Há dois casos no estrangeiro (França e Canadá), mas cá será a primeira vez. Tiago Varanda está no 1º ano de Teologia, em Braga
Por:Fátima Vilaça e Secundino Cunha
Pode ser apenas o primeiro de muitos casos. Mas Tiago Varanda, de 28 anos, caminha para ser o primeiro padre cego em Portugal, pioneiro a receber o sexto sacramento da Santa Igreja. No mundo católico conhecem-se dois casos de padres invisuais já ordenados. Um no Canadá e, mais recentemente, um outro em França.
"Em Deus não existe acepção de pessoas." A citação bíblica acompanhou Tiago Varanda ao longo do seu crescimento. A vontade de servir a Deus nasceu ainda na adolescência, mas a doença que lhe tirou a visão obrigou-o a virar as costas ao sacerdócio.
Tiago nasceu em Penude, Lamego, a 26 de Agosto de 1984, com glaucoma congénito. Nos primeiros anos de vida ainda viu, mas foi perdendo gradualmente a visão, até que, aos 16 anos, perdeu por completo a capacidade de ver o Mundo.
"Ainda aprendi na escola a ler e a escrever, embora com letras ampliadas. Depois, ainda na escola primária, aprendi Braille. Já no 5º ano, comecei a andar com bengala. Quando perdi a visão estava completamente adaptado à vida de cego", conta Tiago à Domingo.
Mas a ideia de servir a Deus nunca o abandonou. Embora se tenha "acomodado" ao facto de "não poder seguir o caminho que queria", a dúvida não o largou. "Voltei a interrogar-me quando já estava na universidade, mas aí já com outro sentido, mais concreto e profundo, pensando que seria possível", recorda, sorrindo timidamente.
Já licenciado em História e depois de ter passado por várias escolas, onde leccionava essa disciplina, Tiago, agora a residir em Cabeceiras de Basto, percebeu que Deus o chamava "insistentemente".
"Fui percebendo que além do meu papel na sociedade podia ter um papel mais activo na Igreja, fazendo efectivamente parte dos seus servos", diz.
Foi aí que Tiago decidiu "questionar as pessoas certas". Chegou ao seminário pelas mãos de um diácono que estagiava em Cabeceiras de Basto. Depois de um período de reflexão, a arquidiocese de Braga decidiu aceitar a candidatura de Tiago ao seminário.
"Senti-me logo bem acolhido no seminário, o que me ajudou a ter ainda mais firmeza na minha decisão", sublinhou. E esse acolhimento caloroso é também realçado pelo reitor, o cónego Vítor Novais: "Desde a primeira hora mostrou com clareza aquilo que queria do seminário. Contactámos a Igreja para ver se havia outras experiências e percebemos que havia uma abertura muito grande por parte dos clérigos."
O cónego, que tem acompanhado de perto a caminhada do jovem seminarista, fala com prazer das capacidades de Tiago para a espiritualidade. "Há uma visão interior e que transparece no Tiago que poderá iluminar não só a vida dele, mas a vida de muita gente", conclui.
Sem se sentir um "herói", o candidato a padre sente-se "perfeitamente capaz" de assumir uma paróquia. "Não será nada do outro mundo. Acho que a minha limitação até pode ajudar as pessoas a compreenderem que o essencial não é a nossa forma física, as nossas limitações ou capacidades, o essencial é que Deus actue, numa perspectiva de fé. E Deus actua, mesmo nas nossas limitações", explica o seminarista.
Micha, a cadela-guia companheira do seu dia-a-dia há seis anos, passou a viver também no seminário. Atenta a todos os movimentos do dono, a cadela, que o guiava na escola, quando dava aulas, foi também aceite sem reservas no Seminário Maior, em Braga.
Esta boa recepção a um jovem com deficiência não surpreendeu o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, que considera este caso "um exemplo de inclusão na Igreja".
"O que seria incompreensível era que recusássemos a possibilidade de alguém concretizar a sua vocação apenas porque é invisual. Se pode ser professor, porque não poderia ser padre?", pergunta D. Jorge Ortiga, realçando que "a Igreja deve ser, tanto quanto possível, inclusiva".
O arcebispo de Braga sabe que, pelo facto de ser invisual, Tiago Varanda tem menos autonomia. No entanto, admite, no caso de ser ordenado, vir a atribuir-lhe uma paróquia.
"Por que não? Hoje nas paróquias temos leigos que fazem a maior parte do serviço, com excepção da celebração eucarística e da confissão, pelo que não vejo qualquer objecção a que ele venha a ser pároco", afirma o prelado, embora admita colocar o futuro padre Tiago "noutro serviço".
Para Tiago Varanda, essa questão não é, pelo menos para já, importante. "Primeiro tenho de chegar à ordenação e depois, como é natural, estarei ao serviço da Igreja e às ordens do meu bispo", afirma.
No Seminário Maior de Braga os dias correm como sempre e a Micha, que guia os passos de Tiago, por corredores e escadarias, já faz parte da família.
O cónego Vítor Novais sublinha a recepção calorosa a Tiago: "Nem houve sequer aquele primeiro período de estranheza. Estamos num seminário maior, com jovens com mais de 18 anos, de elevada formação, o que, naturalmente, facilita as coisas. Os colegas têm muito orgulho em ajudar."
Fonte: http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/outros/domingo/o-primeiro-ceg...
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Comentários
Padre com deficiencia Visual
Aqui no Brasil, em Porto Alegre/RS, a primeira vez que me deparei com um padre com deficiência visual, ou melhor, vi alguém lendo em braile, foi num velório de uma pessoa amiga. Achei muito estranho aquele homem fazendo a encomendação do corpo ao rezar ia apalpando uma folha em branco. Mas eu não sabia que ele era cego. Mais tarde fiquei sabendo que ele era cego. Achei muito interessante. Depois que comecei a estudar pra trabalhar com alunos com deficiência Visual é que me lembrei desse fato. O nome dele é Padre Adão. Abraços
As limitações não impedem as mentes esclarecidas
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