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Áudio-descrição: Opinião, Crítica e Comentários - blog de Francisco Lima

Sétima Lição de Áudio-descrição: Dicas para a Locução, Construção e Manutenção de Roteiros áudio-descritivos

por Francisco Lima

Prezados,
Script, guião, roteiro e mesmo rubrica têm sido usados para dizer do registro escrito da tradução visual feita de um dado evento, geralmente de uma peça teatral, de uma imagem estática (uma fotografia, por exemplo), de uma escultura ou de um filme etc. Muitos áudio-descritores descuidam desse material, mormente porque não fazem bom registro, nem o preservam. Outros, ainda, não partilham/divulgam o material que produziu... E eu não estou falando dos casos em que o direito autoral impede tal divulgação.
Para além disso, o fato de muita gente não estudar as orientações de produção desses roteiros, guiãos ou scripts, quando se tem acesso a eles, verifica-se que cada um fez de seu próprio modo, com suas próprias notações e por aí vai.
O resultado disso, uma mistureba de coisas.
Existem orientações formais para a produção de roteiros, para a rubrica, para a notação nos textos a serem locucionados etc. e isso tudo deve ser levado em conta pelo áudio-descritor.
Nesta lição, apresento alguns trechos, os quais trato em minhas aulas e que podem ser de grande valia, uma vez que o tradutor se discipline a usar tais orientações.
As notações são cruciais para a conversação entre o consultor em áudio-descrição e o áudio-descritor, já que o primeiro é aquele conhecedor das diretrizes e das questões que envolvem a recepção do conteúdo traduzido (é o que "domina" a língua de chegada". O áudio-descritor é o tradutor visual que conhece da língua de partida e, obviamente, a de chegada: é o que faz a ponte entre o evento visual e o evento visual transformado em evento auditivo que mantem a capacidade imagética do evento original.
Portanto, meus caros, desfrutem dos estudos tradutórios, fazendo uso do conhecimento que podem adquirir dos roteiros de áudio-descrição, já que tradutor é o que faz o roteiro, necessariamente não é o que o locuciona.
A propósito, por essa razão, também, que áudio-descrição não se restringe ao ato locutório de uma dada descrição. Achar que áudio-descrição só existe quando está presente o áudio é ignorar o básico da áudio-descrição: a Áudio-descrição é a tradução de eventos visuais em palavras, é a arte da profissão de tradutor, é a capacidade de empoderar o usuário com deficiência do conhecimento de que ele precisa para "enxergar" o evento visual por meio das palavras. Estas, até podem estar em áudio, mas não exclusivamente em áudio.
Fiquem com o material abaixo e bons estudos,
Francisco Lima
Curso de Áudio-descrição Imagens que Falam
Introdução aos estudos do roteiro para áudio-descrição: sugestões para a construção de um script anotado
Revista Brasileira de Tradução Visual, v. 7, 2011.

Áudio-descrição

Técnica de tradução visual, isto é, gênero tradutório entre linguagens e não interlingual.

Estudos de como a áudio-descrição é pensada, feita, oferecida ou recepcionada sustentarão ações que visem à certificação de áudio-descritores, capacitados para prover uma tradução visual que se sustente no empoderamento das pessoas com deficiência, por meio da tradução de eventos visuais em palavras, igualmente eliciadoras de imagens, na mente de quem as ouve.

• A produção de uma áudio-descrição é ditada pela consideração da obra e do usuário a que ela se destina, sendo que é esse conjunto que exige do tradutor o que traduzir, como traduzir, quando e quanto traduzir.

• A áudio-descrição não é determinada pela disponibilidade imediata do áudio, mas é construída na mediação da informação oral descritiva dos eventos visuais, esteada na provisão de acessibilidade comunicacional que leve ao empoderamento das pessoas usuárias desse serviço.
3C+EV
• A concisão remete à áudio-descrição com o mínimo de palavras, ditas em um curto espaço de tempo, isto é, expressas com brevidade, porém com o máximo de informações possível, o que quer dizer, de modo direto/objetivo.
3C+EV
• A clareza exprime, com a maior nitidez, o texto áudio-descritivo.

• A correção refere-se à exatidão com que se áudio-descreve um evento visual.
3C+EV
• A especifidade, a escolha tradutória de termos/palavras que eliciem a melhor e mais precisa ideia do que se está áudio-descrevendo.

• E a vividez, a escolha tradutória que elicia a mais vívida imagem na mente de quem ouve/lê a áudio-descrição.
Notas Proêmias
Antecedem,

Apresentam e

Instruem a áudio-descrição
Notas Proêmias
• Podem constar das notas proêmias: O tema da obra; a autoria da obra; o tipo/técnica utilizada na obra; as propriedades das imagens; o estilo; a natureza da obra (se são gravuras, fotografias, brasões, selos, sinetes, lacres, chancelas, estampilhas, papéis selados, desenhos etc.); o estado da obra (se o documento ou imagem é original, réplica, cópia, ou se está em bom estado de conservação etc.);
Notas Proêmias
• a descrição de personagens (dos filmes, dos espetáculos e livros), ou de pessoas (um palestrante em um seminário, por exemplo); a descrição do figurino, do cenário, etc.; a definição de termos utilizados na áudio-descrição; e tudo mais que for essencial à compreensão da obra e da áudio-descrição em si, mas que não se tem tempo para se áudio-descrever durante a locução, ou espaço, no corpo da redação áudio-descritiva.
Entonação enfática
• A entonação enfática será produzida pela grafia da palavra, parte da palavra ou palavras que se deseja enfatizar, escrevendo-as com letras maiúsculas.

• Ex: Paulinho escorrega e BAte a cabeça no chão.
Locução Silabada
• A locução silabada (silabação) será feita com hífen (-), separando a palavra em sílabas. É especialmente usada para dar ao locutor a dimensão rítmica da locução, por exemplo, ajustando-a para a entrada de uma imagem,
• imediatamente a seguir da áudio-descrição, de modo que integre a locução ao ritmo e ao tempo da obra “sem deixar lacuna de áudio” (espaço vazio, sem
• som).

• Ex: Ele veio ca-mi-NHAN-do... caminNHANdo ((splash))
Locução Prolongada
• O uso de dois pontos indicará o prolongamento de uma letra ou sílaba. Essa notação auxilia na locução áudio-descritiva, em situação por exemplo, em que a áudio-descrição precede um recurso sonoplástico, dando a deixa para a entrada deste.

• Exemplo: ele girou, girou, jogou a pedra e:::: ((som de vidro se quebrando)).
Adição de Comentário
• O uso de parênteses duplo ((comentário)) indica o comentário do áudio-descritor. Essa anotação será útil, por exemplo, para marcações que deem a deixa de entrada para a áudio-descrição ao vivo.

• Ex:: ((luz pisca três vezes)) um vulto passa entre as árvores.
Inteligibilidade/perceptibilidade da imagem ou escritura

• Usa-se a notação parênteses espaço parênteses ( ), para indicar, na produção do roteiro áudio-descritivo, que se encontrou na obra uma baixa inteligibilidade de imagem ou parte de imagem (no caso de imagens estáticas); baixa perceptibilidade de sequências de imagens (em caso de imagens dinâmicas) etc.
Inteligibilidade/perceptibilidade da imagem ou escritura
Ex.: você se depara com uma inscrição numa moeda antiga que você está áudio-descrevendo, a partir de uma fotografia. Contudo, a resolução da imagem não lhe permite distinguir o que ali está escrito. Você já viu a moeda antes e se lembra que a inscrição diz “Em Deus nós confiamos.” Então, você registra em seu roteiro:

( ) Em Deus nós confiamos.
Áudio-descrição Deduzida
• A notação de abre colchetes, áudio-descrição deduzida, fecha colchetes [áudio-descrição] indica que, apesar de haver uma “lacuna” na leitura de uma palavra ou palavras, ou “dificuldade para a visualização” de uma imagem ou imagens, por estarem parcialmente ilegíveis, essas lacunas e dificuldades de visualização não impedem a reconstituição do sentido original de uma imagem ou texto, bem como não impedem a áudio-descrição do evento imagético, sob a égide das diretrizes para áudio-descrição, tais como descreva o que você vê, não editorialize etc.
Áudio-descrição Deduzida
• Ex: Uma foto apresenta um homem segurando uma espada. Vê-se parte dela, mas a outra parte está coberta por uma mancha de tinta qualquer.

• Neste caso, não se traduz dizendo: ele segura uma espada coberta de tinta. Mas: Ele segura uma [espada]. E acrescenta o comentário ((parte da imagem da espada está manchada com tinta azul)), para indicar o estado da fotografia.
Tradução Presumida
• Quando, por outro lado, o contexto da obra possibilita a construção de hipóteses sobre o que se vê, fundamentadas na obra, deve-se utilizar a notação abre parênteses, a áudio-descrição presumida e fecha parênteses.
Tradução Presumida
• Ex: Ele traz nas mãos uma (arma). Nesta situação, pode-se utilizar expressões como: espécie de; um tipo; etc. O áudio-descritor consegue ver bem, mas não sabe definir com exatidão a arma que viu, falta-lhe, por exemplo, a especificidade da arma. Contudo, o contexto da obra lhe impõe dizer arma, em lugar de outro descritivo (algo, objeto, coisa), etc. Ao fazer uma tradução presumida, o áudio-descritor deverá, assim que puder, buscar o conhecimento que lhe faltou, de modo que, em nova ocorrência do evento imagético, ele possa cumprir com a diretriz 3C+EV.
Tradução Presumida
• Ou no exemplo: Ela joga (uma moeda) no prato de João. O áudiodescritor não viu, de fato, mas levantou a hipótese (presumiu) de que era uma moeda, visto que é isso que a personagem tinha na mão logo antes, e o contexto impõe ao tradutor exprimir essa ideia. Neste caso, pode-se usar expressões linguísticas como: (o que parece uma moeda), (algo como uma moeda), etc.
Superposição de Imagens
• O evento visual que traga a superposição de diferentes imagens em vários planos, simultaneidade de imagens num vídeo, cenas rápidas de uma perseguição, de uma viagem para o passado etc., será áudio-descrito entre chaves, áudio-descrição, chaves {áudio-descrição}. Nesse caso pode se fazer uso do coletivo.
Superposição de Imagens
{ o gado pasta};
{o comboio chega};
{pessoas} tomam a praia;
{ pássaros} cobrem o céu;
{prédios caem};
o avião sobrevoa a {cidade};
((cenas alternadas)) {dia, noite, dia, noite, sol, lua, neblina, LUZ}.
Interrupção Momentânea da Áudio-descrição
• Já o caso em que se precisa interromper momentaneamente uma áudio-descrição, para dar audição a um efeito sonoro importante ou a uma breve fala, usar-se-á a barra /.
• Ex: Maria lava a louça na pia. Pega o prato / ((ruído da porta se abrindo)) e o põe sobre o aparador.
• Em outra situação: Maria lava a louça na pia. Pega o prato / ((mãe)) ((a criança chama)) e o põe sobre o aparador.
Aspectos técnicos na construção do roteiro áudio-descritivo

• Redigir/locucionar a áudio-descrição na terceira pessoa do presente do indicativo

• Evitar a expressão “nós vemos”;

00:06:06 – O senhor de óculos, que é cego, numa sala de maternal, cercado por crianças. Vemos que ele também não tem as mãos. (Assim Vivemos, Masters)

• Evitar o uso de terminologia fílmica:

00:03:01 - A câmera passeia por rua movimentada Pessoas caminham apressadamente. (Orientação e Mobilidade)
00:23: 09 – a câmera focaliza vários modelos de bengala. (Orientação e Mobilidade)
00:31:02- A câmera focaliza uma ponteira de rolamento e os pés do jovem caminhando pela calçada. (Orientação e Mobilidade)

• Evitar o uso do pronome possessivo seu, seus; sua, suas.

00:04:02- O senhor permanece sentado com o olhar vago. Matheus volta correndo, pega uma bolacha em seu prato e sai. (Programadora Brasil, Reisado Miudim)
00:05:45 – Ele recebe o copo e bebe seu conteúdo. (Programadora Brasil, Reisado Miudim)
00:07:45 – Câmera parada. Os meninos caminham em sua direção. (Programadora Brasil, Reisado Miudim)
00:07:23 – Paulino está deitado em sua casa, desperto. (Rua das Tulipas)

• Descrever sem fazer uso de conjunções adversativas;

00:10:04 – A mãe corre para Dadá, mas Corisco a segura e a empurra para longe. (Corisco e Dadá)
01:05:10 - Corisco agarra a senhora por trás. Depois a vira de frente. Apesar de ser gorda, ele a abraça e a levanta. (Corisco e Dadá)
00:02:25- Sergei é um rapaz branco, magro, vigoroso, com cabelos castanhos, cortado curto. Ele está vestindo um quimono de judô azul escuro e apesar de não ver está correndo sozinho sem dificuldades, em volta da quadra. (Assim Vivemos, Ver e Crer)

• Usar os pronomes indefinido e definido, consoante a norma gramatical padrão (usa-se artigo indefinido quando algo é mencionado pela primeira vez, usa-se artigo definido quando já foi mencionado);

• Observar as regras textuais de coesão e coerência, respeitando o gênero, a linguagem, o ritmo e a locução da obra e da áudio-descrição

• 01:12:39- As mulheres caminham em fila, cada uma com o braço no ombro da anterior. (Ensaio sobre a cegueira)
• 00:39:00- O barman é levado a força enquanto bate em seus olhos. (Ensaio sobre a cegueira)
• 00:41:43- Imóveis, as pessoas sorriem (...) as pessoas sorriem, algumas acompanham o ritmo da música com a cabeça. Elas parecem apreciar este momento de paz. (Ensaio sobre a cegueira)

• Utilizar, na medida do possível, frases completas;

• Atentar para as relações de hierarquia, definindo a hiperonímia, a partir dos elementos hiponímicos (assista ao curta “A lasanha assassina” para ver bom exemplo dessa técnica Hiperonímia: 00:23:34 – Uma mesa farta. Na casa do tio Ambrósio, cada um trazia um prato diferente. Naquele domingo teve (( elementos hiponímicos)) a macarronada da tia Rafaela, o caneloni da tia Julieta e a lasanha da tia Neuza; (A Lasanha Assassina)

• Observar as relações de inclusão, descrevendo os imagemas holonímicos (sempre considerando os elementos meronímicos), quando possível e, certamente, todas as vezes que eles forem indispensáveis ao entendimento do evento visual;

• Descrever a partir das relações semânticas entre os elementos, e, em especial, considerar a relação temporal dos imagemas, isto é, a ordem em que os elementos visuais devem ser áudio-descritos, em função de uma sequência temporal lógica ou organização implícita entre imagens e ou imagemas.
Aspectos Gráficos e Cuidados com a Produção/Manutenção do roteiro ou script áudio-descritivo

• Aspectos Gráficos e Cuidados com a Produção/Manutenção do roteiro ou script áudio-descritivo:

• que a numeração de página seja colocada no canto superior direito;

• que o espaçamento entre linhas seja duplo, ou pelo menos de 1,5;

• que o tipo de fonte seja Arial, Times New Roman ou similar (não é recomendado utilizar letra rebuscada, esticada ou estilo cursiva);
• que o tamanho da fonte seja agradável para leitura;
• que cada linha da áudio-descrição seja enumerada;
• que a impressão seja feita com a melhor resolução possível (não se deve economizar na tinta);

• que a formatação seja justificada, ou alinhada à esquerda, o que trouxer melhor conforto para a leitura, ou permitir melhor localização dos elementos áudio-descritivos no roteiro;

• que apenas a primeira letra de nomes próprios seja grafada com maiúscula;

• que as palavras e/ou nomes próprios estrangeiros sejam grafados em negrito;

• que as abreviaturas não correntes ou pouco conhecidas sejam desenvolvidas/lidas com os acréscimos entre parênteses e em grifo. (Ex: PAO, Padaria Artesanal Orgânica);
• que as abreviaturas usuais, ou de fácil reconhecimento, sejam lidas na forma que se apresentem. (Ex: USA, USP, IBM, IBGE);
• que os sinais especiais de origem latina e os símbolos e palavras monogramáticas sejam desdobrados/lidos. (Ex: IHR, Christus; &rª, et cetera;e.g., exempli gratia; etc., et cetera);

• que os algarismos romanos sejam registrados como numeral arábico, por extenso, entre parênteses e grifado, sendo lidos dessa forma. (Ex: Século XVII, Século dezessete);

• que em caso de áudio-descrição ao ar livre, em lugar aberto, o roteiro seja plastificado; que as páginas possam ser protegidas com plástico translúcido e grosso, para evitar molharem-se com a chuva, ou com o suor das mãos;

• que se busque encadernar ou pelo menos grampear as folhas do roteiro, de modo que não se percam, certificando, contudo, que possam ser manuseadas para frente ou para trás com facilidade, rapidez e sem risco de as rasgar;

• que, para leitura mais confortável, se use uma prancheta leve e ergonômica, como suporte para o roteiro;

• que se tenha sempre à mão uma pequena lanterna que possa servir à leitura em lugares com baixa iluminação. (Certifique-se, contudo, de que a luz de sua lanterna não seja problema para terceiros);

• que se mantenha uma cópia extra do roteiro, para o caso de extravio, perda ou danificação do original;

• que se evite dobrar, rasurar ou danificar o roteiro. (Se fizer ajustes de última hora, à mão, imprima nova cópia do script com os novos ajustes, assim que puder);

• que, por fim, ao guardar o roteiro para uso posterior, mantenha-o em lugar seco e sem poeira. (Isso preservará o documento e lhe evitará problemas de saúde, como os respiratórios, por exemplo).

Um roteiro áudio-descritivo bem elaborado garante a qualidade do serviço, a efetivação da acessibilidade comunicacional e o empoderamento dos usuários. Portanto, produzi-lo é sinal de profissionalidade que pode servir, para além dos benefícios elencados no corpo deste trabalho, o de se registrar a áudio-descrição como documento que poderá servir para pesquisas e estudos de outros áudio-descritores em formação.