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Brasil - ONG faz mobilização para aumentar livros acessíveis no país

por Lerparaver

Embora existam várias leis no Brasil que garantem a acessibilidade à comunicação, são raros os livros acessíveis no país, isto é, produzidos em várias mídias para atender às pessoas portadoras de deficiência física ou intelectual, dislexia, amputados de membros superiores ou com dificuldades motora ou de leitura.

Pioneira na produção de livros e espetáculos acessíveis no país, a organização não-governamental (ONG) Escola de Gente lança no próximo dia 18, no Rio, a publicação Os Inclusos e os Sisos - Teatro de Mobilização pela Diversidade. O livro conta a história de cinco jovens atores, alunos de artes cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), que desde 2003 se dispuseram a sair pelo Brasil encenando peças que buscam mobilizar as pessoas para a causa da diversidade e da inclusão.

O Decreto 5.296/2004 representou grande passo para tornar a comunicação mais acessível, disse à Agência Brasil a superintendente-geral da ONG, Claudia Werneck. "Se você faz um livro só impresso em tinta, você está sendo altamente discriminador não só em relação a quem é cego, mas também em relação ao analfabeto, que não teve acesso à educação. Você dá uma dupla punição para essa pessoa".

Claudia explicou que quando se faz um livro acessível, ele não é voltado somente para pessoas com deficiência.

- "A gente está falando em pessoas que tiveram acidente vascular cerebral, analfabetos, pessoas com deficiência intelectual, com dislexia. Então, o livro acessível é um conceito muito amplo; a ideia de ter um livro ou folheto impresso só em tinta é uma ação de discriminação no processo de comunicação.

No ano passado, o governo assinou o Decreto 6.649, que ratificou a Convenção das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU).

- Essa convenção foi o primeiro tratado de valor constitucional no Brasil - destacou Claudia. Ela foi aprovada pelo Congresso Nacional e virou uma superlei, que aborda também a questão da acessibilidade na comunicação.

O livro da ONG é editado em oito mídias, incluindo CD de áudio MP3, DVD em libras (linguagem para surdos), conteúdo para computador nas versões PDF, OpenDoc, TXT e Daisy. A obra é impressa no formato espiral para facilitar o manuseio pelas pessoas com algum tipo de deficiência.

- O livro acessível faz parte desse movimento de você dar novo significado ao livro - disse Claudia Werneck. O objetivo é garantir rapidez no processo de democratização da cultura no Brasil, acrescentou.

Segundo Claudia, o livro acessível tem relação direta com a política, com direitos humanos, entre outras áreas.

- Entretanto, ele ainda é considerado um favor. A gente acha o contrário. Na concepção do que é ler e ter acesso à comunicação, todos esses formatos de livro têm igual valor. Não existe nada que seja subjacente.

Outra novidade introduzida pela organização Escola de Gente é que o livro não será vendido, apesar de ser um projeto aprovado pela Lei Rouanet e ter patrocinadores. Escrito na forma de um espetáculo teatral, ele será distribuído com a meta de facilitar a democratização desse produto para profissionais e instituições interessadas em conhecer livros em formato acessível. O objetivo é não só informar as pessoas quanto à acessibilidade na comunicação, mas também sensibilizar e mobilizar a população para essa causa.

País mostra avanços em inclusão social, mas algumas áreas resistem

Nos últimos 20 anos, o Brasil teve avanços na questão da inclusão, afirmou Claudia Werneck. A atuação da ONG é baseada no conceito de desenvolvimento inclusivo, que associa a questão da pobreza ao problema da deficiência, sob todas as formas.

Pioneira na pesquisa sobre inclusão no Brasil e na América Latina, Claudia Werneck tem 12 livros sobre o tema.

- Eu acho que em termos de políticas públicas, a gente avançou muito e tem hoje respaldo para falar.

Ela destacou os avanços observados sobretudo nas políticas educacionais. Em relação à cultura, disse que as políticas demoraram um pouco mais para avançar, mas estão começando esse processo.

- Eu acho que avançamos muito lentamente na mentalidade das pessoas. Existe, no modo como as pessoas pensam deficiência, questões muito antigas, muito pobres. E, geralmente, elas estão relacionadas à crença de que dar visibilidade ao tema deficiência significa resolver o problema do preconceito e da discriminação.

Claudia Werneck afirmou que essa questão pode ser resolvida associando a essa visibilidade reflexões profundas e oferecendo soluções práticas de como transformar inclusão, que é um conceito abstrato e subjetivo, em práticas do cotidiano.

Nesse sentido, lembrou que o livro acessível, ou seja, editado em várias mídias com o objetivo de atender a diversos tipos de deficiência temporária ou permanente, é uma solução para garantir o direito à participação de pessoas com deficiência. Acrescentou que na área governamental, muitos setores estão bastante interessados no tema da inclusão. Entre eles, citou o grupo responsável pelas políticas de juventude, o Ministério da Educação, no que se refere à educação especial, além da Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), da Secretaria Especial de Direitos Humanos.

A superintendente da ONG assegurou que na área cultural há um longo caminho a ser percorrido.

- Tem setores muito resistentes à questão da inclusão". As grandes editoras, por exemplo, resistem ao livro acessível, que consideram algo supérfluo, disse. No segmento da educação, o problema persiste nas escolas particulares, onde muitas crianças com deficiência não têm acesso à escola comum, embora isso seja lei no país.

Na área teatral, muitos produtores e, inclusive, artistas não conseguem pensar em dividir o espaço com uma tela com legendas e tradução em libras (linguagem de surdos), criticou a superintendente. Segundo ela, isso também é previsto em lei.

- Há diálogos que não foram feitos. E eles incluem pensar o que já temos, mas imaginando que pessoas com deficiência existem.

Claudia Werneck disse ainda que o desafio é saber quanto custa não discriminar. Fazer acessibilidade não é caro, disse. Para ela, os orçamentos que não prevêem acessibilidade é que são caros. A superintendente explicou que quando se faz um projeto no Brasil que não leva em conta a diversidade, o aspecto da deficiência e da inclusão, "na verdade, você está construindo um projeto de discriminação. E, conseqüentemente, um orçamento de discriminação".

MPF: lei sobre livro acessível precisa ser regulamentada

A Lei 10.753, que estabelece a Política Nacional do Livro, apesar de ter sido publicada em 2003, até hoje não foi regulamentada. Uma série de questionamentos dificulta a regulamentação, envolvendo, de um lado, as grandes editoras e, de outro, pessoas portadoras de deficiências, como cegos.

A norma determina o que pode ser considerado livro. Entre as várias definições, consta a de que livro não é apenas o produto impresso em papel, mas também o livro eletrônico ou a obra em braile.

- Ou seja, formatos que beneficiariam, em síntese, as pessoas cegas que não fazem uso do livro escrito em papel. Isso é muito importante. É uma inovação - analisou a procuradora do Ministério Público Federal em São Paulo, Eugenia Fávero.

Ela esclareceu, contudo, que para que essa disposição seja encarada como uma obrigação pelas editoras e possa ser colocada em prática, é preciso que a lei seja regulamentada.

- Isso não existe até hoje.

Eugenia Fávero informou que uma vertente defende que as editoras são livres para imprimir livros da maneira como quiserem vender, mas não liga para o fato de que as pessoas cegas ficam, dessa forma, sem condições de acesso à cultura e à informação no Brasil.

A procuradora chegou a propor uma ação civil pública, há cerca de quatro anos, para que a Justiça reconhecesse a omissão do governo nesse sentido.

- Essa omissão vem desde a lei que oficializou o Código Braile, de 1967. Desde essa época se fala da obrigação do governo de regulamentar o tema, para que as editoras passassem a fornecer todo tipo de material. Isso nunca foi feito.

A ação foi julgada extinta, "porque o juiz considerou que o meio adequado para isso seria um mandado de injunção".

Eugenia explicou que o mandado de injunção caberia à Procuradoria-Geral da República (PGR) e não teria nenhum efeito prático, porque o Executivo ficaria livre para regulamentar o tema quando julgasse adequado. A procuradora recorreu da decisão, mas até o momento a apelação não foi julgada. Enquanto isso, a Lei 10.753 fica sem regulamentação e não pode ser aplicada. Em alguns casos específicos, pessoas cegas têm entrado na Justiça diretamente contra as editoras. Os pedidos individuais têm sido acolhidos.

A saída, segundo Eugenia, é a sociedade continuar cobrando uma solução. No caso de compra de livros pelo Ministério da Educação, sugeriu que deveria ser incluído nos editais esse requisito.

- Que as editoras têm que entregar livros não apenas em meio escrito, mas também disponibilizar em outros tipos de material. Nossa luta era para que fosse uma coisa natural um cego ir direto na livraria e comprar - completou.

Agência Brasil

Fonte: http://www.monitormercantil.com.br/mostranoticia.php?id=73275