Um décimo da população mundial sofre de cegueira das cores. Designer do Porto criou sistema para as ajudar
Não mata, mas mói. A incapacidade para distinguir as cores parece, para quem não a tem, um problema menor. E, no entanto, impede um décimo da população mundial de ser autónoma. O designer Miguel Neiva descobriu a luz para os daltónicos.
Cenário individual: como escolher uma peça de roupa em detrimento de outra sem distinguir as cores? O que responder ao filho que pede o lápis verde para pintar a árvore? Cenário social: como interpretar o mapa do metro se as linhas são representadas por cores? Como respeitar as bandeiras de perigo na praia? Cenário profissional: como cumprir uma vocação relacionada com a indústria gráfica, química, da moda ou da decoração, se todas estão ancoradas no domínio da cor?
Nos dois primeiros cenários, haverá a possibilidade de pedir ajuda a terceiros, ainda que isso crie uma dependência pouco confortável; para o terceiro não há solução. Os estudos estimam que 10% da população mundial sofra de daltonismo. Apesar da limitação que a designada "cegueira das cores" implica para os indivíduos, o daltonismo tem sido ignorado.
"Não é visto como um grande problema. E, se calhar, não é. Mas não é preciso ser um grande problema para ser resolvido", defende Miguel Neiva, mestre em Design e Marketing, cuja tese de mestrado, defendida há dois meses, na Universidade do Minho, versou sobre a aplicação de uma solução nunca até agora pensada. "Poderá não ser um problema", insiste, "mas ouvir alguém dizer que tem um carro azul-banana projecta inevitavelmente uma imagem que vai implicar juízos de valor pouco favoráveis. O daltónico sabe-o e sofre em silêncio".
Por isso, o designer do Porto desenvolveu um código gráfico monocromático que, a ser aplicado, prestará "um serviço público a uma pequena grande minoria". Para cada cor primária (vermelho, amarelo, azul) criou um símbolo (respectivamente, triângulo, barra diagonal, triângulo invertido), fácil de apreender, com custos de aplicação reduzidos, e passível de ser adaptado a vários cenários: desde etiquetas de roupa a transportes públicos. A partir do jogo dos três símbolos é possível identificar cores, tons, brilhos e misturas. "O código representa a autonomia dos daltónicos".
Os daltónicos - quase todos do sexo masculino, uma vez que a deficiência, hereditária, está relacionada com uma falha genética associada ao cromossoma X- vêem entre 500 a 800 cores; uma visão normal apreende cerca de 30 mil.
Fonte: http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1061667
Escolher roupa é tarefa que mais denuncia a falta de autonomia
Se o daltonismo não fosse uma limitação capaz de suscitar embaraço, inibição, insegurança, ninguém esconderia o problema. A verdade é que são muito raros os portadores da "deficiência invisível" que aceitam falar publicamente sobre o assunto.
Sobretudo porque isso significaria reconhecer que estão permanentemente dependentes da ajuda de terceiros no que diz respeito a todas as funções associadas à cor. Tarefas tão simples como conjugar uma gravata com uma camisa.
Na tese sobre o "Sistema de Identificação da Cor para Daltónicos", Miguel Neiva partiu de uma amostra de 146 daltónicos, todos sinalizados através de pessoas próximas ou descobertas na internet, em Portugal, na América do Sul, em Israel. Apenas 77 indivíduos (52,7%) aceitaram responder às perguntas e todos exigiram garantia de protecção de identidade. Desse universo, apenas um aceitou falar e ser fotografado [ver texto ao lado].
Dos 41 inquéritos validados, 87,7% dos inquiridos admitiram ser na escolha do vestuário que sentem maior dificuldade. E quase metade (46,3%) admite "criar códigos próprios" - para identificar as cores, mas sobretudo para "conseguir comunicar com os outros".
A limitação, no entanto, pode ir muito mais longe. Basta pensar que existem profissões inseparáveis da paleta das cores. Ou que no mapa no metro, as linhas têm representações coloridas. Daí que 73,2% reconheça que já sentiu embaraço por não as conseguir visualizar correctamente.
Apesar de tudo, a resposta sobre a integração social é equilibrada: 58,5% não sente dificuldade; 41% pensa o contrário.
Fonte: http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1061669
Dificuldade em distinguir cores não o deixou ser piloto
Jorge Sousa tem 36 anos, é engenheiro electrotécnico e gosta muito do que faz. Mas olhando para trás, apesar de ser ainda muito jovem, reconhece que poderia ter sido outra coisa na vida em termos profissionais. Piloto de aviões, por exemplo. Uma actividade que lhe foi literalmente vedada por fazer parte do grupo de portugueses que têm dificuldade em distinguir as cores.
"Chumbei nos testes para a Força Aérea por ser daltónico. E, curiosamente, não fui o único. Cerca de 10% dos restantes candidatos foram excluídos pela mesma razão. Isto é revelador da incidência do problema", diz ao "Jornal de Notícias".
Dividido entre Vouzela, onde vive, e Viseu, onde trabalha, este portuense garante que não ficou minimamente traumatizado por ter deixado pelo caminho o sonho de dirigir aviões. "Não pude ser piloto, como não poderia ser estilista, médico ou controlador aéreo. As pessoas têm de adaptar-se à sua própria realidade. A minha é esta. Não me sinto diminuído por isso".
Os pais de Jorge Manuel Ferreira Guimarães Sousa, de seu nome completo, não são daltónicos. "Mas tenho um irmão e muitos primos afectados. Quando estamos todos juntos, é uma festa", brinca com uma ponta de ironia.
Ao contrário do que possa pensar-se, Jorge Sousa não vive obcecado pelo distúrbio visual que herdou. A tal ponto isso é verdade, que apesar de ter vários familiares afectados, só aos oito anos, quando frequentava a terceira classe na então escola primária da Torrinha, ficou a saber, num rastreio de rotina, que era daltónico.
"Tínhamos caixas de lápis com cinco cores básicas para desenhar.
Utilizava-as sem problemas. O daltónico cria formas automáticas de descobrir, interpretar e utilizar as diferentes cores e pensa que os outros fazem o mesmo. Por isso nunca valorizei a situação até ao resultado do rastreio", explica.
Vê as cores. Mas nem sempre as distingue. "Consigo ver um vermelho vivo. Mas o castanho claro para mim é sempre verde. Durante anos, julguei que os táxis que circulavam nas ruas do Porto eram pretos e brancos e não pretos e verdes", reconhece.
Apesar do desprendimento com que encara o daltonismo, admite que conta com a ajuda de terceiros para escolher a roupa que veste. E que se orienta nos semáforos pela ordem dos sinais. Lamenta, isso sim, que a sociedade se alheie do problema.
"Fico satisfeito por ver que alguém pensa em nós: a Câmara de Viseu, por exemplo, que tem semáforos numéricos e o designer portuense Miguel Neiva que propõe a identificação das cores por símbolos".
Fonte: http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1061664
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Comentários
´Fico intrigada!
Olá!
Há uma coisa que me intriga: eu confundo algumas cores como o cor de rosa, o laranja, por vezes confundo o azul com o verde. Quando vou às compras à procura de roupa rosa para a minha filha, eu prefiro que seja ela a escolher. Ela tem 10 anos e já sabe as minhas dificuldades com as cores. O pior de tudo são as cores secundárias, como o lilás, o violeta, amarelo torrado e outras que não me lembro agora! E para mim escolho peças de roupa com cores que saiba distinguir muito bem, como o castanho, preto, ou branco, cores secundárias estão fora de questão!.
No 3º ciclo cheguei a ter não satisfaz em educação visual nos desenhos que exigia o uso de determinadas cores...mas por vergonha nunca disse à professora, pois pensava que eu era mesmo burra...coisas de criança, claro! Por isso nunca fui adepta da pintura, devido à minha dificuldade em distinguir certas cores.
Já falei com o meu médico, ele diz que isso acontece devido à doença que tenho: Coriorretinite macular. Possuo uma incapacidade de 80%, isso explica este meu problema. Embora eu veja o suficiente para me desenrascar sozinha!