E eis que já consegui finalmente descobrir quem é a personagem do Romano no meio de toda esta história do "Livro do Destino". Não é propriamente das personagens mais simpáticas que por ali existem e muito pelo contrário, de acordo com este 20º capítulo, parece-me antes que deve ter sido ele quem esteve por de trás de todo o atentado contra o presidente Maning que já por aqui deixei relatado logo na minha primeira publicação alusiva a este livro. Em consonância com a sinópse desta obra que partilhei também por via dessa mesma publicação, o livro em questão vinha falar-nos de algumas seitas religiosas e parece-me que o tal Romano que já tantas dúvidas me tinha suscitado relativamente à sua participação nesta história deve fazer parte de algum destes organismos tal como também acontece com Nico, o jovem que atirou sobre Maning aquando do atentado. Neste 20º capítulo constatamos também que Romano parece ter sido um dos principais culpados pela entrada de Nico nesta seita, deixo-vos então o texto referente ao mesmo para que possam comprovar isso mesmo e perceber que argumentos falsificados é que utilizou para conseguir alcançar tal proeza.
20
Washington, D.C.
O pneu esquerdo da frente afundou no buraco a toda velocidade, deslizando na grande quantidade de neve derretida que havia por ali e soltando um som estridente de batida que sacudiu o SUV preto. Com uma girada do volante, o carro lançou-se para a direita. Um segundo choque atingiu o veículo. O Romano praguejou para si mes¬mo, as estradas em D. C. eram muito ruins. Mas o sudeste de Washington era sempre pior.
Ligando os limpadores, ele se livrou da neve que se depositara no pára-brisa e fez uma curva fechada à esquerda na Malcolm X Avenue. Os carros queimados, as construções fechadas com tábuas lhe diziam que não era bom perder-se naquelas vizinhanças. Por sorte, ele sabia exata¬mente para onde estava indo.
Depois de um quilômetro e meio, o carro deu um solavanco ao pa¬rar no farol onde a Malcolm X cruzava com a Martin Luther King Jr. Ave¬nue. O Romano não conseguiu deixar de sorrir consigo mesmo. Durante oito anos, ele confiou bastante em uma coexistência pacífica. Mas agora, com o reaparecimento de Boyle... com Wes como testemunha... mesmo com O'Shea e Micah aproximando-se... algumas vezes não havia outra opção a não ser a mais desagradável.
Não havia sido diferente, oito anos antes, quando abordaram Nico pela primeira vez. É claro que então os três não estavam juntos. Por medida de segu¬rança, apenas um deles foi. Naturalmente, Nico estava hesitante — até mesmo hostil. Ninguém gosta de ver sua família agredida. Mas isto fora quando mos¬traram para Nico a prova: os registros da permanência de sua mãe no hospital.
"O que é isto?", Nico perguntara, examinando a folha de papel preen¬chida com os números dos quartos e os horários de distribuição. A pala¬vra Jantar estava escrita à mão no alto da página.
"É o registro da entrega de jantar", explicou o Número Três. "Do dia em que sua mãe morreu."
Certamente, Nico viu o nome de sua mãe. Hadrian, Mary. E o nú¬mero de seu quarto. Quarto 913. E até o que havia sido pedido. Bolo de carne. Mas o que o confundiu foi a anotação escrita à mão na coluna que indicava Horário da Entrega. Na folha, cada paciente tinha um horário diferente de entrega: 18h03... 18h09... 18hl2... Exceto para a mãe de Nico, onde estava simplesmente escrito paciente morta.
Nico ergueu o olhar, claramente confuso. "Eu não compreendo. Isto é do seu último domingo... do dia em que ela morreu?"
"Não exatamente", disse O Romano. "Olhe para a data no canto. Dezesseis de setembro, certo?" Quando Nico aquiesceu, ele explicou ra¬pidamente: "Dezesseis de setembro foi um sábado, Nico. De acordo com estes registros, sua mãe morreu num sábado".
"Não", insistiu Nico. "Ela morreu no domingo, 17 de setembro, eu lembro, eu estava... nós estávamos na igreja." Olhando para a folha de en¬trega de refeições, ele acrescentou: "Como isto pôde acontecer?"
"Não, Nico. A verdadeira pergunta é: por que alguém faria isto?"
Nico sacudiu a cabeça furiosamente. "Não, não há jeito. Nós estáva¬mos na igreja. Na segunda fila. Eu lembro de meu pai entrando e..."
Nico estremeceu.
"Esta é uma ótima coisa a respeito da igreja, não é, Nico? Quando a ci¬dade inteira está apinhada nos bancos da igreja e observa seu pai preocupa¬do rezando com seus dois filhos pequenos... é realmente um álibi perfeito."
"Espere... você está dizendo que meu pai matou minha..."
"Como foram as coisas durante esse tempo, nos três anos desde que ela entrou em coma? Três anos sem mãe. Ninguém para dirigir a casa. To¬dos os dias — todas aquelas preces e visitas — a doença dela consumindo a vida de vocês."
"Ele nunca faria isto! Ele a amava!"
"Ele amava mais você, Nico. Você já tinha perdido três anos de sua infância. Foi por isso que ele fez. Por você. Ele o fez por você"
"M-mas os médicos... o médico-legista não teria...?"
"O doutor Albie Morales — o neurologista que constatou a morte de sua mãe —, ele é o venerável mestre encarregado da Loja Maçónica de seu pai. O médico-legista Turner Sinclair — que preencheu o resto da pa¬pelada — é o diácono da mesma Loja. É isto que os maçons fazem, Nico. É o que eles têm feito ao longo da histór..."
"Você está mentindo!", explodiu Nico, apertando as mãos contra as orelhas. "Por favor, diga que é mentira!"
"Ele o fez por você, Nico."
Nico estava balançando rapidamente o corpo — para a frente e para trás — e suas lágrimas caíam em grossas gotas sobre a folha de papel que continha o último pedido de sua mãe para o jantar. "Quando ela morreu... isto foi... ela morreu por causa de meus pecados! Não dos dele”! Lamentava-se ele como um menino de dez anos, todo o seu sistema de crenças abalado. "Ela devia morrer pelos meus pecados!"
E foi quando Os Três souberam que o haviam agarrado.
Certamente, também foi por essa razão que o pegaram da primeira vez. Não era difícil. Com o acesso do Romano aos arquivos militares, eles se concentraram nos registros do Forte Benning e do Forte Bragg, que abrigavam duas das escolas dos melhores franco-atiradores do exército. Acrescentaram as palavras demissão desonrosa e problemas psicológicos, e a lista diminuiu rapidamente. Nico era, de fato, o terceiro da lista. Mas quando eles pesquisaram mais a fundo — quando perceberam a sua de¬voção religiosa e descobriram a filiação de seu pai —, Nico foi direto para o topo da lista.
A partir daí, tudo que tinham de fazer era encontrá-lo. Como to¬dos os albergues e abrigos de sem-teto que recebiam fundos do governo, deviam apresentar os nomes dos que usavam o recurso, a localização fora fácil. Em seguida eles tinham de ter certeza de que Nico podia ser contro¬lado. Foi por isso que o levaram de volta ao trailer de seu pai. Eles lhe en¬tregaram uma arma. E disseram que essa era a única maneira de libertar o espírito de sua mãe.
Durante o treinamento de franco-atirador, Nico foi ensinado a ati¬rar nos intervalos entre os batimentos cardíacos para reduzir o movimen¬to do tronco. Parado sobre seu pai, que suplicava por clemência sobre o chão de linóleo descascado, Nico puxou o gatilho sem hesitar.
E Os Três perceberam que tinham encontrado seu homem.
E graças tão-somente a uma única folha de papel com um registro falsificado de entrega de refeição hospitalar.
Quando o semáforo ficou verde, O Romano virou à esquerda e ace¬lerou fundo, fazendo as rodas traseiras girarem e bocados de neve derre¬tida se espalharem no ar. O carro se moveu como um rabo de peixe na rodovia onde o trator de neve não havia passado, depois rapidamente se endireitou sob a força das mãos do Romano. Ele teria de se esforçar mais agora para não perder o controle.
Ao longe, as velhas fachadas e construções davam lugar a portões de metal preto, enferrujados que cercavam os pátios abertos e pretendiam fazer com que a vizinhança se sentisse mais segura. Mas, como vinte e dois pacientes haviam escapado no ano anterior, muitos vizinhos entenderam que os portões não correspondiam às suas expectativas.
Ignorando a capela e uma outra construção alta em tijolos logo atrás dos portões, O Romano deu uma guinada e parou diante da peque¬na guarita do guardião, logo depois da entrada principal. Fazia quase oito anos que estivera ali. E quando abaixou o vidro e viu a pintura descascada no portão preto e amarelo, percebeu que nada havia mudado, inclusive os procedimentos de segurança.
"Bem-vindo ao St. Elizabeths", disse um guarda, com lábios roxos por causa do frio. "Visitante ou entregador?"
"Visitante", respondeu O Romano, mostrando uma insígnia do Serviço Secreto e não interrompendo o contato visual. Como todos os agentes antes dele, quando Roland Egen se juntou ao Serviço, no início, ele não começou na seção de Operações Protetoras. Com a autoridade do Serviço estendendo-se a crimes financeiros, ele passou os primeiros cinco anos investigando fraudes em lutas desportivas e crimes em computado¬res, na esfera de ação dos gabinetes em Houston. Depois disso conseguiu sua primeira designação para a área de proteção, avaliando ameaças para a Divisão de Inteligência, e a partir daí — graças ao seu faro para investigações criminais — galgou para posições nos escritórios de Roma e Pretória. Foi uma determinação férrea que o ajudou a tentar com garra elevar-se na hierarquia do Serviço Secreto até sua posição atual como de¬legado assistente do diretor de Operações Protetoras. Mas era nas horas depois do trabalho, como O Romano, que ele colhia suas melhores recom¬pensas. "Estou aqui para ver Nicholas Hadrian."
"O Nico está encrencado, hein?" perguntou o guarda. "Gozado, ele sempre diz que alguém está vindo. Por uma vez, ele realmente tem razão."
"Sim", disse O Romano, olhando para a pequena cruz sobre o teto da velha capela em tijolo, ao longe. "Realmente muito engraçado."
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