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“O difícil é mudar as mentalidades”

por Lerparaver

Apesar de não ser um edifício adaptado às pessoas com deficiência, devido às limitações da construção que data dos anos 40, a Biblioteca Municipal de Espinho encheu-se no domingo para o colóquio ‘Biblioteca para Todos’, um projecto que visa facilitar o acesso a estes espaços e sua documentação por parte de todos os públicos.

Criar uma sociedade inclusiva, onde todos os cidadãos não tenham só os mesmos direitos mas possam usufruir deles, é o objectivo daqueles que há anos abraçam a causa de defender o milhão de portugueses que sofre de algum tipo de deficiência e que, no domingo à tarde, se juntaram num debate na Biblioteca Municipal de Espinho. “Eliminar barreiras arquitectónicas, como escadas, é complicado mas muito tem evoluído nos últimos anos. O mais difícil é mudar mentalidades”, disse Rosa Couto, directora da Cerciespinho, perante uma plateia recheada de deficientes e familiares, mas também de gente apenas sensibilizada com o tema, caso de uma professora do primeiro ciclo que afirmou ter sempre preferido integrar crianças com deficiência em turmas ‘normais’ contra a vontade dos outros alunos e encarregados de educação. A oportunidade foi aproveitada por Rosa Couto para divulgar o livro de imagens “Vidas todos os dias”, que passou pelas mãos das cerca de 70 pessoas presentes. Da autoria do fotógrafo Marcus Garcia, a obra celebra os 30 anos de existência da instituição: “Aqui vêem-se pessoas felizes, a sorrir. Pessoas que não transmitem na sua expressão facial ou corporal a ideia de serem menos do que as outras”.

Cegos acedem a livros digitais, áudio e braille

Assinado em 1994, o Manifesto da UNESCO (organização pertencente à ONU) sobre as bibliotecas públicas advoga um acesso livre e igualitário à cultura. Neste sentido, várias bibliotecas nacionais têm vindo a desenvolver programas que facilitam o acesso a livros e outra documentação pelos invisuais. Susana Vale, invisual e funcionária do Serviço de Leitura Especial da Biblioteca Municipal de Gaia, explicou que a criação dessas acessibilidades passa por suprir as necessidades de um público específico, que podem ir desde a pesquisa de material em formato digital, áudio ou braille até à reconversão de documentação nesses formatos pela própria biblioteca. Actualmente, este gabinete da Biblioteca de Gaia tem 500 utilizadores a nível nacional. Também cega, Susana Gonçalves deu a conhecer o projecto de leitura para grupos especiais que a Área Metropolitana do Porto (AMP) está a implementar e que se materializa no levantamento destes serviços em todo o país e na elaboração de um manual de procedimentos para que as bibliotecas homogeneízem procedimentos de forma facilitar a cooperação entre si. Técnica superior da Biblioteca Municipal de Matosinhos, Susana Gonçalves anunciou a impressora em Braille que a instituição recebeu recentemente e que permite que qualquer pessoa peça a passagem de um documento para este alfabeto táctil pagando apenas o preço de uma vulgar fotocópia.

Biblioteca de Espinho adapta-se

Apesar dos muitos problemas de acessibilidade a deficientes que a Biblioteca Municipal de Espinho apresenta, como a inexistência de elevadores até à zona de leitura, esta tem vindo a adaptar-se e em 2007 vai implementar várias medidas de modo a diminuir algumas lacunas, anunciou Jorge Cunha, funcionário da instituição. Para o público invisual, áudio-livros em MP3 estarão disponíveis para requisição, será reconvertida em braille alguma literatura portuguesa e brasileira e haverá dois computadores com teclado em braille. A pensar nos deficientes motores, a zona infantil (a única com rampas de acesso e casas-de-banho adaptadas) terá um computador com teclado especial. Em termos de acessibilidades físicas, o projecto do novo edifício da Biblioteca Municipal de Espinho vai acabar com qualquer obstáculo à entrada de deficientes invisuais e motores. Este debate serviu também para abordar os problemas de acessibilidade da cidade de Espinho como desníveis inesperados no pavimento ou carros estacionados nos passeios. Ana Bacelo é invisual e já há dois anos que se faz acompanhar de cão-guia: “Muitos dos obstáculos o cão-guia aprende a detectar e antecipa, mas a bengala não o faz. Por exemplo, é muito importante a sinalização sonora sempre que o peão esteja, pois tanto ajuda o cego de bengala como o que tem cão-guia. Estes animais são daltónicos”. Enquanto ajuda fundamental à locomoção do invisual, de acordo com o Decreto-Lei N.º 118/99 de 14 de Abril de 1999 o cão-guia não pode ser impedido de entrar em todos os locais públicos e privados. Infelizmente, em Portugal há só uma escola que treina estes cães e apenas são entregues doze por ano. A moderação da sessão esteve a cargo do jornalista Carlos Magno, que não resistiu a citar uma frase do escritor Salman Rushdie com quem se encontrou na sexta-feira num simpósio em Santa Maria da Feira: “Olhamos todos uns para os outros como se fossemos deficientes e quem é deficiente é quem não vê a deficiência em si próprio”.

“Este seria o último local para um debate sobre deficientes”

Cego e director do jornal da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), António Matos de Almeida afirmou no início da sua intervenção que a Biblioteca Municipal de Espinho “seria o último local escolhido para um debate sobre pessoas com deficiência” devido à inexistência de acessos para deficientes motores e visuais.

Este lamento serviu de mote para mostrar o desagrado por recentemente ter sido prolongado por dez anos o prazo para que todos os edifícios públicos sejam adaptados. A anterior legislação tinha como data limite 22 de Agosto de 2004, mas foi concluído que a maioria dos espaços continuava em infracção. Estarreja talvez seja, de acordo com o director do jornal da APD, dos únicos concelhos que cumpriram a regra à risca, até o edifício da Câmara Municipal, do século XIX, foi totalmente adaptado. “Estes edifícios não servem só os deficientes, são bons para todas as pessoas. Por exemplo, rampas e elevadores facilitam imenso a vida de um casal com carrinho de bebé”, disse.

Segundo Matos de Almeida, esta situação deve-se à “pouca visibilidade que têm as pessoas com deficiência”. “No outro dia, uma equipa da RTP esteve em minha casa a filmar-me e entrevistar-me e no Telejornal deu uma reportagem de cinco segundos. A seguir o Luís Filipe Vieira falou durante 20 minutos”, contou, desiludido.

Fonte: http://www.jornalregional.com/?p=cfcd208495d565ef66e7dff9f98764da&distri...

Nota: contribuição, via e-mail, de Pedro Afonso.

Comentários

Olá! Nós deficientes ja conseguimos muitos avanços na inclusão social mas ainda temos muitas barreiras para transpor.

Sinto que temos que sempre percistir e cada vez mais lutarmos por nossos direitos para que futuramente sejamos deficientes independentes e possamos desfrutar de um futuro em que seremos todos tratados igualmente pela sociedade.

Sidarta