Conversando com a Noite 2
A noite física cobre o que de dia conhecemos com a mesma familiaridade e a mesma fisionomia.
Mas ela vem para tudo se transformar em algo diferente da visão, com formas imprecisas e sem a certeza a que estamos acostumados. É um mundo a que não nos atrevemos a partir rumo ao desconhecido, com medo de nos afastarmos demasiado da luz onde crescemos e aprendemos a viver quase totalmente dependentes dela.
Afastamo-nos, assim, do mistério e do nosso próprio mistério; a noite não é mais do que o nosso próprio medo e muitas vezes imaginamos cenas que não correspondem ao real, mas que angustiam e se as cremos reais pior para nós...
Que sei eu da noite? Tão pouco os sábios sabem dela, porque a desprezam pela sua pouca clareza e pela sua vacuidade, como se nela não existisse nada ou fosse um interesse secundário. Se me perguntam o que é a noite, antecipando que a resposta mais provável é a nostalgia por um dia alegre e repleto de luz abençoada do céu, a minha resposta será menos do vosso conhecimento comum.
A vossa percepção limita-se a um simples olhar breve e superficial sobre a noite, como se não vissem mais nada para além de uma escuridão opaca. Nem sentem curiosidade em explorá-la com os outros sentidos, deixando a visão de parte e sentindo que a noite também é repleta de vida, de formas com diferentes texturas e secretas linhas mais subtis e talhadas com primor.
Devemos deixar o ar espargido de odores de várias qualidades e gostos entrar em nós, e notar a essência de que são feitos. Ou descobrir milhares de coisas novas de que só com a visão não nos apercebemos. Escutar a musicalidade mágica com a máxima atenção, pois quantas coisas a vida nos tem querido mostrar e nós a temos ignorado!
Contudo, ainda não vos disse o que é a noite, esse fantasma que criámos para temer.
Também jogamos para a noite tudo o que a faz vil e indigna em honra da luz mais visível e concludente. Mas o que é a noite de facto?
Vocês não a podem ver como uma coisa banal ou de grande simplicidade, como algo que todos conhecem num relâmpago, porque ela é verdadeiramente uma luz oculta à espera de se poder revelar a quem for suficientemente corajoso para a fazer despontar esplendorosamente. Eu diria mesmo várias luzes ocultas, mais brilhantes todavia na treva que julgamos ser um monstro que tudo engole.
Além disso, ela é tão imensa e ilimitada que no dia seguinte aprendemos algo de novo, sempre pasmando com o que achávamos em nosso inteiro poder e que, afinal, a mina de tesouros é inesgotável!
Termino o meu pensamento revelando uma outra parte da noite: ela é divertida como jogar às escondidas ou às descobertas, e não a devemos julgar como a bandeira da nossa derrota e limitação irresolúvel.
Conheçamo-nos com os outros sentidos e de certeza que muitas e muitas luzes brilharão como o despontar de um novo ser, mais autêntico e sensível.
Marco Branco
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