
É uma excelente oportunidade para sensibilizar os alunos, numa idade tão crítica e em q se capta mais informação .... !
Podendo mostrar-lhe q és como ele, só com a pequena diferença que não vês com os olhos, mas vês doutro modo, quando à audição com os aparelhos não há crise .... !
É mais um grande desafio pra ti, mas eu tenho a certeza q te vais sair lindamente !! loool

Abraços