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Cão da raça Labrador treinado para ajudar os invisuais

por Lerparaver

Há quem afirme que "o cão é o melhor amigo do homem". Nunca esta frase se aplicou de forma tão linear depois desta reportagem que o Litoral Centro (LC) fez na Escola de Cães-Guia de Mortágua (ECGM), a única existente em Portugal.

Os cães, quatro dezenas, da raça "Lavrador", são os únicos que são treinados na ECGM. Apresentam-se como dóceis, capazes de deixar embevecida qualquer pessoa e são o companheiro ideal para prestar apoio a pessoas invisuais. A "Ninja", com oito anos, de olhar doce e cheirando as visitas, recebeu-nos, como que a tentar dizer que não ia ser uma das actrizes principais do trabalho. E tinha razão, porque é propriedade da treinadora Sabina Teixeira e não está para entrega a um cego. Filipa Paiva, directora técnica da escola e veterinária, assume que é cada vez mais difícil gerir uma estrutura nacional com tão pouca gente. "Temos muitos cegos à espera de cães, mas os educadores são poucos", afirma, admitindo que a escola tem condições para crescer, basta que para isso o acordo com a Segurança Social seja revisto, de modo a poder ser integrado mais um educador na equipa da ECGM. A escola tem, actualmente, seis pessoas no quadro, dois avençados e um estagiário profissional, mas "necessita de mais pessoas para produzir maior trabalho no treino dos cães". Diariamente, são treinados 18 cães-guia, distribuídos por três educadores. E as famílias de acolhimento são importantes no processo de treino. Filipa Paiva explicou esta designação: "Nascem as crias e, depois, precisamos que os cães aprendam a viver em família durante um ano, para, de seguida, regressarem à escola para iniciarem a formação", diz, revelando que a escola assume a alimentação, vacinas e saúde do cão que for recebido por uma determinada família. Segundo a directora técnica da escola, "as famílias acabam por ter um papel muito importante, porque recebem os cães e, passado um ano, ficam sem eles, muito embora o possam ter sempre ao fim-de-semana, se assim o desejarem". Não se pense que o cego fica dono do cão. Quem assim pensar, está enganado, porque, na prática, o deficiente visual apenas vai usufruir do cão, que é sempre da posse da escola, podendo regressar se a pessoa com quem está falecer ou se for alvo de violência, como já aconteceu num caso. Ao todo, desde que foi criada, a escola já procedeu à entrega de 55 cães, mas a lista de espera é infinita. É o "mal" de ser a única no país a efectuar este tipo de trabalho.

A ESTRUTURA DA ECGM E O MODO DE FINANCIAMENTO

A ECGM foi criada através de um projecto comunitário entre 1996 e 1999, sendo constituída como associação em 2000, pela mão de João Fonseca, o presidente da Associação Beira-Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual, que supervisiona a Escola de Cães-Guia. O grande problema, segundo o presidente da associação, é encontrar famílias de acolhimento. Por isso, considera "fundamental" que os órgãos de comunicação social se interessem pelo trabalho desenvolvido na escola. "Para além disso, temos algumas dificuldades financeiras, porque as receitas acabam por não ser muitas", assume. A escola tem o apoio do Estado, que cobre 2/3 do orçamento, que ronda os 200 mil euros por ano. "Temos um acordo atípico com a Segurança Social, que nos atribui uma verba por cada dupla cão-cego que formamos", diz, assegurando que a média anual, neste âmbito, é de 12 duplas. Para João Fonseca, "o Estado cumpre o seu papel e, depois, nós trabalhamos com os sócios, donativos e eventos para conseguirmos o que resta para completar o nosso orçamento". O presidente da associação esteve sempre ligado à vida animal. Na Escola Profissional onde dava aulas começou, com os alunos, a fazer uma criação de perdigueiros. "O projecto foi crescendo e, passados poucos anos, tive um contacto do pai da Filipa Paiva, que tinha alguma experiência com invisuais", diz, adiantando que depois de apresentar o projecto a fundo comunitário, a escola não mais parou e continua a ter condições para crescer, como se comprova com o início, precisamente no dia da visita do LC, da construção de uma maternidade para o nascimento das ninhadas. "Tínhamos de ter melhores condições e penso que dentro de dois meses estará concluída", afirmou.

O TREINO EM PLENA VILA DE MORTÁGUA

O dia de sexta-feira é o mais atarefado para a equipa de educadores da escola, porque têm de fazer entregas nas famílias de acolhimento. Por causa da presença do LC, a agenda teve de ser mudada. Pela manhã, Sabina e Marta, as educadoras, levaram dois dos cães que estão em treino para uma demonstração em pleno centro de Mortágua. O treino consiste em simular um passeio com um deficiente invisual. Sabina parte na frente com a "NET", uma cadela de cor castanha, que vai guiando a sua companhia por todo o lado. Desvia-se de obstáculos e ajuda Sabina a subir umas escadas. Marta vem logo atrás com o "MILLE", um lavrador preto, que revela uma inteligência fora do comum. Segue os passos da sua companheira de treino e vai avisando para as barreiras arquitectónicas que existem nos passeios. O grande teste foi mesmo a subida das escadas, que fizeram ambos sem quaisquer dificuldades, esperando sempre o carinho das suas tratadoras. "É o treino normal que fazemos com eles, mostrando-lhes como se desviam dos obstáculos", afirma Sabina Teixeira. Marta, natural de Mortágua, segue a companheira de treino, que é bastante mais experiente.

Fonte: http://www.litoralcentro.pt/index.php?zona=ntc&tema=13&lng=pt&id=777