No país cuja legislação referente às pessoas com deficiência é considerada uma das melhores do continente, a inclusão dos cidadãos através de seu direito de se comunicar segue ignorada pelo poder público, pelas empresas e pela sociedade civil.
Em 1992, em sessão plenária especial sobre a questão da deficiência, a Assembléia Geral das Nações Unidas decidiu instituir o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. O ato, à época, simbolizou a constatação dos países de que muito ainda precisava ser feito para que uma parcela considerável da população tivesse seus direitos até mesmo reconhecidos. Mais longe ainda se estava da efetividade de sua garantia. Desde então, a data vem sendo marcada internacionalmente no dia 3 de dezembro por mobilizações que buscam conscientizar a sociedade e assim transformá-la.
No Brasil não é diferente. No entanto, no país cuja legislação referente às pessoas com deficiência é considerada uma das melhores do continente americano, a acessibilidade e inclusão de milhões de cidadãos e cidadãs, e sua compreensão como a garantia do direito à igualdade, seguem ignoradas pelo poder público, pelas empresas e pela sociedade civil.
Apesar de haver um reconhecimento crescente da importância da chamada acessibilidade arquitetônica que permite o acesso a imóveis e espaços públicos o Brasil ainda está longe de eliminar outros tipos de barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência. Uma delas é a comunicacional, que impede o acesso à plena comunicação interpessoal, escrita e virtual e, por conseqüência, o acesso à informação e ao conhecimento. O abismo existente neste campo é tão grande que a acessibilidade às tecnologias da informação foi escolhida como tema para o Dia Internacional de 2006, visando ao reconhecimento do público da importância das pessoas com deficiência poderem exercer seus direitos com autonomia e independência a partir dos benefícios trazidos pelo avanço tecnológico.
Acessibilidade não é só modificar a porta do banheiro, o corredor estreito ou a escada. É algo muito mais complexo que isso. Os surdos oralizados, por exemplo, que não se expressam através da Libras [Língua Brasileira de Sinais], começam a questionar porque os filmes nacionais não são legendados. Os deficientes visuais questionam o acesso à Internet, inclusive nos sites de órgãos públicos, que deveriam dar o exemplo. Essas são discussões fundamentais, acredita Alexandre Baroni, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade).
Na opinião da jornalista Cláudia Werneck, superintendente da organização não governamental Escola de Gente Comunicação em Inclusão, especialista no tema, é na comunicação que se dão os maiores atos discriminatórios em relação às pessoas com deficiência além de serem os mais difíceis de serem percebidos como tal.
A comunicação como um direito humano e o direito de cada um se comunicar são questões ainda não entendidas como estruturantes. São vistas como algo poético, acessório, o que faz com que este se torne um espaço ideal para se praticar a discriminação. Por isso, entender a acessibilidade na comunicação exige mais reflexão, formas diferenciadas de sinergia e novas formas de ação, porque é uma área pouco entendida como prioritária para a inclusão de pessoas com deficiência, explica Cláudia.
A Constituição de 1988 estabelece que é obrigação do Estado criar programas e atendimento especializado às pessoas com deficiência física, sensorial ou mental e facilitar o acesso dessas pessoas a bens e serviços coletivos. Na seqüência da Constituição foi editada a lei 10.098/00, que estabelece normas e critérios para a promoção da acessibilidade mediante a supressão de obstáculos além de nas vias públicas, edifícios e meios de transporte nos meios de comunicação. O artigo 19 da lei define, por exemplo, que os serviços de radiodifusão devem adotar medidas técnicas para possibilitar o uso da linguagem de sinais ou de outra sub-titulação e, assim, garantir o direito de acesso à informação às pessoas com deficiência auditiva.
No entanto, quando se observa a forma pela qual as informações são veiculadas, sem atentar às características de seus possíveis receptores, constata-se que muito ainda há para se fazer em direção à conquista da acessibilidade na comunicação. No caso da Internet, a recomendação feita é para que seja dado um tratamento técnico às informações para que elas possam ser facilmente acessadas e copiadas por pessoas com dificuldade motora ou mental para lidar com o computador e seus acessórios. Segundo a ONG Escola de Gente, este cuidado técnico em produzir sites cujo acesso não acarrete problemas é, atualmente, um imperativo ditado pela filosofia da inclusão social, pelo movimento das pessoas com deficiência e pelas principais organizações mundiais referentes ao tema. Aspectos como a linguagem do dia-a-dia, o estilo simples de redação, as sentenças curtas, os parágrafos curtos e os subtítulos abrangendo poucos parágrafos são exemplos de cuidados no tratamento da informação que facilitam a vida das pessoas com deficiência.
O acesso à informação é central para a inclusão. No caso das pessoas surdas, são freqüentes os casos em que elas perdem aviões, são mais vitimadas em incêndios, tudo porque os avisos são somente sonoros. Os sistemas não são inspirados em todas as formas de comunicação inerentes à espécie humana. Por isso garantir a acessibilidade mexe com todas essas estruturas, acredita Cláudia Werneck.
No caso da comunicação, a exclusão é total, completa a secretária Mara Cristina Gabrilli, da Secretaria Especial da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida da Prefeitura de São Paulo. Se sai na rua, o deficiente auditivo não encontra intérpretes de Libras para conversar. Fica isolado, fora do planeta. Então não é porque querem que essas pessoas se isolam e se tornam invisíveis para a população em geral. Por isso é necessário trabalhar de forma horizontal. Não adianta só preparar a calçada, porque se a pessoa com deficiência não tiver acesso à educação e ao trabalho, vai acabar ficando em casa. Do mesmo modo que não adianta desenvolver projetos de empregabilidade se essas pessoas não tiverem transporte adaptado para ir pro trabalho. É uma corrente. Se faltar um elo, não fecha, acredita Mara Cristina.
Na maior cidade do Brasil, o poder público comemora o fato de ter ampliado de 300 para 900 o número de ônibus acessíveis às pessoas com deficiência. No Rio de Janeiro, comparativamente, são só sete unidades adaptadas. Por outro lado, a frota paulista tem 15 mil ônibus. Na outra ponta, ainda não houve concursos públicos na cidade para se contratar intérpretes de Libras para o município.
Isso mostra que estamos muito aquém da consciência plena sobre essa questão. Temos muitas leis importantes, mas precisamos de muito trabalho pra cumpri-las. O mais difícil, no entanto, não são as barreiras físicas, mas o comportamento das pessoas. É uma questão cultural. Por isso nosso trabalho é pela transformação social de todos para este tema, explica a secretária. Quando conseguirmos transformar as pessoas para contemplarem a diversidade humana, elas farão as rampas automaticamente, acredita.
Comunicação e participação
Garantir a acessibilidade na comunicação é algo diretamente ligado ao direito à participação das pessoas com deficiência na vida pública do país e em ações de controle social. Sem acesso às informações e sem mecanismos que garantam sua expressão, essas pessoas sequer têm a possibilidade de se envolverem nesses processos. Segundo as Nações Unidas, entre 70 e 80% das pessoas com algum tipo de deficiência física, sonora ou mental são pobres. No entanto, a imensa maioria dos projetos de desenvolvimento humano e cultural promovidos tanto por governos como por empresas e pela sociedade civil não leva em conta essa questão e não se prepara para receber estes cidadãos.
Tanto não se preparam que eles não estão lá. É uma grande incoerência, porque aí o movimento se torna elitista. A mídia fala dos problemas da classe média e as organizações que trabalham com a pobreza não conseguem estrutura para incluir uma grande quantidade de pessoas com deficiência em seus projetos. A pessoa pobre e com deficiência é um ser ainda não reconhecido pelas políticas públicas no Brasil. Não tem lugar no orçamento, no planejamento dos governos, critica Cláudia Werneck.
Quando as pessoas realmente entenderem que a acessibilidade na comunicação é um pressuposto para o exercício do direito à comunicação das pessoas com deficiência, isso terá um impacto direto no orçamento público e das empresas. E as pessoas não estão interessadas em enfrentar este impacto. Basta olhar o que acontece com o decreto 596, de 2004, que diz que os materiais impressos devem ser disponibilizados de outras formas também. O correto, pela lei, a partir de então, seria que qualquer pedido ao governo de edição de um livro somente em versão impressa fosse negado, porque viola o decreto. Quando fazemos isso, estamos dizendo para o cego que não estamos preocupados que ele tenha acesso a essa informação. O mesmo vale para um site. O que existe é que alguém quem enxerga escolhe o trecho que será acessível a alguém que não enxerga. Lidar com a acessibilidade é, portanto, rever relações de poder, conclui a superintendente da Escola de Gente.
Internacionalmente, o slogan do movimento pela inclusão das pessoas com deficiência é Nada sobre nós sem nós, ou seja, em todas as discussões que envolvem as pessoas com deficiência elas devem estar presentes. Justamente por isso, até 2016, a Década das Américas pelos Direitos e pela Dignidade das Pessoas com Deficiência terá como lema Igualdade, dignidade e participação". Neste final de semana, em Brasília, diversos segmentos da sociedade se reúnem com o governo para planejar as atividades da década no Brasil.
Fonte: http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia...
Nota: contribuição, via e-mail, de Pedro Afonso.
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Comentários
Inclusão dos deficientes
Olá! Eu, como deficiente visual, estou muito satisfeito com os avanços que vem ocorrendo, mas não acho que por isto devemos parar de fazer com que as coisas melhorem, para que nós possamos ter um espaço maior na sociedade.
Creio em um futuro que nós não precisaremos fazer mais estes pedidos a sociedade que se julga normal por não ter nenhum tipo de deficiência, pois todas as pessoas saberão que nós, apesar de termos algum tipo de deficiência, não é para sermos excluidos da sociedade.
Espero que o processo de inclusão social continue avançando cada vez mais para que possamos sermos pessoas ativas na sociedade.
lamentável
Isso é lamentável, mas cabe a nós quando sentirmos que nossos direitos foram violados lutarmos por eles, porque se nós não reclamarmos não corrermos atrás, nada irá mudar, como diz o própri nome direito é direito, e deve ser cumprido.
transporte coletivo.
Boa tarde meu comentario é sobre o transporte coletivo de minha cidade sjcampos sp, pois aqui tem 2 empresas julio simoes e expresso maringa que os ônibus são 100% adaptados e isto é muito bom, mas tem um porém as rampas de acesso ao ônibus a maioria dos motoristas alegam que as empresas os instruiram que é pra ser utilizada só por cadeirantes, eu não sou cadeirante, mas tenho a mobilidade reduzida e não consigo subir escadas, e ja passei por varios constrangimentos, por querer exercer meu direito de ir e vir. O que devo fazer em relação a isto, pois ja reclamei nas empresas e nada foi feito o problema continua.
Desconhecimento da legislação
Cristiana M. C. Creio que um dos principais problemas seja o desconhecimento da legislação existente, o que dificulta muito a nossa luta. Você já parou para ler as leis existentes, da mesma forma que pára a fim de ler um livro? Se a resposta for negativa, mude. Em 2007, vá à luta munido(a) de conhecimentos.