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Desporto para pessoas com deficiência visual: Uma nova geração de superatletas

por ANDDVIS

Na edição Nº8 da Revista Louis Braille da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) na seção de Desporto surgem em destaque três atletas da ANDDVIS representando as três principais modalidades que a ANDDVIS trabalha, Natação, Atletismo e Goalball.

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Amadeu Cruz, Hugo Cavaco e João Mota ajudam-nos a perceber que o desporto para pessoas com deficiência visual tem potencial de crescimento. Em Portugal já revelaram que são dos melhores na modalidade que praticam, ao resto do Mundo poderá ser uma questão de tempo…

Por Cláudia Vargas Candeias

O «Desporto para Todos» é um conceito que foi pela primeira vez formulado no Conselho da Europa em 1966. A partir dessa data, vários documentos reafirmam o desporto como uma necessidade do indivíduo e que deve estar ao alcance de todos, independentemente do sexo, idade, religião ou estatuto socioeconómico. Estando consagrado como um direito, o desporto é também entendido como um importante meio de reabilitação física e psicológica das pessoas com deficiência contribuindo nesta medida para a sua participação e integração na sociedade. Mas o paradigma ligado à conceção do «Desporto para Todos» está em constante mudança. Para além de um direito ou de parte integrante dos modelos de reabilitação, hoje procura-se também reconhecer e valorizar a excelência desportiva no campo competitivo. Este último objetivo cria maiores exigências às estruturas desportivas, governamentais ou não, e molda a atuação dos próprios atletas que passam a encarar a prática desportiva como mais do que uma atividade de lazer. Treinos intensivos, deslocações regulares e uma exigência de superação contínua fazem também parte da vida de um atleta com deficiência. Pelo menos assim acontece na vida de Amadeu Cruz, Hugo Cavaco e João Mota que embora não se cruzem na mesma pista, campo ou piscina encontram-se quando queremos contar a história de três jovens com deficiência visual que somam vitórias no presente e a quem se pressagiam ainda melhores resultados no futuro.

Amadeu Cruz tem 15 anos e desde os 12 que tenta ser melhor na natação adaptada para pessoas com deficiência visual. Poderíamos dizer «o» melhor mas por enquanto, em Portugal, Amadeu não tem oportunidade de competir com outros atletas da sua classe e faixa etária. Sem adversários trabalha por objetivos tentando a cada prova superar as marcas
anteriores. Mas segundo a sua treinadora, Carla Cardoso, é nos campeonatos internacionais, quando tem oportunidade de competir com outros nadadores da sua classe, que as performances do atleta conhecem progressos (1).
Assim aconteceu em 2011 quando participou no seu primeiro campeonato internacional, em Madrid, onde conquistou três medalhas e mais recentemente em Córdoba, onde conseguiu subir ao 2º lugar do pódio, colocando o seu clube, o Feira Viva, na 26ª posição entre 56 equipas. Quem assiste ao crescimento do jovem afirma que “está no bom caminho” e que é, por isso, realista pensar nos Jogos Paralímpicos que acontecerão no Rio de Janeiro em 2016. Seriam os «primeiros» na vida desportiva de Amadeu que começou quando tinha 6 anos.
No desporto de competição já experimentou o ciclismo mas é na natação que se sente mais “realizado”, afirma. Assim, é nesta modalidade que centra todas as energias e minutos. Depois das aulas, que se estendem até às 6 e meia da tarde, Amadeu inicia os treinos de natação que duram cerca de duas horas. O dia só termina perto das 10 da noite. De segunda a sábado conserva esta rotina que só tem descanso ao domingo. Pelo meio, conta entusiasmado, que conseguiu participar recentemente em duas experiências de surf e bodyboard adaptado. Pode este entusiasmo significar que o futuro de Amadeu também poderá passar por estas duas modalidades?

Hugo Cavaco estava longe de imaginar que com a participação nos Jogos Desportivos da CPLP estaria a iniciar o seu curriculum no atletismo de competição. Tinha 16 anos quando um mês antes da prova o desafiaram a participar. As “boas marcas” que atingiu levaram-no a ser convidado para integrar o grupo de treinos liderado por Nuno Alpiarça e David Veríssimo, onde ainda hoje se encontra. Mas esta não foi a primeira modalidade que Hugo praticou, antes disso treinava goalball no C.A.C – Clube Atlético e Cultural. Apesar de treinar ao lado do pai, “o seu grande incentivo”, diz preferir o atletismo, um desporto mais “individual” embora todas as exigências que daí possam advir. Mas essas não se
prendem necessariamente com a deficiência visual. Aliás, Hugo afirma que na pista nem se lembra que “vê menos do que as outras pessoas” e talvez seja exatamente essa a singularidade do desporto adaptado: aqui as barreiras são permitidas e não
representam forçosamente perda de autonomia. Atualmente, com 20 anos, defende a camisola do Sport Lisboa e Benfica e é ao serviço dela que trabalha para em 2016 representar Portugal nos Jogos Paralímpicos: “Quando estou a treinar muitas vezes
tenho flashbacks dos momentos vividos nos Jogos de Londres o que me dá motivação para continuar a
treinar”. Embora tenha ficado atrás das expetativas que traçou – nos 200 metros T13 conseguiu o 17º tempo das eliminatórias com 24,22 segundos, ficando longe da sua melhor marca – Hugo nomeia a participação nos Jogos como “o auge para qualquer atleta paralimpíco”. É por querer voltar pisar um estádio olímpico que todos os dias, com exceção de domingo, pedala até ao Estádio Universitário de Lisboa para cumprir os treinos que visam prepará-lo para as provas que começa a disputar já em Janeiro.

João Mota gosta de pensar em táticas, ser desafiado e provocar reações. É isto que o goalball lhe traz e a natação ou o atletismo que antes praticou não conseguiram cumprir. Começou a praticar goalball quando frequentava o Centro Helen Keller até que um dia um colega o convidou a juntar-se à ACAPO-DL. Tinha 12 anos. “A grande barreira foi explicar à minha mãe que tinha de treinar três vezes por semana e só ia chegar a casa às 10 da noite!”. Assim os treinos passaram a ser “uma
espécie de prémio” que recebia sempre que se “portava bem”. Depois de um ano na ACAPO-DL começou a defender as cores do C.A.C onde venceu dois campeonatos nacionais, três taças de Portugal, “imensos” torneios e foi considerado «jogador revelação». Falta-lhe um troféu, o de «jogador da época» mas que considera demasiado cedo para erguer: “Se fosse o melhor da época significava que aos 17 anos já não tinha margem de evolução”. Esta exigência, que o qualifica enquanto desportista, já lhe deu mais uma recompensa: integra desde 2011 a Seleção Nacional de Goalball, equipa que recentemente ajudou a subir pela primeira vez ao Grupo B no Campeonato Europeu de Goalball.
Quando lhe falamos em apoios começa por nos contar que esta jornada pelo goalball tem sido sempre acompanhada de perto pela família, em especial pelos avós, que são “fanáticos” pela modalidade. Já no que se refere aos apoios financeiros conta-nos que espera que um dia seja possível não “ter de contar tostões para poder competir”. Talvez seja por isso que a sua vida tenha mudado após a primeira competição internacional: “Lá fora vive-se o goalball de uma forma completamente diferente. Nós fazemos isto por «amor à camisola» eles são pagos para o fazerem”. Assim, subdivide a prática do goalball entre os que a encaram como lazer e os outros que o fazem por competição. “Se eu tivesse aqui uma lista de todos os jogadores de goalball, se calhar 10 praticam-no por competição e trabalham todos os dias para poder dar o seu melhor, os restantes fazem-no simplesmente porque gostam”. João está na lista dos que não tem pudor em afirmar que aquilo que o move é a competição. Sabe por isso que aos 40 será altura de “arrumar as botas” porque o goalball nunca será um mero “passatempo”.

As perspetivas de futuro dos três jovens atletas dividem-se em dois momentos. No primeiro, mais próximo temporalmente, o desporto encontra-se no topo de todas as prioridades onde só os estudos conseguem obter um maior grau de importância. Mas
dentro de anos o desporto de competição terá de dar lugar a um professor de matemática (Amadeu), a um engenheiro informático (Hugo) e a um fisioterapeuta (João). Um futuro que, segundo os próprios jovens, até poderia ser imaginado de outra forma, conseguissem os apoios ao desporto (para pessoas com deficiência) chegar tão longe quanto os atletas que o praticam.

Podem consultar aqui a Revista Louis Braille completa
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