Mulheres que trabalham com projetos voluntários garantem que a sensibilidade feminina ajuda - e muito - as iniciativas sociais
Eduardo Diório
eduardo.diorio@grupoestado.com.br
Robson Fernandjes/AE
A arquiteta e designer Adriana Yazbek ensina a arte de transformar papel em obra de arte na Oficina Boracea
SÃO PAULO - Sentar na minha cadeira é muito difícil. Querendo ou não, acabo decidindo coisas extremamente importantes. Mas quem sou eu para fazer essa decisão?", questiona Flávia Bochernitsan, diretora geral do Projeto Felicidade (11/3803-9898), uma ação voluntária iniciada há sete anos que oferece cinco dias de diversão e alegria a crianças de classes de baixa renda com câncer.
De pulso firme, Flávia é a típica mulher guerreira, que nunca desiste de um objetivo. Psicóloga de formação, sempre sonhou em trabalhar com a garotada menos favorecida. Atuante desde o início do projeto, acredita que o seu trabalho é ambivalente. Ele me traz momentos de profunda tristeza e de realização plena. Fico chateada quando não consigo realizar o sonho de alguma criança. Mas a felicidade bate quando ouço de meninos e meninas que eles passaram a melhor semana da vida deles com a gente. Nessa hora percebo que estou trilhando o caminho certo.
A cada semana, os hospitais selecionam crianças em tratamento para participar do Projeto Felicidade. De segunda a sexta-feira, juntamente com os familiares, a turma fica hospedada em hotéis - geralmente luxuosos - e participam de diversos passeios culturais. À noite, após um dia recheado de surpresas, recebem a visita de voluntários. No final da jornada, levam de lembrança para casa um álbum de fotos.
Até hoje, mais de 2.200 crianças já foram assistidas. Entre os envolvidos na instituição, grande parte da equipe é composta por mulheres. A mulher tem a sensibilidade aguçada. Ela é singular e complexa, pensa com o coração e também age com ele. Por isso, em alguns casos, ela se saia melhor do que o homem, pois tem a sensibilidade que ele não tem, acredita a diretora geral.
Ao que tudo indica, sensibilidade é a palavra-chave entre as mulheres que fazem trabalhos sociais. No mesmo caminho de Flávia, Sylvia Albernaz Guimarães, presidente da Associação Vagalume, aposta no poder feminino. As mulheres estão deixando aflorar o lado masculino, que sempre foi mais objetivo. Mesmo assim, para cuidar de projetos que envolvem a sociedade, é importante não perder a ternura que toda mulher tem, revela a presidente.
A Associação Vagalume (11/3032-6032) é uma entidade - sem fins lucrativos - que promove o desenvolvimento cultural e educacional de comunidades rurais da Amazônia, além de contribuir com a troca de conhecimento entre a população da região e demais cidades do Brasil. Hoje, a idéia é tornar-se referência na aplicação da metodologia de implantação de bibliotecas comunitárias. Sempre tive vocação para trabalhar na área social. Sou professora de história, mas nunca cheguei a lecionar. Adoro espalhar a literatura infantil por todos cantinhos da Amazônia.
Lição de vida
A história de Maria Regina, coordenadora de reabilitação da Fundação Dorina Nowill (11/5087-0999), poderia estampar tranqüilamente as páginas de um livro. Deficiente visual desde pequena, com muito esforço conseguia enxergar. Após ter feito um curso para ser professora, perdeu totalmente a visão e teve de ser encaminhada para a fundação. Tive de me adaptar, aprender a ler com o sistema braile e a usar bengala. Não foi fácil, mas venci essa barreira, lembra.
Nessa época, Maria Regina foi convidada para participar da equipe da Fundação Dorina Nowill. Comecei trabalhando no escritório. Foram mais de cinco anos nesse setor, conta. Experiente, resolveu encarar outro curso e concluiu a faculdade de serviço social, tornando-se assistente social da própria entidade. Hoje, responsável pelo setor de reabilitação, garante que trabalha com o que gosta. Sou realizada profissionalmente. Fui além das minhas expectativas. Minha auto-estima era muito baixa e, ao longo desses anos, foi tudo superado. Sempre fui uma profissional respeitada, avisa.
Hoje em dia, a coordenadora tem uma meta: ajudar as pessoas a descobrir e acreditar no seu potencial e na possibilidade de aprender com a dificuldade visual da melhor forma possível. Quando criança, por não aceitar a deficiência visual, pensa que hoje é mais fácil ajudar as pessoas que são tratadas na fundação. Elas precisam resgatar a autonomia. Independentemente da deficiência, elas podem ser felizes e, claro, a maioria consegue, alerta.
Quem também encontrou a felicidade foram os alberguistas da Oficina Boracea (oficinadeartesboracea@prefeitura.sp.gov.br). Criado em 2004 com o propósito de melhorar a qualidade das instalações do albergue, o projeto Oficina de Artes Boracea abriga e trata de forma diferenciada os moradores de rua e catadores de lixo. A arquiteta e designer de luminárias Adriana Yazbek é a responsável por ensinar a arte de transformar o papel em obra de arte. É um material que dá para ser investigado de diversas maneiras. Para mim, ele não é lixo. No entanto, eu mais aprendo do que ensino. A idéia é que o trabalho seja bem coletivo, conta Adriana.
Porém, o trabalho deu tão certo que, ao longo de 2005, o projeto virou cooperativa, gerando emprego e renda aos artesãos. Com isso, a maior parte deles conseguiu autonomia financeira e já mora em residência alugada. Ninguém mora mais na rua. Meus meninos estão indo superbem e fico muito orgulhosa de ter participado de tudo isso, revela a arquiteta, que teve de abrir mão de alguns trabalhos para dedicar-se ao projeto.
Como já era esperado, tanto trabalho rendeu bons frutos. A Oficina de Artes Boracea foi convidada para participar de uma das maiores feiras de bens e consumo da Europa, a Ambiente 2007, em Frankfurt, na Alemanha. Sempre batalhei para desenvolver um projeto que capacitasse profissionalmente os albergados, que gerasse renda. É um trabalho educativo que tem uma esfera humana muito forte. Não os trato como filhos, mas sou muito dedicada aos meus meninos. Eles são ótimos, finaliza.
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