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Liberdade aprisionada

por ldias
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Quando criança sonhava em alcançar um dia a liberdade.... dizia querer ser uma gaivota, para voar... mas era criança e por isso mesmo estava condicionada á vontade dos adultos.

Hoje sou adulta e atingi todas as metas que, na nossa sociedade, me permitem ser livre.

Eu , em criança, não contava com um imprevisto.... não imaginava que a gaivota um dia não pudesse voar....

Hoje a cegueira dos meus olhos tem a minha liberdade aprisionada e, novamente estou condicionada á vontade dos outros....

Embora seja livre para comprar o que me apetece pois tenho um emprego e consequentemente algum poder de compra, dependo de terceiros para entrar nas lojas modernas e escolher algo , que será sempre sujeito á crítica de quem me acompanha, numa imensidão de prateleiras, num espaço cheio de confusão e ritmo acelarado....

Tenho repetidamente um sonho, que já pensei ser antes um pesadelo: entro numa enorme e moderna loja de sapatos e procuro algum que me agrade e sirva; são infinitos os modelos, uns bonitos, outros feios mas todos reunem uma característica bizarra, nenhum me serve.... no final do sonho-pesadelo, depois de muito procurar, os sapatos ficam disformes e tão pequenos que não serviriam a quem quer que fosse....

Gostaria de não depender dos outros para ir ás compras. Mesmo sendo cega, gostaria de entrar em lojas e ter dos funcionários uma ajuda para me darem a conhecer os artigos, sem influencia ou markting.

Porque não é o facto de ser cega que me perturba, essa realidade eu não posso mudar, já a aceitei. O que me incomoda é ficar com a minha liberdade aprisionada por que a nossa sociedade não aceita a mudança dos tempos que leva á inclusão de todos numa sociedade etrogénia, onde as diferenças devem ser assumidas e ultrapassadas por medidas que permitam o pleno gozo de direitos e deveres.

Mas disto não vale a pena falar agora pois já muitos outros o fizeram e com mais sabedoria.

Olá amiga.
Revejo-me em algumas das coisas que dizes aqui.
Não sei se poderei chamar prizão à nossa cegueira, mas somos realmente pessoas bastante condicionadas nos nossos movimentos.
Por muito autónomos que sejemos, é muito complicado não depender de outras pessoas no nosso dia a dia.
Eu não sou cego de nascença, e quando faço uma pequena comparação entre os dias de hoje e os dias em que ainda via, sou obrigado a reconhecer que a dificiência que tenho, deixa-me bem mais limitado.
Ainda assim, faço de tudo para que dependa o menos possível de terceiros.
Cumprimentos,amiga, e esperança em dias bem melhores.
Sérgio.
Email/msn:
smag007@gmail.com

Sérgio Gonçalves

sgonçalves:

Também não sou cega de nascença e quando comecei a perceber o meu irremediavel destino adotei um edial de vida: ser totalmente independente.
Por iniciativa própria fui aprender braille; comprei uma bengala, que aprendi a usar sozinha e, modéstia á parte, de forma exemplar; fiz um esforço por conhecer algumas pessoas com situação idêntica que me transmitissem algum saber; esforcei-me por nunca depender de um acompanhante, pais, amigos, namorados, para fazer a minha vida habitual: faculdade, desporto, vida diária em geral. Evitei sempre o recurso aos táxis obrigando-me a descobrir trajectos e pontos de referência que me facilitassem qualquer deslocação.
Tanto exigi de mim mesma que me tornei "quase" independente e assim era vista por aqueles que me rodeavam. Tanto que se verificou o reverso da medalha: quando não fui capaz senti angústia e os outros, que me viam como uma vitoriosa, não me deram a mão.

Eu sei que não foi por falta de solidariedade mas sim por acreditarem que eu seria sempre capaz de resolver qualquer obstáculo, só que nem sempre é assim....

A fase de ter pena de mim mesma, de me revoltar, de me esconder, tudo isso já foi ultrapassado. Hoje sou assumida, confiante mas ainda assim nostálgica.... afinal sou um ser frágil como qualquer mortal e não aquela heroína que os outros acreditavam que eu seria....

Apesar de tudo amo a vida e tudo o que nela conquistei, o resto são acidentes de percurso, não é assim?

Viva mais uma vez amiga.
É mesmo isso.
Nem somos irois, mas também não somos uns inúteis que muitas vezes algumas pessoas nos querem fazer querer.
Eu já à 13 anos que fiquei cego, e no que diz respeito à nostalgia, digo-te que é mesmo muita.
Tenho uma realidade à minha frente, e não pretendo abedicar da liverdade que mesmo assim vou tendo.
Caso me queiras contactar, fica à vontade.
O meu e-mail aqui fica.
Cumprimentos.
smag007@gmail.com

Sérgio Gonçalves

Olá, Ldias!

Tenho 38 Anos, e ceguei aos 20 anos de idade.
Parabéns pela sua franqueza!!!
Acho que é generalizado, este sentimento de liberdade aprisionada, entre nós cegos.
Mas já pensou, a capacidade que nós, cegos, temos em rasgar barreiras, constantemente, a ultrapassar limites. Enquanto outros, estando munidos de todas as capacidades, perdem tempo com coisas que não valem a pena e vão deixando a vida passar, sem que cresçam interiormente. Já deve ter ouvido alguém, dizer-lhe que, se sente pequenino em relação a si.
E isto porquê?
Penso, que, enquanto a conversa ou a observação, que nos fazem, provoca nas pessoas uma consciencialização de si próprios. E perante uma força da natureza, sim, porque somos todos forças da natureza, sentem-se pequeninos.
Acho, que, são estes sentimentos que fazem com que nos digam: “coitadinha” ou “fantástica”, dependendo se a pessoa estiver a captar de nós a força que sentem em nós, ou se sentem aflitos, pensando que lhes pode acontecer a cegueira. E se já com as capacidades todas são o que são, então cegos...
Já me alonguei demais, e posso começar a divagar, se é, que já não o fiz.

Já me esquecia, em relação, às minhas compras, tento perceber das pessoas que me rodeiam, quem é melhor a escolher roupas, sapatos, coisas de decoração, e tudo o resto.
O que me custa muito para além de estar sempre à mercê dos outros, é, a falta de compreensão, exigindo sempre a minha compreensão. É tão cansativo!!! Muitas vezes apetece-me fechar em mim mesmo.
Beijinhos para todos e votos de muita força e muitas vitórias!!!
Maria Isabel Cardoso

Obrigada Isabel pela força. Sim já ouvi comentários desses que nos valorisam e também dos outros que o não fazem, aliás como qualquer um de nós....
Tenho bons e maus exemplos para contar mas todos eles serão apenas isso, exemplos pois quem não os ouviu já?

Já que me respondeu e parecendo-me que compreendeu bem ao que me refiro, vou abusar um pouco mais de si.

Também tento escolher a melhor companhia para me dar essa orientação nos meus momentos de consumo. O problema é que quando eu preciso, ou por que algo me faz mesmo falta, ou por que simplesmente me apetece dar uma daquelas voltinhas que nós mulheres de vez em quando gostamos de dar num atractivo centro comercial onde o que não nos faz falta de repente parece essencial, a pessoa que eu escolho não está disponível, não tem vontade ou simplesmente vai mas apenas me mostra aquilo que a ela seduz. Encontrar alguém cem por cento disponível é pouco frequente pelo que apenas faço compras quando a oportunidade surge e não quando eu decido.

Liberdade aprisionada sim pois sou livre de comprar o que quero e gosto mas não posso faze-lo por não depender apenas de mim mesma.

Mais frustrante ainda é quando conseguimos ir com alguém mas de repente essa pessoa diz: "não há nada de jeito, vamos embora" e, num passar de mão inadvertido por este casaco ou aquela saia, percebemos que aquilo é mesmo o que procuramos e então ouvimos "ai desculpa, isso eu não tinha reparado mas até é bonito"...

Afinal as mãos sentem o que os olhos não vêem, o que reforça essa ideia de que as nossas capacidades não nos limitam totalmente pois até somos capazes de encontrar o que queremos só não conseguimos chegar até eles pois a sociedade não está vocacionada para o permitir.

Gostaria de conhecer lojas que me prestassem ajuda á semelhança de pequenos mini-mercados que destacam um funcionário para nos acompanhar, ou ter a coragem de algumas pessoas cegas que eu tenho conhecimento, que entram por uma loja dentro sozinhas e pedem a devida assistência não se importando com o efeito que esse pedido possa provocar . Sim, porque certos vendedores reagem com simpatia e disponibilidade mas outros com desdém e indisponibilidade.

Quando somos bem acolhidos ganhamos o dia mas quando somos mal acolhidos parece que perdemos o chão debaixo dos pés....

E por isso também por vezes me apeteça fechar em mim mesma e nunca mais comprar nada mas tento contrapor esse sentimento e na próxima volto a tentar pois ainda tenho força , não sei até quando mas enquanto a tiver vou abusar dela pois, como já disse antes, amo a vida e tudo o que nela conquistei e o resto são acidentes de percurso....

Olá a todos !

Eu sou normovisual, tenho deficiencia físico - motora, e nem por isso me sinto com a liberdade aprisionada, bem pelo contrário .... !! loooool

Cada caso é um caso diferente, e como somos todos diferentes felizmente, pensamos diferente .... e são esssas diferenças q nos ajudam a crecer e enriquecem-nos .... !!
E como tal, há pessoas com mais sorte e outras com menos, umas q têm amigos q os acompanham mais do q outras .... !!

Eu não me importava de ir até a um shopping e ajudar cegos, e descrever as lojas, os artigos, as texturas, os preços, .... !! Só não ia é todos os fins de semana .... !! looool
Porque senão torna-se cansativo ... !! loool
Eu já me considero mais sensível a esses pormenores, pq estou em muito contacto com cegos, como é o caso do lerparaver e outros .... e mesmo pessoalmente ....!!
E essa sensibilidade eu ganhei-a na Fraternidade Cristã dos Doentes Crónicos e Deficientes Físicos, nos campos de férias, nas actividades, nas formações, nas amizades q criei com cegos .... !!

Só há um aspecto em q sinto a liberdade por vezes aprisionada: os traportes para lá chegar .... !! loooooooooool
Eu não tenho carro, e por isso não vou e volto à hora q quero ...... !! looooooooool

Como podem ter consciencia, nem todos os que participam no vosso site, são cegos, como é o meu caso. Mas nós os que vemos, podemos sempre ajudarvos sem a descreminação ou o coitadinho na ponta da lingua.

Também vos digo que nós os que vemos, nem por isso deixamos de por veses, ou quase sempre, nos sentir com a liberdade aprisionada.

Somos prisioneiros do tempo, das nossas acções, dos nossos objectivos, dos nossos sentimentos, somo prisioneiros de tudo e mais alguma coisa e raramente nos conseguimos libertar desta prisão e quando o fazemos ou tentamos, somos mal sucessidos ou violentamente criticados e por veses até nos chamam revoltados, inconsequentes, anarquuistas.

Somos o que os outros querem que sejamos, nunca seremos livres...

Tem toda a razão e eu bem conheço como é ser normovisual e cega pois passei por todos os estágios possíveis entre um e outro.

Até aos 16 anos era tida como normovisual. Entrei em perda lenta da visão o que me colocou no grupo dos grandes amblíopes. Sem dar por ela vi-me no grupo dos de visão bastante reduzida e finalmente no dos cegos, primeiro com rezíduo visual e agora totalmente cega.

Antes de ser considerada portadora de deficiência visual não tinha a mínima noção do que isso significava e também tinha esse sentir de que me fala, aliás dou-lhe toda a razão: nunca somos totalmente livres independentemente da nossa condição.

Quando escrevi a minha primeira nota sobre "liberdade aprisionada" não foi para por em causa a minha cegueira e as limitaçoes~que ela acarreta mas antes para exprimir o sentimento de angústia por não conseguir contornar a questão...

Apesar das minhas vitórias, ainda não consegui atingir esse ponto em que tudo isto não me perturba. Quando se pede ajuda a alguém que a recusa, ou aceita mas com ar enjoado só para não nos dizer que não, ou ainda vai cnnosco mas não nos mostra nada, deveria causar apenas o sentimento de resignação.

Mas ainda fico perturbada e por isso já evito pedir para não sofrer com o constrangimento até porque pensamos que conhecemos os outros mas na verdade cada um é como cada qual , temos de respeitar a vontade dos outros tal como desejamos que a nossa seja respeitada.

Pessoas como você encontram-se, graças a Deus, senão o mundo estaria finalmente perdido, pouco falta...., mas onde estão elas?

Se passamos por alguém numa esquina que nos parte a bengala e foge, na esquina seguinte passamos por alguém que nos ajuda não só a atravessar mas também nos acompanha até ao nosso destino e no fim ainda se oferece para trocar de n.o de telefone para nos dar toda a ajuda que um dia precisarmos.

Pessoas boas e más preenchem este mundo isso nós sabemos. A questão é saber a quem pedir e se o momento de pedir será o mais oportuno. I a minha questão maior é que eu gostaria de não ter de pedir nada a ninguém para não ter de colocar o outro numa situação complicada, de me acompanhar só por isto ou por aquilo.... ou de me dizer que não com uma desculpa atabalhoada só para não me magoar.
A sociedade deveria estar mais adaptada com meios para que todos pudessem ter mais facilidade em atingir os seus fins. Eu seria cega com todo o gosto pois todos temos problemas e o meu é apenas um entre tantos outros e alguns bem mais graves.
Seria uma pessoa cega sim mas com armas de combate que me colocariam em igualdade de circunstancias aos demais guerreiros; quem não tem cão caça com gato mas não deixa de caçar....

Este é o meu problema, não me resigno ao estado cruel e insensível da nossa humanidade, e acima de tudo tenho receio de incomodar os outros, de causar incómodo ou constrangimentos, de ser um peso para quem quer que seja.

Tal como diz o outro leitor que agora não me ocorre, há pessoas com muitos amigos a quem pedir ajuda e outras com poucos, o meu problema não é a quantidade ou a qualidade de pessoas ao meu redor mas antes o não ser capaz de lhes pedir descontraidamente para me ajudarem naquilo que vou precisando ao longo da vida.
Por exemplo: pedir ao marido para me ajudar a comprar roupa, não dá.... eles detestam ir ás compras para nós...; pedir á irmã, seria mais indicado claro mas ela tem outras saídas mais interessantes...; pedir á mãe, é garantido mas ela vai para não dizer que não pois já se cansa, não a vou sujeitar a esse esforço; encontrar uma amiga disponível... como ela irá reagir?..., hoje não tenho coragemde lhe pedir, peço outro dia....

E assim vai a vida, uns dias bem, outros mal mas vai-se levando e estes acidentes de percurso não me levam a alegria de estar viva de amar a quem amo.... isso importa mais do que tudo abraços

Amiga, ser deficiente neste mundo cada vez mais iguista e onde cada vez mais as pessoas olham para o seu umbigo, é sem dúvida um grande problema.
No entanto, acho que o facto de termos esta dificuldade, é como outras tantas que outras pessoas teem.
Não sou como uma grande parte das pessoas que pensa que o mal só nos toca a nós, mas estámos destinados a termos como qualquer mortal coisas boas e outras menos boas.
Tal como tu, também eu já estive dos 3 lados da barricada.
Até aos meus 12 anos tudo foi muito bem, depois fui perdendo a visão, até que aos 23 anos perdi tudo.
Sei que se calhar as condições que temos não nos permitem lutar de igual com as outras pessoas, mas também não podemos esquecer que tendo perdido uma coisa bem importante ganhamos outras.
Como muitas vezes me disseram, Deus fecha uma porta, mas abre sempre uma janela.
É preciso é que estejámos atentos para podermos deslombrar essa mesma janela, e não a deixar fechar.
Cumprimentos.
Sérgio Gonçalves

Sérgio Gonçalves