Bem, que grande confusão de telefonemas que vai para aqui neste 19º capítulo do "Livro do Destino"! Primeiro é Dreidel que entra em contacto com Wes para lhe pedir que desminta perante a jornalista Lisbeth que irá entrar em contacto com ele muito brevemente o facto de ambos terem tomado o pequeno-almoço juntos na Flórida, depois é uma nova personagem que se vem juntar a esta história a ligar com um propósito completamente diferente e por fim, quem contacta o nosso narrador é então Lisbeth. Entretanto também se desenrola por aqui uma conversa entre Wes e o seu melhor amigo Rogo no âmbito da qual este último tenta mais uma vez chamar o primeiro à razão de modo a que compreenda que o presidente Maning não merece de forma alguma toda a confiança que ele deposita na sua pessoa desde que começou a trabalhar como seu assistente há cerca de oito anos atrás, mas fica então por aqui o capítulo propriamente dito publicado na íntegra para que possam acompanhar mais este pedacinho da história que hoje decidi partilhar aqui pelo blogue.
19
Palm Beach, Flórida
“Onde ele está?", pergunto, passando rápido pela sala de espera do pequeno escritório com dezenas de potes de plantas e de orquídeas.
"Lá dentro", diz a recepcionista, "mas você não pode..."
Ela já está atrasada. Passo por ela e sua escrivaninha barata de fórmica, que se parece de modo suspeito com uma que joguei fora algumas semanas antes, e dirijo-me para a porta coberta com antigas placas de licença da Flórida. Além das plantas, que eram o presente-padrão de agra¬decimento dos clientes, o escritório tinha uma decoração condizente com o juízo de um rapaz de quinze anos. Não importa. Quando atravessou a ponte um ano atrás, Rogo alugou esse escritório para ter um endereço adequado em Palm Beach. Quando você tem como alvo os ricos e 95% do seu negócio é feito por correio, isso é tudo de que necessita.
"Wes, ele está ocupado lá dentro!", grita a recepcionista.
Eu giro a maçaneta, abro a porta e a deixo bater contra a parede. Sen¬tado na escrivaninha, Rogo dá um pulo ao ouvir o som. "Wes, é você?" Seus olhos estão fechados. Quando tenta caminhar até mim, ele tateia seu mata-borrão, porta-lápis e teclado como um cego reconhecendo o caminho.
"O que aconteceu com seus olhos?" Pergunto.
"Olho de quem passou pelo oculista. Dilatado", diz Rogo, tateando uma moldura de fotografia com seu cachorro pequeno. A moldura cai e ele se atrapalha para pegá-la. "Estou cego", diz ele.
"Preciso falar com você."
"Antes disso, está pronto para novos níveis de emoção? Quando eu estava no oculista, eu trapaceei no exame de vista. Antes de entrarmos, ele deixou o mapa de olho bem visível — você sabe, aquele com o E gigante e os pequenos N3QFD na parte de baixo? Eu os memorizei, depois cuspi todos bem em cima dele. Eiaaaaaa!"
Rogo...
"Quero dizer, ele é ainda mais incompetente do que..."
"Boyle está vivo."
Rogo pára de tatear a moldura e se volta direto para mim. "O-o quê?"
"Eu o vi. Boyle está vivo", repito. Lentamente me sento em uma das cadeiras diante da sua escrivaninha. Rogo vira a cabeça seguindo-me perfeitamente.
"Você está enxergando, não é?", pergunto.
"Sim", responde ele, ainda chocado.
"E aquela na recepção é a minha velha escrivaninha?"
"Sim. Eu a peguei quando você a jogou fora."
"Rogo, eu a deixei para caridade."
"E eu lhe agradeço por isso. Agora, você pode me contar que diabos está falando sobre o seu antigo colaborador morto?" "Juro para você — eu o vi... falei com ele."
"Ele parecia...?"
"Ele fez cirurgia plástica."
"Bem, você não teria feito?"
"Estou falando sério. Os tiros... aquele dia na pista de corrida... foi... não foi o que pareceu."
Levo quase meia hora para lhe contar todos os detalhes, desde os bastidores na Malásia, as informações de Dreidel sobre o sangue O-negativo, até o FBI me acuando na praia, interrogando-me sobre O Romano e Os Três. Sempre um advogado, Rogo nunca interrompe. Representa o papel o tempo todo, sua reação é instantânea.
"Você contou para Dreidel antes de me contar?"
"Oh, por favor..."
"Eu estava com você no carro hoje de manhã. Ora, você estava tão arrebatado pelos clássicos dos anos 1980,1990, que esqueceu de mencio¬nar, 'Oh, a propósito, sabe aquele cara que morreu e que desgraçou minha vida? Bem, ele deve estar em algum tipo de dieta de cereais, porque, na verdade, ele está vivo'?"
“Rogo...”
"Posso dizer só mais uma coisa?"
"É sobre Dreidel?"
Ele cruza os braços sobre o peito. "Não." "Muito bem, então só..." "Você está enrascado, Wes."
Eu pisco quatro vezes tentando digerir as palavras. Vindas de Rogo, elas me atingem de maneira mais inflexível do que as ondas na praia.
"Estou falando sério", continua ele. "Eles pegaram você. Apenas por ter visto Boyle, o FBI agora acha que você faz parte disso. Você não os ajuda e eles o consideram como uma pessoa que participa de maneira indireta do que Boyle e Manning estão tramando. Você os ajuda e..."
"... eu me despeço do que me resta de vida. O que você pensa que estou fazendo aqui? Preciso de ajuda."
Quando pedi ajuda para Dreidel, ele hesitou, pesando as conseqüên¬cias pessoais e políticas. Rogo sempre foi feito de outra massa, um pouco diferente. "Diga apenas quem devo esmurrar."
Pela primeira vez nas últimas quarenta e oito horas, eu dou um meio sorriso.
"O quê?" ele pergunta, "você acha que vou deixar você apanhar sozinho?"
"Eu estava pensando em ir falar com Manning", digo a ele. "E eu estava pensando que você deveria começar a se preocupar consigo mesmo por uma vez." "Quer parar com isso?"
"Então pare de ser o 'faz-tudo'. Você não ouviu o que o FBI disse? Que o presidente está metido nisso, o que quer que diabos isso seja! Quero dizer, do contrário, como explicar que Nico tenha conseguido aproximar-se, le¬vando uma arma às escondidas e passando por todos os agentes do Serviço Secreto? Você pode farejar isso? Tem o mau cheiro de um serviço interno."
"Talvez seja aqui que entram O Romano e Os Três."
"E esses são os nomes que o FBI mencionou?"
"É por isso que quero primeiro ir falar com Manning. Talvez ele..."
"Wes, não ouve nem a si mesmo quando fala!? Você vai até Man¬ning e arrisca alertar a única pessoa que tem as melhores razões do mun¬do para colocá-lo na guilhotina. Agora, sinto muito se isso arruina o úni¬co porto seguro que construiu para si durante os oito anos passados, mas é hora de prestar atenção. As cicatrizes em seu rosto, apesar do que você acha, não são punições. Você não deve nada a ninguém."
"A questão não é essa."
"Não, o ponto é: Leland Manning é um bom homem. Até mesmo um grande homem. Mas, como qualquer outro homem — especialmen¬te um que tem uma profissão pública —, ele vai mentir bem na sua cara quando precisar fazê-lo. Faça as contas, Wes: quantos presidentes dos Estados Unidos você já viu na prisão? Agora, e quantos auxiliares de menor nível que juram sua inocência?"
Pela primeira vez, eu não respondo.
"Exatamente", continua Rogo. "Derrubar um presidente é como demolir um prédio — muito pouca explosão e muito perigo. Nesse momento você está perigosamente perto de ser sugado para dentro de um buraco”.
"Isso não quer dizer que ele seja um monstro."
"Por favor, Wes, você nem estaria aqui se não pensasse que há ca¬ranguejos em sua cama."
Sentado na frente dele, eu mantenho os olhos no carpete. Durante nossa última semana no cargo público, os ex-presidentes Bush, Clinton, todos eles telefonaram. Mas foi o Bush mais velho quem deu a Manning o elhor conselho. Ele lhe disse: "Quando você sair do Força Aérea Um, acene no topo das escadas... e quando o único entrevistador de TV parado no alto perguntar: 'Como se sente ao voltar para casa?', você diz: 'É ótimo estar de volta!'. E você olha à frente e tenta não pensar em como era apenas quatro cinco horas antes". Quando o nosso avião aterrissou, Manning fez exatamente isso. Ele contou aquela mentira com facilidade e um sorriso perfeito.
Rogo me observa cuidadosamente enquanto mordo o calo em minha mão.
"Eu sei o que isso significa para você, Wes."
"Não. Você não sabe." Eu aperto minha mão debaixo da coxa. "Diga mas o que você acha que devo fazer."
"Você já sabe o que penso", diz Rogo com um sorriso. Mesmo quando costumava ter o traseiro chutado, ele sempre gostava de uma boa luta. Pega um bloco de anotações de sua escrivaninha e começa a procurar uma caneta. "Você sabe por que eu consigo uma taxa de 96% de dispensa de pagamento de multas por excesso de velocidade? Ou 92% nas conversões proibidas? Porque eu cutuco, cutuco, cutuco e cutuco um pouco mais. Verifico os detalhes, Wes: se o tira coloca o número do estatuto errado na multa, dispensa. Se ela não tem o logo da multa de trânsito, dispensa. Tudo se resume a detalhes — que é como eu vou descobrir quem diabos são Os Três e O Romano."
"Você ainda tem aquele amigo no distrito policial?" "De quem você pensa que eu consigo a lista dos que violaram as leis de trânsito, duas horas antes de qualquer outro? Ele fará o que precisarmos."
"Dreidel disse que também vai procurar algum material. Ele é sem¬pre bom para..."
O celular vibra no bolso. Abrindo-o, vejo um número familiar. Sin-cronicidade perfeita.
"Alguma novidade?", pergunto.
"Você passou alguma informação a ela?", diz Dreidel sem pensar, com a voz acelerada.
"Perdão?"
"A repórter — Lisbeth alguma coisa — do Palm Beach Post." Ele respira para acalmar-se. Tudo que percebo é que há algo errado. "Você falou com ela nesta manhã?"
"Eu não sei do que você..."
"Tudo bem se você falou... Não estou bravo... Só preciso saber o que você disse."
É a segunda vez que ele me interrompe. E, como qualquer outro político jovem, quando diz que não está bravo é o momento exato em que está prestes a arrancar sua língua.
"Dreidel, juro, eu não..."
"Então como ela sabe que nos encontramos!? Ela sabe que tomei café e comi um pouco da sua torrada! Quem você...?" Recuperando-se um pouco, ele abaixa a voz de novo. "Então... para quem mais você contou?"
Olho para Rogo. "A ninguém. Ninguém que telefonaria para ela, eu juro..."
"Está bem, está bem", diz ele, mais a si mesmo do que para mim. "Eu só... preciso que você acabe com a história, está bem? Ela vai telefo¬nar para você a fim de confirmar o fato. Você pode me fazer um favor e desmentir isso?" Eu conheço Dreidel há quase uma década. A última vez que o vi em pânico foi quando a primeira-dama estava gritando com ele. "Por favor, Wes."
"Tudo bem... está bem..., mas por que você está tão nervoso por causa de um estúpido café-da-manhã?"
"Não, não um café-da-manhã qualquer. Um café-da-manhã em Palm Beach, Flórida... quando minha mulher acha que eu ainda estava saindo do hotel onde tive reunião ontem, em Atlanta." Ele me concede um minuto para juntar os dados.
"Espere, então aquela mulher... Você não a encontrou apenas no bar..."
"Jean. O nome dela é Jean. E sim, deixei Atlanta e voei cedo para cá por causa dela. Eu a conheci alguns meses atrás. Está bem? Você está feliz? Agora sabe de tudo. Tudo que lhe peço é que mantenha fora esse mexerico sobre a mulher, porque se essa história sair amanhã e Eilen ficar sabendo..."
Há um clique no meu celular.
"É a repórter", diz Dreidel. "Tudo que você tem de fazer é enterrar o assunto. Negocie com ela... arranje dez minutos de entrevista com Man-ning. Por favor, Wes — minha família — pense em Ali", acrescenta ele, refe¬rindo-se a sua filha. "E minha corrida para concorrer ao Senado pelo meu estado."
Antes que eu possa reagir, há um outro clique. Pressiono o botão Send no telefone e pego a outra linha.
"Fala Wes", respondo.
"Senhor Holloway, aqui é Gerald Lang", diz ele em um tom seco e profissional. "Do escritório do curador", explica, referindo-se à Biblioteca Presidencial Manning. "Claudia sugeriu que eu lhe telefonasse e..."
"Agora não é, de fato, o melhor momento."
"Vai levar só um instante, senhor. Veja, estamos programando uma nova exibição sobre a assistência presidencial, com um foco particular em uma longa história de um jovem que serviu de auxiliar presidencial. Um tipo de... verdadeira retrospectiva, se quiser pensar assim... tudo desde Meriwether, que serviu sob Thomas Jefferson, até Jack Valenti, que traba¬lhou com Lyndon B. Johnson, até o final, felizmente, bem... você."
"Espere... esta exibição é sobre... mim”?
"De fato, além dos outros, é claro. Uma verdadeira retrospectiva."
Ele já está começando a tomar cuidado, o que significa que conhece as regras. Meu trabalho é ser o homem mais próximo do presidente. Bem ao lado dele. Mas nunca na sua frente. "Eu aprecio a oferta, senhor Lang..."
"Gerald."
"E eu gostaria de ajudar, Gerald, mas..."
"O presidente Manning disse que está de acordo", acrescenta ele, jo¬gando o trunfo. "Claudia também. Uma retrospectiva verdadeira. Então, quando você acha que podemos sentar e...?"
"Mais tarde, está bem? Apenas... telefone-me depois." Desligando o telefone, eu retomo Dreidel.
"O que ela disse? Ela sabe?" pergunta Dreidel, ainda em pânico.
Antes que eu possa responder, meu telefone toca de novo. Obvia¬mente, o meu amigo curador não entendeu o que eu disse. "Espere eu me livrar desse camarada", digo para Dreidel, desligando outra vez. "Gerald, eu já lhe disse..."
"Quem é Gerald?", interrompe uma voz de mulher.
"P-Perdão?"
"Olá, Wes, aqui é Lisbeth Dodson do Palm Beach Post. O que você acha de ter o seu nome em destaque?"
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