Está aqui

Áudio-descrição: Opinião, Crítica e Comentários - blog de Francisco Lima

Direito à acessibilidade, dever do MP, Pois É!

por Francisco Lima

Direito à acessibilidade, dever do MP, Pois É!

Presados,

Trago neste post um pouco mais a respeito do papel do Ministério Público e do dever que tem de agir em defesa das pessoas com deficiência, defendendo-lhes (das pessoas com deficiência, não do Estado) o direito, na extensão máxima da lei.
O texto é fácil de entender, apesar de suas 18 páginas, duas a mais que nossa denúncia ao MP-Pe.
Abaixo, contudo, o texto que lhes apresento é apenas um pequeno trecho do artigo “O DIREITO CONSTITUCIONAL DA ACESSIBILIDADE DAS PESSOAS PORTADORAS
DE DEFICIÊNCIA OU COM MOBILIDADE REDUZIDA”.
Que os operários do direito nos valham,
Francisco Lima

Retirado de: “O DIREITO CONSTITUCIONAL DA ACESSIBILIDADE DAS PESSOAS PORTADORAS
DE DEFICIÊNCIA OU COM MOBILIDADE REDUZIDA”

“No que diz respeito à importância do Ministério Público, Ramos (2000, p. 02) analisa com precisão:
Não parece concebível que hoje, a par de todo o aparato tecnológico disponível, que as cidades brasileiras não disponham de condições mínimas para facilitar a locomoção de pessoa portadora de deficiência e idosas com dificuldade de locomoção. Diante disso, salta aos olhos a importância do Ministério Público na defesa dos direitos desses segmentos sociais, porquanto tem a tarefa primordial de reverter esse quadro de desrespeito a seus direitos, especialmente através de ações que despertem a atenção da sociedade para a necessidade de sua garantia, lançando mão de todos os instrumentos jurídicos à sua disposição, especialmente o inquérito civil e a ação civil pública, como forma de demonstrar a sociedade que se transitou da barbárie à civilização, traduzida pela efetividade das normas que reconhecem os direitos humanos como imprescritíveis e invioláveis.
O Poder Público, através da fiscalização, da aplicação de multas e de incentivos fiscais, também contribui para o cumprimento dos direitos da pessoa portadora de deficiência.
3.
MINISTÉRIO PÚBLICO E AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA OU COM MOBILIDADE REDUZIDA
3.1
O Ministério Público como legitimado ativo da Ação Civil Púbica
Primeiramente, cabe destacar que a ação civil pública (ACP) é uma ação que “objetiva a tutela de interesses metaindividuais, de início compreensivo dos difusos e dos coletivos em sentido estrito, aos quais na seqüência se agregaram os individuais homogêneos” (MANCUSO, 2001, p. 21). Ademais, sobre a qualidade de pública aduz Mancuso (2001, p. 21-22):
Essa ação não é “pública” porque o Ministério Público pode promovê-la, a par dos outros co-legitimados, mas sim porque ela apresenta um largo espectro social de atuação, permitindo o acesso à justiça de certos interesses meta-individuais que, de outra forma, permaneceriam num certo limbo jurídico.
Assim, o evolver da realidade social verificado em fins do século XX acarretou o surgimento de novas situações conflituosas caracterizadas pela sua dimensão supra-individual e que, não obstante a extrema relevância na harmonização dos interesses ali postos em jogo, não encontraram no processo civil clássico – de índole marcadamente individualista – instrumentos adequados à sua solução, fazendo-se necessária a adaptação dos institutos processuais tradicionais às novas demandas emergentes, como observa Comparato (1996, p. 3-24):
Com o advento da sociedade de massas, máxime na era pós-industrial em que vivemos, o relacionamento transindividual, tendo por objeto bens ou interesses não ligados a pessoas determinadas, passou ao primeiro plano. Daí a necessidade de se remodelar o sistema jurídico, no que diz respeito aos mecanismos de proteção a essa espécie de interesses, com a revisão do tradicional princípio da legitimidade do exercício de pretensões e ações judiciais.
Foi sob o influxo da necessidade em conferir tutela a essas novas categorias de interesses que ocorreu a edição da Lei n.º 7.347/85 instituindo ACP que, embora não tenha inaugurado no direito pátrio a experiência do tratamento jurisdicional às demandas de natureza coletiva em sentido amplo (vide a ação popular em defesa do patrimônio público), foi sem dúvida a que melhor sistematizou e tornou operacional a defesa dos interesses ou direitos transindividuais, a qual abrangia, originariamente, apenas aqueles referentes ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, passando a englobar qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por força do alargamento conferido pelo art. 129, III, da Constituição Federal e pela legislação subseqüente, notadamente o Código de Defesa do Consumidor (CDC) - Lei nº 8.078/90.
Coube ao CDC, por sua vez, a definição legal dos interesses difusos e coletivos, tendo sido a lei nº 7.347/85 silente nesse sentido. Segundo o referido diploma, interesses ou direitos difusos são aqueles:
(...) transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, I); já interesses ou direitos coletivos, são os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (art. 81, parágrafo único, II).
Além dos interesses difusos e coletivos, o CDC instituiu uma nova modalidade de tutela coletiva, tendo como objeto os assim denominados interesses individuais homogêneos, definidos como sendo aqueles decorrentes de origem comum (art. 81, parágrafo único, III). Distingue-se esta categoria das demais em razão dos interesses difusos e coletivos serem metaindividuais tanto em sua essência (insuscetíveis, portanto, de cisão a título unicamente individual) quanto em sua forma de tutela jurisdicional, ao passo que os indivíduos homogêneos são metaindividuais apenas no tocante à possibilidade de sua proteção ser exercida de maneira coletiva, possuindo titulares determinados ou determináveis e objeto divisível.
Nesse caso, embora os interesses essencialmente individuais, justifica-se a sua tutela coletiva pela uniformidade dos elementos factuais dos quais se originam e pelo expressivo número de titulares envolvidos na relação (MANCUSO, 1995. p. 438-450).
Nos termos do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (LACP), podem propor ACP o Ministério Público, a União, os Estados e Municípios, bem como as respectivas entidades da administração indireta, além das associações, desde que constituídas há pelo menos um ano e incluam em sua finalidade institucional a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Sobre este último requisito, entende Mazzilli (1998, p. 79) ser exigível também em relação aos sindicatos e entidades da administração indireta (autarquias, empresas públicas, fundações públicas ou privadas e sociedades de economia mista), quando ajuízem ações coletivas.
Conforme se infere do dispositivo legal, optou o legislador, acertadamente, pela extensão da legitimidade da ACP a uma pluralidade de órgãos, caracterizando aquilo que Mancuso (2001, p. 102) denominou “legitimação difusa, a ser reconhecida, em sede disjuntiva e concorrente, aos cidadãos per se ou equiparados em associações e aos entes e órgãos públicos interessados, ratione materiae, aí incluído o Ministério Público”.
No caso do Ministério Público, pela própria feição institucional do parquet, o interesse processual no ajuizamento da ACP é presumido, o que não ocorre com os demais co-legitimados, os quais devem demonstrar, in concreto, o seu interesse na propositura da ação.
A respeito do Ministério Público, o parágrafo 1º do dispositivo supracitado estabelece que, caso este não tenha sido autor da ação, deverá atuar necessariamente como fiscal da lei; estabelece ainda nos parágrafos 2º e 5º, respectivamente, a possibilidade de habilitação do Poder Público e as outras associações legitimadas como litisconsortes do autor da ação e o litisconsórcio entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados, com a clara finalidade de conferir maior efetividade à tutela dos interesses transindividuais.
É relevante ressaltar que o art. 81, III, do CDC faz referência expressa à possibilidade do ajuizamento de ações em defesa dos interesses metaindividuais por parte de entes desprovidos de personalidade jurídica, dispositivo que inclui, naturalmente, a ACP.
Por sua vez, a legitimidade passiva não foi expressamente estabelecida pela LACP, sendo portanto possível a qualquer sujeito integrar o pólo passivo da relação processual instaurada através da ACP. Segundo Carvalho Filho (1999, p. 125), tal fato decorre do caráter amplo do bem jurídico vindicado:
se é possível admitir somente para algumas pessoas a condição jurídica para a utilização desse específico instrumento protetivo, não teria sentido fixar qualquer restrição no que toca à legitimação passiva. A ofensa aos interesses difusos e coletivos, que justifica a posição de parte legítima para a causa, pode muito bem derivar não apenas de atos e fatos do Poder Público, incluindo-se aí as pessoas da administração indireta, como ainda de práticas imputáveis a particulares. A legitimação passiva, desse modo, haveria que ter toda a amplitude possível, de modo a permitir a perfeita proteção dos interesses sob tutela contra atos de que quer que os vulnerasse.
3.2
A função institucional do Ministério Público e as pessoas portadoras de deficiência
A legitimidade do Ministério Público na defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência ganhou novo referencial com a Constituição de 1988, sendo que a Lei n.° 7.853/89 acabou por consolidar tal legitimidade, estabelecendo as regras para a ação civil pública e inquérito civil nesta área (FERREIRA, 2003). Em síntese, diz Ferreira (2003):
o trabalho do Promotor de Justiça deve ser no sentido de buscar a efetividade dos direitos fundamentais consignados na constituição e garantidos pela legislação ordinária, com vista a aplicação do princípio da igualdade, como expressão máxima da cidadania e dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, para compreensão da proteção judicial da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, faz-se mister o conhecimento de dois princípios basilares do constitucionalismo pátrio: o de que inexiste norma constitucional sem um mínimo de eficácia e o
que torna inafastável do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito, ou seja, eficácia eacesso ao Poder Judiciário, respectivamente. (ARAÚJO, 1997, p. 99). Sobre o segundo princípio mencionado, destaca-se o art. 5º, XXXV do texto constitucional:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV -a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (BRASIL. Constituição (1988), 2004).
Sabe-se que a proteção tem natureza judicial e que quem fará uso dela é a pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, mas questiona-se: como se deve enfocar esta proteção?2
Araújo (1997, p. 99) responde sobre dois ângulos. O primeiro deles, consistente na defesa dos direitos individuais, entendidos como aqueles que têm reflexos diretamente no indivíduo, com prejuízo concreto e direto para a pessoa prejudicada. O outro, decorrente do interesse coletivo ou difuso, onde a comprovação do dano é menos incisiva, sendo necessário demonstrar que o interesse afeta a toda uma categoria uniforme de interesses.
Esse segundo será materializado pela ação civil pública impetrada pelo Ministério Público, cuja previsão constitucional reside no artigo 129, III:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. (BRASIL. Constituição (1988), 2004).
O rol apresentado pelo inciso III do artigo supra mencionado é exemplificativo, pois, segundo Mancuso (2001, p. 40), hoje o objeto da ação civil pública é o mais amplo possível, graças à (re) inserção da cláusula "qualquer outro interesse difuso ou coletivo3" (inciso IV, do art. 1º da Lei 7.347/85, acrescentado pelo artigo 110 do CDC).
Como especificação dessa designação para o Ministério Público, encontra-se o art. 3° e 5° da Lei n.° 7.853/89:
Art. 3° As ações civis públicas destinadas à proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal; por associação constituída há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção das pessoas portadoras de deficiência.
Art. 5° O Ministério Público intervirá obrigatoriamente nas ações públicas, coletivas ou individuais, em que se discutam interesses relacionados à deficiência das pessoas.
Portanto, tal instrumento é de fundamental importância para a defesa dos interesses da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, pois visa efetivar os direitos à ela assegurados, sobretudo o de acessibilidade, tais como: o direito de acesso aos serviços de transportes coletivos (rodoviário, aquaviário, metroferroviário, ferroviário e aéreo), aos edifícios públicos ou de uso coletivo e aos edifícios de uso privado.
Para tutelar esses direitos difusos e coletivos, o texto constitucional apresenta o Ministério Público como um dos autores, por força do artigo 129, III. Sobre o Ministério Público, Mancuso (2001, p. 112-113) tece comentário quando diz:
inclinamo -nos pela interpretação mais ampliativa do disposto no art. 129, III da CF: primeiro, ela é favorecida pelo critério gramatical, visto que o constituinte não condicionou a tutela de "outros interesses difusos e coletivos" ao discrímen legal; logo, não pode o intérprete estabelecer restrições; segundo, é certo que algumas leis vieram cuidar especificamente da tutela judicial de certos interesses metaindividuais dos deficientes físicos; dos investidores no mercado de capitais; dos consumidores; da criança e do
adolescente - mas daí não se extrai, pensamos, a conclusão necessária de que o disposto no art. 129, III da CF não seja auto-aplicável. É dizer, cremos que a idéia é deixar à legislação ordinária a regulamentação, digamos assim, de certos aspectos processuais/procedimentais próprios da tutela judicial desses interesses (como fez o Código de Defesa do Consumidor, instituindo uma parte processual - arts. 81 et seq.); por fim, esse mesmo Código, em seu art. 110, cuidou de reinserir no art. 1º da Lei 7.347/85 o inc. IV, onde se dá ação civil pública para tutela de "qualquer outro interesse difuso ou coletivo", reforçando os indícios de que a mens legis sinaliza no sentido de uma interpretação ampliativa e não restritiva da parte final do inc. III do art. 129 da CF.
5.
CONCLUSÃO
Os direitos das pessoas portadoras de deficiência têm seu fundamento nos direitos humanos e na cidadania. Contudo, somente após a 2ª Guerra Mundial, preocupou-se em internacionalizar os direitos fundamentais, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e o surgimento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1948.
Hoje, acima da conquista dos direitos humanos está o imenso desafio de universalizá-los firmemente para todos. Esse desafio do final do século exige, por isso, a atuação dos Poderes Públicos sem, contudo, excluir a participação democrática da sociedade. Isso tudo influenciou fortemente o constituinte de 1987 em seu trabalho, quando atribuiu à República Federativa do Brasil a qualidade de Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
Esses fundamentos foram assimilados muito bem pela Lei n.° 10.098/00, quando estabeleceu o conceito de pessoa portadora de deficiência e com mobilidade reduzida.
Já o direito constitucional de acessibilidade é, antes de tudo, uma materialização do direito constitucional de igualdade. Antes da Constituição da República de 1988, este direito somente surgiu com a Emenda n.º 12 à Constituição de 1967, promulgada em 17/10/78.
A efetivação desse direito tem, no Município, o seu maior protagonista através de um programa de acessibilidade, com a retirada de todos os tipos de barreiras, propiciando um melhor planejamento urbano e, conseqüentemente, a diminuição do desequilíbrio de uso e ocupação do solo nas cidades que atinge, sobretudo, as pessoas portadoras de deficiência e a população de baixa renda.
O Ministério Público surge pela CF/88, como um dos guardiões da cidadania e da dignidade da pessoa humana, propiciando-lhe ferramentas para tanto, como a ação civil pública (art. 129, II da CF/88). Ela serve de instrumento precioso para a efetivação dos direitos das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, quer constitucionais, quer infraconstitucionais, sobretudo após a edição da Lei n.° 7.853/89, que conferiu legitimidade específica ao Ministério Público.
Ainda agrava-se a situação, quando quem mais descumpre a Constituição e a legislação infraconstitucional é o próprio Poder Público, de quem deveria surgir o exemplo para o resto da população.
Portanto, tudo isso, atrelado a um sistema processual ultrapassado, anacrônico e com muitos procedimentos e recursos, faz esvair-se pelo tempo as esperanças de uma verdadeira inclusão social, através do direito de acessibilidade, por mais inovador e importante que seja o instituto, como o da ação civil pública. Se medidas não forem tomadas rapidamente, para modificar
o sistema vigente, na busca de uma efetivação rápida e segura, os direitos fundamentais não passarão de mera retórica constitucional.”