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Uma visão do Futuro da tecnologia por Raman um engenheiro cego do Google

por Norberto Sousa

Tecnologia faz o que o cão-guia não pode fazer

The New York Times
MOUNTAIN VIEW, Califórnia

T. V. Raman era uma criança que gostava de livros e adorava matemática e
quebra-cabeças desde muito cedo.
Essa paixão não mudou depois de ter ficado cego por causa de um glaucoma aos 14
anos. O que mudou foi o papel que a tecnologia – e suas próprias inovações –
teve em ajudá-lo a ir atrás do que gosta.
Nascido na Índia, Raman deixou de depender de voluntários que liam livros em uma
universidade técnica no país natal para viver uma vida independente no Vale do
Silício, na Califórnia, Estados Unidos, onde é um respeitado cientista da
computação e engenheiro no Google.
Em sua jornada, Raman criou uma série de ferramentas que lhe ajudam a aproveitar
objetos e tecnologias que não foram pensados para usuários cegos. Elas vão de um
Cubo Mágico com inscrições em braile, até um software que lê em voz alta
fórmulas matemáticas complexas, que foi o tema de sua dissertação para Ph.D.
na Universidade de Cornell. Ele também criou uma versão do serviço de buscas do
Google voltado para usuários cegos.
Raman, de 43 anos, agora trabalha para modificar o mais recente gadget
tecnológico que, segundo ele, poderia facilitar a vida dos cegos: um telefone
com tela sensível a toque (touch-screen).
“O que Raman faz é fantástico”, disse Paul Schroeder, vice-presidente para
programas e políticas na American Foundation for the Blind (Fundação Americana
para os Cegos), que realiza pesquisas em tecnologia que podem ajudar pessoas com
deficiência visual. “Ele é uma das maiores mentes na questão da acessibilidade e
sua capacidade de criar e modificar tecnologia para atender a suas necessidades
é sem igual”.
Algumas das inovações de Raman podem auxiliar na criação de gadgets eletrônicos
e serviços via Web mais amigáveis para todos usuários. Em vez de perguntar como
algo deveria funcionar para alguém que não enxerga, ele diz que prefere
perguntar: “como essa coisa deve funcionar quando o usuário não está olhando
para a tela?”
Esses sistemas podem ser úteis para motoristas, ou qualquer pessoa que pode se
beneficiar de acesso ao telefone sem usar os olhos. Eles poderiam também ser
atrativos para a geração “baby boomers” (pessoas nascidas entre meados da década
de 40 até meados dos anos 60), que estão envelhecendo e ficando com a visão
fraca, mas querem continuar fazendo uso da teconologia da qual dependem.
A abordagem de Raman reflete o reconhecimento de que muitas inovações criadas
inicialmente para pessoas com deficiência acabaram beneficiando a população em
geral, segundo Larry Goldberg, que supervisiona o National Center for Accessible
Media (Centro Nacional de Mídia Acessível) na WGBH, emissora pública de Boston.
Elas incluem rampas para cadeiras de rodas, legendas em transmissões de TV e
tecnologia óptica de reconhecimento de caracteres, que foi aperfeiçoada para
criar softwares que podem ler livros impressos em voz alta e é utilizada agora
em diversas aplicações em computadores, ele disse.
Sem botões para guiar os dedos na superfície lisa, a tela sensível de celulares
parece ser um desafio assustador. Mas Raman disse que com as adaptações certas,
telefones com telas sensíveis — muitos dos quais já vêm com tecnologia de GPS e
guia embutidos — poderiam ajudar os cegos a se orientarem pelo mundo.
“Não é preciso se esforçar muito para acreditar que seu telefone poderia dizer
‘Ande reto e em 60 metros você chegará no cruzamento de X com Y’”, Raman disse.
“Isto é perfeitamente possível”.
MILITANTES dos direitos dos cegos há muito tempo reclamam que as empresas de
tecnologia geralmente pecam quando se trata da acessibilidade em seus produtos.
A Internet, ao mesmo tempo em que abre diversas oportunidades para os cegos,
ainda é recheada de obstáculos. E softwares de leitura de tela sofisticados, que
lêem documentos e páginas da Web em uma voz sintetizada, podem custar mais de
US$ 1.000 (R$ 2.300). Mesmo com o leitor de tela, alguns sites são difíceis de
navegar.
No ano passado, a National Federation of the Blind (Federação Nacional dos
Cegos) chegou a um acordo importante em um processo contra uma empresa cujo site
os militantes declararam sem condições de uso, a Target (grande magazine,
equivalente às Lojas Americanas no Brasil). No acordo, a varejista concordou em
tornar seu site acessível para pessoas cegas. A federação avalia a usabilidade
de sites e certifica apenas alguns como sendo totalmente acessíveis.
Um desafio enfrentado é que a tecnologia geralmente evolui muito mais
rapidamente do que as diretrizes que garantem que os sites funcionem
corretamente com leitores de tela. Em dezembro, o Consórcio World Wide Web,
grupo que define os padrões para a Internet, disponibilizou a versão 2.0 de suas
diretrizes para acessibilidade em websites. A versão anterior era de 1999,
quando a Internet só tinha basicamente páginas estáticas, sem aplicações
interativas.
Há diversos tipos de obstáculos na Internet. Um dos mais comuns é o Captcha, uma
ferramenta de segurança que consiste em uma sequência de letras e números
distorcidos que usuários devem ler e digitar antes de assinarem algum novo
serviço ou enviar um e-mail. São poucos os sites que oferecem Captchas com
suporte auditivo.
Algumas páginas são apenas mal desenvolvidas, como sites de comércio eletrônico,
onde o botão de finalização da compra é uma imagem sem informação que possa ser
compreendida pelos leitores de tela.
“Grande parte do setor não progrediu realmente para oferecer à comunidade cega
acesso igualitário a seus produtos”, segundo Eric Bridges, diretor de defesa e
assuntos governamentais no American Council of the Blind (Conselho Americano dos
Cegos). Bridges e outros militantes argumentam que a acessibilidade deveria ser
criada junto com as novas tecnologias e não pensada posteriormente.
Pessoas com outras deficiências enfrentam problemas similares na Internet. “Do
lado dos surdos, a decepção é enorme, por conta de todos o vídeos disponíveis
sem legendas”, de acordo com Goldberg.
RAMAN, que antes de começar a trabalhar no Google em 2005 trabalhou na Adobe
Systems e como pesquisador na I.B.M., está acostumado com problemas de
acessibilidade, tanto pessoal quanto profissionalmente. Em 2006, ele desenvolveu
uma versão da ferramenta de busca do Google que prioriza sites que funcionam bem
com leitores de tela. O sistema precisou testar milhões de páginas.
“É impossível encontrar uma única página que cumpre todos parâmetros de
acessibilidade”, de acordo com Raman. Ainda assim, o sistema foi capaz de
encontrar quais páginas funcionavam melhor com leitores de tela.
Este serviço não é utilizado tanto quanto ele gostaria. Mesmo assim, surtiu
efeito. Diversas operadoras de sites, cujas páginas não apareciam em destaque
nas buscas do Google perguntaram a Raman o que poderiam fazer para resolver os
problemas e ter sites com maior destaque.
O serviço inclui um ampliador de tela que aumenta resultados de buscas
individuais. Raman diz que a ferramenta serve para usuários com baixa visão, mas
poderia ser usado por uma parcela maior da população, especialmente em telefones
celulares e outros equipamentos com telas pequenas.
Para uso pessoal, ele construiu um sistema personalizado que lhe permite acesso
eficiente a muito do que ele precisa em seu PC e na Internet, eliminando
qualquer coisa que poderia diminuir sua velocidade. Por exemplo, o sistema
acessa diretamente os artigos em sites de notícias que ele lê regularmente,
evitando links de navegação e outras funções encontradas na maioria dos sites.
Alguns dias atrás, Raman estava trabalhando numa pesquisa sobre a estrutura da
Internet no futuro. Um monitor estava pendurado sobre sua mesa. Ele geralmente
fica desligado, a não ser que ele queira mostrar no que está trabalhando para
algum colega ou visitante. Ele digitou em seu teclado, sua cabeça se moveu de
leve para o lado, escutando o leitor de tela por meio de fones de ouvido sem
fio.
O leitor de tela está configurado para falar a aproximadamente três vezes a
velocidade normal da fala. Para um ouvido sem treino, a informação é
incompreensível, mas permite a Raman “ler” na mesma velocidade de uma pessoa sem
deficiência visual.
Processar informação rapidamente é uma habilidade que ele desenvolveu com os
anos: um vídeo no YouTube mostra-o resolvendo um Cubo Mágico em braile em 23
segundos. Quando não está digitando, Raman, que usa grandes óculos escuros,
frequentemente dobra e desdobra pedaços de papel em pequenas formas geométricas,
como origamis, em uma velocidade extraordinária.
Ele divide uma área de trabalho no Google com Charles Chen, um engenheiro de 25
anos, e Hubbell, cão-guia de Raman. (Hubbell possui seu próprio site).
Chen, que enxerga, desenvolveu um leitor de tela gratuito que funciona com o
navegador Firefox. Trabalhando juntos, os dois recentemente adicionaram atalhos
de teclado que ajudam usuários cegos e com baixa visão a navegar rapidamente
pelos resultados de busca do Google. Eles também desenvolveram ferramentas que
tornam aplicativos sofisticados da Internet, como e-mail e leitores de blogs,
adequado para softwares de leitura de tela.
Agora eles concentram seus esforços em celulares com telas sensíveis ao toque.
“O que mais me interessa é tudo que está migrando para o mundo móvel, porque
isso pode mudar vidas”, disse Raman.
Para mostrar o progresso, Raman pegou seu T-Mobile G1, um telefone com tela
sensível com o software Android do Google, do bolso de seus jeans. Ele e Chen já
o equiparam com um software que fala de modo semelhante ao leitor de telas no
PC. Agora eles estão trabalhando em maneiras que permitam que cegos ou qualquer
pessoa que não esteja olhando para a tela digitem textos, números ou forneçam
comandos.
O desenvolvimento desse recurso complementaria sistemas de reconhecimento de
voz, que nem sempre são confiáveis e não funcionam direito em ambientes com
muito barulho.
Como não consegue tocar com precisão um botão na tela sensível, Raman criou um
discador que se baseia em posições relativas. O discador interpreta qualquer
local tocado pela primeira vez como o 5, que se localiza no meio de um teclado
de telefone comum. Para discar qualquer outro número, ele simplesmente escorrega
o dedo na direção – para cima e esquerda para 1, para baixo e direita para o 9 e
assim por diante. Se ele comete algum erro, ele pode apagar o último número
balançando o telefone, que pode detectar movimentos.
Ele e Chen estão testando diversos outros métodos de inserir informações.
Nenhuma dessas tecnologias foram apresentadas ao público, mas Raman, que já usa
o G1 como seu celular principal, espera vê-las disponíveis em breve.
(Há poucos leitores de tela disponíveis para smartphones e eles podem custar
tanto quanto o próprio telefone).
As tecnologias em celulares que podem fazer uma grande diferença — um telefone
que reconhece e lê placas através da câmera — ainda podem estar alguns anos
distantes, segundo Raman. Alguns equipamentos já podem ler textos desta maneira.
Mas como os usuários cegos não sabem onde estão as placas, eles não podem
apontar a câmera ou fazer um alinhamento apropriado, de acordo com Raman. Quando
os chips forem potentes o suficiente, eles poderão detectar a localização de uma
placa e ler letras pequenas ou tortas, por exemplo, ele disse.
“Isso irá acontecer”, concluiu. E quando acontecer, usuários com visão também se
beneficiarão.
“Se existisse uma tecnologia que pudesse reconhecer placas na rua conforme se
passa por elas, isso auxiliaria a todos”, declarou. “Em um país estrangeiro, ela
poderia fazer a tradução”.
As inovações de Raman já estão presentes em milhões de PCs. Na Adobe, nos anos
90, ele ajudou a adaptar o formato PDF para poder ser lido por leitores de tela.
Isso foi requisito para que o formato PDF pudesse ser utilizado pelo governo
federal e levou a tecnologia a ser adotada como um padrão mundial em documentos
eletrônicos.
“Foi de grande importância para nós, como um negócio, e para os cegos”, disse
John Warnock, dirigente e fundador da Adobe.
Raman diz acreditar que tem mais influência quando convence outros engenheiros a
fazer seus produtos acessíveis — ou, melhor ainda, quando os faz acreditar que
há problemas interessantes a serem resolvidos nessa área. “Se eu conseguir mais
10 engenheiros motivados a trabalhar em acessibilidade”, diz, “será uma enorme
vitória”.

Escrito por IP Jornal Team em Janeiro 22nd, 2009 nas categorias Geral, Noticias
O jornal de Informática
do Grupo Inforpáscoa

Comentários

Olá pessoal.
Estou muito feliz por ter lido este artigo, também fiquei cega por causa do glaucoma aos 20 anos, já estava na faculdade de Engenharia e resolvi continuar.
Gostaria de dois favores, se puderem: 1-o contato de mais pessoas cegas que também estejam no ramo da Engenharia; 2-mais informações a respeito do software citado no artigo que lê fórmulas mais complexas... elas costumam me dar algum trabalho.
Grande abraço.