Cono prometido no meu post de ontem, cá fica então o terceiro capítulo do primeiro livro que seleccionei para vos disponibilizar por aqui integralmente. Pode tornar-se um tanto ou quanto assustador mais ou menos a meio, mas como sempre ouvi dizer, "Tudo fica bem quando acaba bem", acho que este provérbio também se poderá aplicar por aqui dentro de uma certa medida e vejam só o que é que pelo menos aparentemente o mago andou a aprontar durante praticamente toda a noite nas costas do pobre do Thom! (Risos).
CAPÍTULO 3
O NÚMERO 13 DE WATERY LANE
Chegamos a Horshaw quando o sino da igreja começou a se ouvir ao longe. Eram sete
horas e começava a escurecer. Uma chuva forte batia-nos diretamente no rosto, mas ainda havia
luz suficiente para eu poder ver que este não era um lugar onde quisesse viver e ao qual até uma
curta visita seria de evitar.
Horshaw era uma mancha negra nos campos verdes, um lugarzinho lúgubre e feio com
cerca de duas dúzias de filas de casas humildes de costas umas para as outras, amontoando-se
principalmente na vertente sul de uma colina úmida e inóspita. Toda a zona estava crivada de
minas e Horshaw ficava no meio delas. Bem acima da aldeia via-se um enorme monte de escórias
que assinalava a entrada de mais uma mina. Por detrás do monte de escórias ficavam os depósitos
de carvão, que armazenavam combustível suficiente para aquecer as maiores cidades do Condado,
mesmo durante os Invernos mais longos.
Não tardamos a percorrer as estreitas ruas empedradas, mantendo-nos junto das paredes
enegrecidas a fim de evitarmos as carroças carregadas de bocados de carvão preto, molhado e
brilhante da chuva. Os enormes cavalos de tiro que as puxavam esforçavam-se sob as suas cargas,
os cascos escorregando no empedrado reluzente.
Havia poucas pessoas no exterior, mas as cortinas de renda agitavam-se à nossa passagem, e
até nos cruzamos com um grupo de mineiros carrancudos, que subia penosamente a colina para
iniciar o turno da noite. Os homens iam falando em voz alta, mas calaram-se subitamente e
colocaram-se em fila única a fim de passarem por nós, mantendo-se sempre do outro lado da rua.
Um deles chegou mesmo a se benzer.
— Vá se habituando, rapaz — resmungou o Mago. — Somos necessários, mas raramente
bem-vindos, e alguns lugares são piores do que outros.
Por fim, dobramos uma esquina para a rua mais inferior e com pior aspecto de todas.
Ninguém vivia ali — via-se logo. Em primeiro lugar, algumas das janelas estavam quebradas e
outras vedadas e, apesar de ser quase noite, não se viam luzes acesas. Num extremo da rua ficava
um armazém de comércio de cereais abandonado, as duas enormes portas de madeira
escancaradas e pendendo das dobradiças enferrujadas.
O Mago parou junto da última casa. Era a que ficava na esquina mais próxima do
armazém, a única casa na rua que tinha número. Esse número fora feito em metal e pregado na
porta. Era o treze, o pior e mais nefasto de todos os números, e havia uma tabuleta com o nome
da rua no alto da parede, pendendo de um único rebite enferrujado e apontando quase
verticalmente para o empedrado. Nela, lia-se, WATERY LANE.
Esta casa tinha vidraças, mas as cortinas de renda estavam amarelas e cheias de teias de
aranha. Devia ser a casa assombrada de que o meu mestre me falara.
O Mago tirou uma chave do bolso, abriu a porta e seguiu na frente até a escuridão lá
dentro. A princípio, até fiquei contente por me abrigar da chuva, mas quando ele acendeu uma
vela e a colocou no chão mais ou menos no meio da pequena divisão da frente, soube que ficaria
mais confortável num estábulo abandonado. Não se via uma única peça de mobiliário, apenas o
chão lajeado despido e um monte de palha suja debaixo da janela. A divisão também estava
úmida, o ar muito desagradável e frio, e podia ver o vapor da minha respiração à luz tremulante
da vela.
Se aquilo que via já era suficientemente mau, o que ele disse foi bem pior.
— Bom, rapaz, tenho uns assuntos a tratar, por isso vou andando, mas voltarei mais tarde.
Sabe o que tem a fazer?
— Não, senhor — respondi, observando o tremular da vela, receoso de que pudesse
apagar-se a qualquer instante.
— Bem, é o que te disse antes. Não estava ouvindo? Tem que ficar acordado, e não
sonhando. De qualquer forma, não é muito difícil — explicou, coçando a barba como se algo
andasse a rastejar nela. — Só tem que passar a noite aqui sozinho. Trago todos os meus novos
aprendizes a esta casa velha na sua primeira noite, para avaliar a fibra deles. Oh, mas há uma coisa
que ainda não te disse. À meia-noite, quero que desça à cave {1} e enfrente o que quer que se
esconde lá. Se conseguir agüentar, estará no bom caminho para ser aceito em caráter permanente.
Há alguma pergunta que queira fazer?
Perguntas não me faltavam, mas estava assustado demais para ouvir as respostas. Por isso
abanei a cabeça e tentei evitar que meu lábio superior tremesse.
— Como saberá que é meia-noite? — inquiriu ele.
Encolhi os ombros. Eu me desvencilhava bastante bem adivinhando as horas pela posição
do sol ou das estrelas e, se por acaso acordasse no meio da noite, sabia quase sempre que horas
eram, mas aqui não tinha tanta certeza. Em alguns lugares o tempo parece passar mais lentamente
e tinha a sensação de que esta casa velha iria ser um deles.
De repente, lembrei-me do relógio da igreja.
— Deram há pouco as sete — afirmei. — Ouvirei as doze badaladas.
— Bem, pelo menos agora está acordado — disse o Mago com um leve sorriso. —
Quando o relógio der a meia-noite, pegue o toco da vela e sirva-se dele para encontrar o caminho
para a cave. Até lá, durma, se for capaz. Agora, ouça com atenção — há três coisas importantes
para não esquecer. Não abra a porta da rua para ninguém, por mais insistentemente que bata, e
não se atrase para descer à cave.
Deu um passo em direção à porta da rua.
— Qual é a terceira coisa? — perguntei em alto e bom som no último instante.
— A vela, rapaz. Faça o que fizer, não deixe que ela se apague...
A seguir, foi-se, fechando a porta atrás de si, e fiquei completamente sozinho.
Cautelosamente, peguei a vela, fui até à porta da cozinha e espreitei lá para dentro. Estava
completamente vazia, com exceção de uma pia de pedra. A porta dos fundos encontrava-se
fechada, mas o vento soprava ainda por baixo dela. Havia duas outras portas à direita. Uma estava
aberta e deixava ver as escadas de madeira que conduziam aos quartos no piso de cima. A outra, a
mais próxima de mim, estava fechada.
Algo me deixou inquieto a respeito daquela porta fechada, mas decidi ir dar uma
espreitadela rápida. Cheio de nervosismo, agarrei o puxador e dei um puxão na porta. Não se
deslocou e por um momento tive a arrepiante sensação de que alguém a mantinha fechada do
outro lado. Quando lhe dei um puxão ainda mais forte, abriu-se bruscamente, fazendo-me perder
o equilíbrio. Recuei alguns passos e quase larguei a vela.
Uma escada de pedra conduzia à escuridão; estava negra do pó de carvão. Curvava para a
esquerda, pelo que não pude ver diretamente a cave, mas subiu por ela uma corrente de ar frio,
fazendo a chama da vela dançar e tremular. Fechei rapidamente a porta e voltei para a divisão da
frente, fechando igualmente a porta da cozinha.
Pousei cuidadosamente a vela no canto mais distante da porta e da janela. Assim que me
certifiquei de que não tombaria, procurei um lugar no chão onde pudesse dormir. Não havia
muito por onde escolher. Certamente não ia dormir na palha úmida, por isso instalei-me no meio
da divisão.
As lajes eram duras e frias mas fechei os olhos. Mal adormecesse, me afastaria daquela casa
velha e lúgubre e estava confiante de que acordaria bem antes da meia-noite.
Normalmente, não tenho dificuldade em adormecer, mas ali era diferente. Não parava de
tremer de frio e o vento começava a sacudir as vidraças. Havia também sussurros e ruídos que
vinham das paredes. São apenas ratos, disse para mim mesmo diversas vezes. Estávamos sem
dúvida acostumados a eles, na fazenda. Mas depois, repentinamente, chegou um novo som
perturbador lá de baixo, das profundezas da cave escura.
A princípio foi fraco, levando-me a apurar o ouvido, mas depois cresceu gradualmente até
deixar de ter dúvidas a respeito do que conseguia ouvir. Acontecia algo lá em baixo, na cave, que
não deveria estar acontecendo. Alguém cavava ritmicamente, revolvendo terra pesada com uma
pá pontiaguda de metal. Primeiro ouviu-se o raspar da extremidade de metal numa superfície
pedregosa, seguido de um som suave de esmagar e sugar na altura em que a pá se cravava fundo
no barro pesado e o libertava da terra.
Continuou por vários minutos até o barulho parar tão subitamente quanto começara.
Reinava o silêncio. Até os ratos pararam com os seus ruídos. Era como se a casa e tudo nela
sustivesse a respiração. Sei que era o que eu estava fazendo.
O silêncio terminou com uma pancada surda ressoante. Depois toda uma série de
pancadas, bem ritmadas. Pancadas que aumentavam de intensidade. Mais sonoras ainda. E mais
próximas também...
Alguém subia as escadas, vindo da cave.
Peguei rapidamente na vela e encolhi-me no canto mais distante. Pum, pum, o som de botas
pesadas cada vez mais próximo. Quem poderia ter estado a cavar lá em baixo, no escuro? Quem
poderia vir neste momento subindo as escadas?
Mas talvez não devesse perguntar quem subia as escadas. Seria talvez mais correto
perguntar o quê...
Ouvi a porta da cave abrir-se e o som de botas na cozinha. Encolhi-me todo ao canto,
tentando tornar-me o menor possível, à espera de que a porta da cozinha se abrisse.
E abriu-se, muito devagarinho, com enorme chiadeira. Entrou algo na sala. Senti então o
frio. Verdadeiro frio. O tipo de frio que me dizia que estava próximo de mim algo que não
pertencia a esta terra. Era como o frio na Colina do Carrasco, só que muito, muito pior.
Levantei a vela, a sua chama projetando sombras misteriosas que dançaram pelas paredes
acima, até o teto.
— Quem está aí? — perguntei. — Quem está aí? — A minha voz tremia ainda mais do
que a mão que segurava a vela.
Não obtive resposta. Até o vento lá fora se silenciara.
— Quem está aí? — tornei a perguntar.
Novamente nenhuma resposta, mas botas invisíveis rasparam nas lajes ao avançarem na
minha direção. Estavam cada vez mais próximas e conseguia ouvir agora uma respiração. Algo
grande respirava com dificuldade. Parecia um enorme cavalo de tiro que acabara de puxar uma
carga pesada por uma colina íngreme.
Naquele exato momento, os passos se afastaram de mim e estacaram perto da janela.
Sustive a respiração e a coisa junto à janela pareceu respirar por ambos, inalando grandes
golfadas para os pulmões como se nunca conseguisse ar em quantidade suficiente.
Exatamente quando já não conseguia mais agüentar, aquilo soltou um grande suspiro que
pareceu cansado e triste ao mesmo tempo, e as botas invisíveis rasparam mais uma vez nas lajes,
passos pesados que se afastavam da janela, voltando para a porta. Quando começaram a descer
ruidosamente as escadas da cave, pude voltar finalmente a respirar.
O meu coração começou a desacelerar, as minhas mãos pararam de tremer e me acalmei
gradualmente. Tinha que me recompor. Ficara assustado, mas se aquilo era o pior que ia
acontecer naquela noite, conseguira ultrapassá-lo, passara no meu primeiro teste. Se ia ser
aprendiz do Mago, então teria que me acostumar a lugares como esta casa assombrada. Ossos do
ofício.
Depois de mais ou menos cinco minutos, comecei a me sentir melhor. Pensei até em tentar
dormir mais um pouco, mas, como costuma dizer o meu pai, “Os maus nunca têm descanso”.
Bem, não sei que mal fizera, mas outro novo som súbito veio me perturbar.
A princípio foi tênue e distante — alguém batendo em uma porta. Seguiu-se uma pausa,
depois voltou a ouvir-se. Três pancadas distintas, mas um pouco mais próximas, desta vez. Outra
pausa e mais três pancadas.
Não demorei muito a perceber o que se passava. Alguém batia com força a cada porta da
rua, aproximando-se cada vez mais do número treze. Quando chegasse finalmente à casa
assombrada, as três pancadas na porta da rua seriam suficientemente sonoras para acordar os
mortos. Iria a coisa na cave subir as escadas para responder ao chamamento? Senti-me
aprisionado entre ambos: algo lá fora querendo entrar; algo lá em baixo que queria libertar-se.
E depois, repentinamente, ficou tudo bem. Uma voz chamou-me do outro lado da porta da
rua, uma voz que reconheci.
— Tom! Tom! Abra a porta! Deixe-me entrar!
Era a minha mãe. Fiquei tão contente de ouvi-la que corri para a porta da rua sem pensar.
Chovia lá fora e ela estava se molhando.
— Depressa, Tom, depressa! — gritava a minha mãe. — Não me deixe esperando.
Já levantava a tranca para abri-la, quando me lembrei do aviso do Mago: “Não abra a porta
da rua a ninguém, por mais insistentemente que bata...”
Mas como eu poderia deixar minha mãe ali no escuro?
— Vamos, Tom! Deixe-me entrar — gritou de novo a voz.
Lembrando-me do que o Mago dissera, respirei fundo e tentei pensar. O senso comum
dizia-me que não podia ser ela. Por que motivo me seguira até ali? Como podia ter sabido para
onde íamos? O meu pai ou Jack tê-la-iam acompanhado.
Não, era qualquer outra coisa à espera, lá fora. Algo sem mãos que mesmo assim conseguia
bater à porta. Algo sem pés que conseguia erguer-se no passeio.
As pancadas fizeram-se ouvir com maior intensidade.
— Por favor, deixe-me entrar, Tom — suplicava a voz. — Como pode ser tão insensível e
cruel? Estou gelada, molhada e cansada.
Por fim começou a chorar e soube então com certeza que não podia ser a minha mãe. A
minha mãe era forte. A minha mãe nunca chorava, por pior que fosse a situação.
Decorridos alguns momentos, os sons diminuíram e depois cessaram por completo. Deitei-
me no chão e procurei dormir novamente. Virava-me constantemente, primeiro para um lado e
depois para o outro, mas, por mais que tentasse, não conseguia adormecer. O vento começou a
abanar as vidraças cada vez com mais força, e o relógio da igreja foi dando as horas e as meias
horas, aproximando-me cada vez mais da meia-noite.
Quanto mais perto estava a hora de eu descer as escadas da cave, mais nervoso ia ficando.
Queria passar no teste do Mago, mas, oh, como ansiava estar de novo em casa, na minha rica
caminha segura e quente!
E depois, assim que o relógio deu uma única badalada — onze e meia — recomeçaram as
escavadelas...
Mais uma vez ouvi o lento pum, pum de botas pesadas a subirem as escadas da cave; mais
uma vez a porta se abriu e as botas invisíveis vieram até à divisão da frente. Nesta altura, a única
parte de mim que se mexia era o meu coração, que batia com tanta força que parecia prestes a
partir-me as costelas. Mas desta vez as botas não se encaminharam para a janela. Continuaram a
avançar — Pum! Pum! Pum! —, vindo na minha direção.
Senti-me levantado bruscamente pelos cabelos e a nuca, tal como uma gata transporta os
gatinhos. Depois, um braço invisível enrolou-se à volta do meu corpo, prendendo-me os braços
aos lados. Tentei encher os pulmões de ar, mas era impossível. O meu peito estava a ser
esmagado.
Era transportado na direção da porta da cave. Não conseguia ver o que me levava mas
ouvia a sua respiração asmática e debati-me, em pânico, porque de certa forma sabia exatamente o
que ia acontecer. Sabia por que motivo se ouvira cavar lá em baixo. Levavam-me pelas escadas da
cave para a escuridão e sabia que uma sepultura me aguardava ali. Ia ser enterrado vivo.
Estava aterrado e tentei gritar, mas era pior do que ser apenas agarrado com toda a força.
Ficara paralisado e não conseguia mover um músculo.
De repente, senti-me cair...
Encontrei-me de quatro, a olhar pela porta aberta que dava para a cave, a escassos
centímetros do degrau de cima. Em pânico, o meu coração tão acelerado que nem conseguia
contar os batimentos, pus-me em pé e fechei com força a porta da cave. Ainda a tremer, voltei
para a divisão da frente, constatando que desrespeitara uma das três regras do Mago.
A vela apagara-se...
Quando me encaminhava para a janela, um clarão súbito de luz iluminou a divisão, seguido
de um forte ribombar de trovão mesmo por cima do telhado. A chuva fustigava a casa, sacudindo
as janelas e fazendo a porta da rua chiar e gemer como se algo tentasse entrar.
Espreitei lá para fora durante alguns minutos, muito infeliz, vendo os relâmpagos. Estava
uma noite péssima, mas, apesar de os relâmpagos me apavorarem, teria dado tudo para estar lá
fora, a andar nas ruas; tudo para evitar descer àquela cave.
Ao longe, o relógio da igreja começou a dar horas. Contei as badaladas e foram exatamente
doze. Agora tinha de enfrentar o que estava na cave.
Foi então, quando um relâmpago voltou a iluminar a sala, que reparei nas grandes pegadas
no chão. A princípio julguei que tivessem sido deixadas pelo Mago, mas eram negras, como se as
botas enormes que as tinham feito estivessem cobertas de pó de carvão. Vinham da direção da
porta da cozinha, iam quase até à janela e davam meia volta, regressando pelo caminho que
haviam trazido. Voltavam para a cave. Para o escuro aonde eu tinha de ir!
Obrigando-me a avançar, tentei encontrar no chão o toco de vela. Depois, procurei às
apalpadelas a minha pequena trouxa com as roupas. Embrulhada no meio dela estava a caixa de
mechas que o meu pai me dera.
Remexendo às escuras, despejei a pequena pilha de mechas no chão e servi-me da pedra e
do metal para fazer saltar faíscas. Ateei aquela pequena pilha de madeira até irromperem chamas,
apenas com a altura suficiente para acender a vela. Mal o meu pai sabia que o seu presente se iria
revelar logo tão útil.
Quando abri a porta da cave, houve outro relâmpago e um estrondo súbito de trovão que
sacudiu toda a casa e ribombou nas escadas à minha frente. Desci à cave, a minha mão a tremer e
o toco de vela a dançar e a projetar estranhas sombras na parede.
Não queria ir lá abaixo, mas, se não passasse no teste do Mago, provavelmente seria
recambiado para casa assim que fosse dia. Imaginei a minha vergonha ao ter de contar à mãe o
que sucedera.
Oito degraus e contornava já a esquina, ficando com a cave à vista. Não era uma cave
grande, mas tinha sombras escuras nos cantos que a luz da vela não conseguia alcançar
plenamente e havia teias de aranha pendendo do teto em imundas cortinas frágeis. Viam-se
pequenos pedaços de carvão e grandes caixotes espalhados pelo chão de terra e havia uma velha
mesa de madeira ao lado de um barril enorme de cerveja. Contornei o barril de cerveja e percebi
algo no canto mais distante. Algo mesmo por detrás de alguns caixotes que me apavorou tanto
que ia deixando cair a vela. Era uma forma escura, quase semelhante a um monte de farrapos, e
emitia um ruído. Um leve som rítmico, como a respiração.
Dei um passo na direção dos farrapos; depois outro, servindo-me de toda a minha força de
vontade para obrigar as minhas pernas a andarem. Foi então, quando me aproximei tanto que
quase lhe podia ter tocado, que a coisa cresceu de repente. De uma sombra no chão, empinou-se
diante de mim até ficar três ou quatro vezes maior.
Quase corri dali para fora. Era alta, escura, encapuzada e aterradora, com olhos verdes
brilhantes.
Só então reparei no bordão que segurava na mão esquerda.
— O que o deteve? — perguntou o Mago. — Vem quase com cinco minutos de atraso!
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