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Cegos esperam quase quatro anos por um cão-guia

por Lerparaver

Após uma longa espera de quase quatro anos, Rodrigo Santos, invisual, conseguiu realizar um desejo antigo: ter um cão-guia para o auxiliar no dia-a-dia

«Esta é uma fase maravilhosa, sobretudo porque isto é um processo de conhecimento mútuo, em que ele não me conhece, eu também não o conheço e nestes dias isto é tão emocionante como conquistarmos um novo amigo», afirmou Rodrigo Santos, no dia em que vai levar o Nobel, um Labrador, para casa.

Rodrigo esperava por este momento desde o Verão de 2004, quando se inscreveu na lista de espera da Associação Beira-Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual (ABAADV), a única escola de cães-guia em Portugal.

Em Outubro desse ano teve a primeira entrevista, tendo recebido há cerca de dois meses um telefonema a informá-lo de que tinha sido seleccionado para receber um cão e iniciar o processo de adaptação ao animal.

«Está a superar tudo o que eu esperava. É um amigo a full-time, que me ajuda a mim enquanto pessoa e me enriquece», confidencia Rodrigo Santos, adiantando ainda que com o Nobel vai poder, sobretudo, «melhorar a sua autonomia».

A longa espera de quatro anos por um cão-guia explica-se com a existência de apenas uma escola de treino dos animais, por a lista de espera da ABBADV ser grande (tem actualmente cerca de 50 pessoas), por o treino dos cães ser demorado e por a escola de Mortágua treinar apenas cerca de 12 animais por ano, num processe que dura dois anos e vai desde o nascimento do cachorro, normalmente na própria escola, até à sua socialização e ao treino técnico.

«Começamos sempre que possível com a criação e a partir do momento que são criados connosco começamos logo a fazer uma selecção e um manuseamento dos cachorros. Aos dois meses de idade são colocados numa família de acolhimento, onde permanecem até completarem um ano», explica Sabina Teixeira, uma das treinadoras da escola de Mortágua e que está a acompanhar o Rodrigo e o Nobel no último dia que vão passar na escola.

De acordo com Sabina Teixeira, à família de acolhimento cabe «um papel fundamental porque é ela que o vai socializar [o cão] e que vai fazer uma parte muito importante, que é a educação de casa».

Após a socialização e já com alguma maturidade, o cão, agora com um ano de idade, regressa à escola de Mortágua, onde recebe treino técnico durante mais um ano.

«O utilizador final só aparece ao fim de dois anos. É aí que a escola vai escolher o cego que vai para aquele cão. A partir das características do cão vamos seleccionar o seu futuro utilizador, que já existe em lista de espera. É chamado e fica em estágio quinze dias, uma semana na escola e uma semana no domicílio», acrescentou Sabina Teixeira.

A treinadora explica que os cães são sempre Labrador por se tratar de «uma raça muito maleável», que se adapta facilmente a diferentes situações e ao «seu novo dono».

Regra geral, também só são seleccionadas as cadelas por serem mais meigas, enquanto os machos têm tendência a ser mais dominadores.

O presidente da ABAADV, João Pedro Fonseca, diz que para os cegos a atribuição de um cão-guia é um processo gratuito, apesar de o treino de cada cão custar cerca de 17.500 euros, sendo a escola financiada por um programa europeu e pelo Estado português.

Ainda assim, há casos em que, por «motivos pessoais», os cegos acabam por desistir a meio do treino ou por devolver o cão à escola.

«É um animal, necessita de muitos cuidados e muita atenção. É um animal, não é uma bengala», lembra a treinadora Sabina Teixeira.

João Pedro Fonseca salienta ainda um outro problema que agrava o tempo de espera por um cão-guia: «os cães que foram entregues em 1999/2000 estão a começar, pouco a pouco, a ser substituídos, o que é uma prioridade».

«Sem um aumento de capacidade da escola para treinar mais cães, o trabalho acabará a curto prazo por ser dedicado quase exclusivamente à substituição de cães já atribuídos», alerta.

A escola de Mortágua nasceu em 1996 ao abrigo de um programa europeu que financiou a construção das instalações e a formação de dois treinadores.

O Nobel foi o 62º cão-guia a ser entregue pela escola de Mortágua.

Lusa / SOL

Fonte: http://sol.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=73750