Luís Medina,
Não posso deixar de lhe enviar uma mensagem de apreço. Tenho lido os seus comentários e revejo-me em cada um deles. A sua forma de escrita é envolvente e o conteúdo dos seus textos, além de muito inteligente, denota grande sabedoria.
Pensei que era uma pessoa de idade mais longa, fico admirada por ser tão jovem. Percebo que a sua experiência provém de um passado nem sempre meigo. A vida é linda mas difícil e, por vezes, o desalento espreita. Mas a vontade e o inconformismo contrariam esse sentimento, que devemos empurrar para longe....
Os seus textos são como um livro: quando o começamos a ler não o conseguimos abandonar enquanto não atingimos o fim. Espero por mais capítulos....
LDias
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Comentários
Obrigado pelo incentivo
Eis que o Luís Medina terá de buscar, em seu armário, camisa e calças mais largas. Sim, mais largas para acomodar o ego que, depois de tão intenso, tão significativo elogio, ficou inflado como um balão! Mas peço-lhe que mo permita, afinal, tal não sucede todos os dias! E além disso, é prática do bem viver acarinhar-se com as pequenas conquistas. Tenho conhecido gente que, à espera da grande, da imensurável, da inimaginável conquista, tem repudiado as pequenas. Concentram todo o sentido da vida em poucos e grandes eventos como se tivéssemos todos de ser medalhistas olímpicos. E ao fim, somos falíveis e agir como se não o fôssemos é caminho seguro para a tristeza e para a intolerância consigo próprio. Mas tenho eu cá minha pequena conquista, fiz-me ouvir e, na briga com as palavras, fui vitorioso.
Fez-me lembrar os tempos de criança. Sonhava ser escritor. Queria ler todos os livros, mas ainda não conhecia o Braille. Compraram-me uma lupa eletrônica e pude ler alguma coisa. No entanto, a visão era muito reduzida, o grau de ampliação, muito elevado, os olhos cansavam-se facilmente. E eu insistia... Insistia... Tinha de parar quando os olhos lacrimejavam. A carreira de escritor parecia ter fim, afinal, a gente crescida dizia que para escrever bem, era preciso ler muito e, mesmo com todo o empenho, jamais conseguia ler um livro inteiro. Então, fiquei a imaginar que tinha de ler livros que propiciassem a maior quantidade de conhecimento na menor quantidade de centímetros quadrados. Para meu desespero, isto não incluía Machado de Assis, Clarice Lispector, Somerset Maughan, André Gide, Ítalo Calvino... Romances eram coisa fora de questão. Cheguei à conclusão que havia duas leituras possíveis: enciclopédias e dicionários. Sorteava qualquer página de qualquer dos nove volumes da Enciclopédia do Estudante, era este o nome, e então, lia fragmentos: ora sobre um satélite de Júpiter, ora, sobre a história do cultivo da aveia, ora sobre o Reino da Suazilândia. Mas a visão reduziu-se mais e o cansaço aumentou. Tinha um dicionário de letras grandes, em três volumes, que poderia permitir-me leituras realmente muito curtas. E ficava a passear por suas páginas: isagoge, opróbrio, haríolo, esternutação, discromatopsia, bromeliáceo, dendroclasta, escularápio, almenara... Infelizmente, não tinha acesso ao conhecimento. Eram fragmentos, meros fragmentos que posicionados em seu contexto, tinham algum significado. Enquanto os olhos se apagavam, era esta a minha forma de resistir. Na escola, não tinha boas notas de redação. É que o conhecimento e, principalmente, a maturidade não se adquirem por meio de vocabulário rebuscado. Por fim, chegou o dia de doar a lupa eletrônica. A ampliação máxima era somente uma mancha. E o Braille? Não me ocorria aprendê-lo. Isto era para as pessoas cegas. As enciclopédias e os dicionários não me tinham ensinado verdadeiramente o que eu era. Tinha muito medo do estigma e, por isso, procurava ver-me de outro modo. Passei a buscar os documentários e as reportagens de televisão. O conhecimento tinha de ser falado. Mas não podia anotá-lo, afinal, não sabia Braille... A visão ia mal, mas a mente ia ainda pior. Não aceitar-se cego, impedia-me encontrar a senda do progresso. Conheci os livros em cassetes e, afinal, o mundo dos cegos não me parecia tão hostil. A seguir, vieram os leitores de tela e voltei a ter a caneta entre os dedos. Com o computador podia anotar, período conveniente, porque se avizinhava o exame vestibular. As tecnologias aperfeiçoaram-se e, maravilhado, assisti à chegada da Internet. Então, um amigo, disse-me que devia visitar o Balcão da Biblioteca, seção da página do Ler para Ver. Encontrei mais livros do que jamais tinha visto. Antes de o ler, baixei-os febrilmente. A alegria era tanta que tinha receio de perdê-los. Li como se fosse a última coisa do mundo. Não tinha qualquer vida social e, por isso, a tarefa foi simples. Fechava-me ao quarto e, porque não trabalhava, podia ficar o dia e a noite a ler. Comecei a viver a vida das personagens. Queria ser algumas delas, sentir-me importante em alguma coisa. Fui os heróis e fui os vilões, mas sobretudo, fui as pessoas comuns que habitavam os livros. E estas disseram-me tanto que a vida das personagens foi-se transferindo para minha própria vida. Ao fim, descobri que podia incorporar comportamentos, reproduzir frases não vividas, mas que, por força de interiorizá-las, acabei realmente por vivê-las. Fui forjado pelos livros. A princípio, o artificialismo, depois a exploração, a experimentação, a afirmação, a segurança e a ESSÊNCIA. Sinto-me orgulhoso em observar que o meu plano estruturado de mudança pessoal funcionou e quando as pessoas realmente se dispõem à mudança, ela ocorre ainda que o tempo possa nos impacientar um bocado.
No espaço de sete anos, li mais de 500 livros. Afirmo-o porque, quando me iniciei no Dosvox, ficava feliz em anotar tudo. Viva Daniel Serra! Viva Antônio silva! Deram-me os primeiros livros e, com eles, importante instrumento de mudança. Hoje, vivo a vida real e saboreio a vida dos livros. Tenho planos de, em qualquer dia destes, dedicar-me a escrita de um livro. Será a retribuição, pois que devolverei a vida que me emprestou. Ainda não sei o tema. Talvez seja algo relativo à vida profissional. Ela me tem absorvido. Mas também espero escrever algo sobre a minha visão da cegueira. Fico feliz em saber que, neste caso, teria ao menos duas leitoras. A primeira é minha esposa que, já há tempos, tem-me dito que escrevesse. Disse-me que minhas mensagens parecem livros. Tem razão, são realmente muito longas! Há quem queira que abrevie os capítulos! Novamente muito obrigado pelo incentivo!
Que venha o livro, eu cá o espero
Luís Medina,
Que me perdoe o meu marido, que me perdoe a sua esposa, mas tenho de elevar o grau da minha admiração....
Agora percebo porque as suas palavras sempre me tocaram tanto. Em criança, sofreu as angústias causadas pela falta de visão, tal como eu. Em silêncio, numa espera interminável e dilacerante, choráva por não conseguir realizar os mais banais ou ambiciosos dos sonhos. Também eu tinha sede de viver a vida dos personagens dos livros, já que a minha era desfocada. Também eu me sentia amarrada a uma perda lenta e insistente de visão que me impedia de entrar nessas vidas fantásticas. Também eu não vivia a minha vida, nem a vida dos personagens das histórias. E por isso choráva, choráva, de nariz entre as páginas, angustiada e impotente.
Quando me convenci que o meu destino era inevitável, pois também eu recusei a cegueira, predispus-me ao soltar das amarras: não me deixaria vencer por tão malfadado destino, dotar-me-ía de todas as armas física e psicológicas para me desprender das garras daquela condição. E assim foi....
E depois foi um desenrolar de pequenas passadas, pequenas vitórias,que permitiram as grandes conquistas. Olhando para o passado, lendo as suas frases, percebo que não estáva só. Muitos outros sofriam como eu, mas o meu sofrimento era o único que eu conhecia. Agora sou muito mais resistente, apesar de magoada, mas mais preparada.
Ainda bem que não desistimos e que estamos aqui para partilhar experiências, quem sabe podem ajudar outros que sofrem como nós já um dia sofremos.
Quanto ao livro, cá o espero. Serei a sua segunda leitora, com todo o entusiásmo .
LDias
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