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Lua Azul - blog de lua azul

Viajando pelo mundo dos livros... "O aprendiz do mago" de Joseph Delaney - Sinópse e 1º Capítulo

por lua azul

Cerca de quinze dias depois de ter criado este meu novo espacinho, eis que finalmente parece ter surgido ao nível do meu ser a grande necessidade de dar resposta a um dos principais objectivos pelos quais decidi que já devia estar mais do que na hora de fazer qualquer coisa em prole de muitas mais pessoas cegas como eu que infelizmente ainda não se sentem assim tão à vontade como acontece comigo para poderem retirar informações da Net, sejam elas sobre a forma de livros, de notícias, de vídeos do Youtube ou até mesmo de músicas em formato MP3. Nesse sentido criei então este meu espacinho para que de algumaa forma pudesse ajudá-las a ler livros e a ouvir músicas muito mais facilmente do que se tivessem que andar constantemente à procura de tais conteúdos através da Net, assim será só mesmo acederem ao link do meu blogue aqui no lerparaver e conseguem logo aceder a tudo sem serem necessários muitos mais esforços da vossa parte.
O livrinho com o qual decidi iniciar esta minha aventura entitula-se como "O Aprendiz do Mago" sendo da autoria de Joseph Delaney e de acordo com a Wikipédia, trata-se da primeira obra que o autor escreveu para a sua série de livros infanto-jovenis "As aventuras do Caça-feitiço" ou "As crónicas de Wadestone (The Wardstone Chronicles em Inglês). É então através desta obra que o britânico Joseph Delaney nos começa a contar a história de Thoma s J. Ward, um adolescente prestes a completar treze anos e "que pode ver criaturas das trevas e outras coisas que os outros não podem", envolvendo-nos sempre num certo clima de aventura, suspanse e fantasia à medida que cada um dos episódios por aqui descritos vai sendo narrado. Thomas vai ser ensinado por um mago de modo a que mais tarde possa exercer a profissão de "Caça-feitiços", sendo que em consonância com a sinópse deste livro, é mais ou menos da seguinte forma que tudo se inicia no decurso desta história:

"Thomas Ward é o sétimo filho de um sétimo filho e se tornou aprendiz do Caça-feitiço. A missão é árdua, o Caça-feitiço é um homem frio e distante, e muitos aprendizes já fracassaram. De alguma forma, Thomas terá de aprender a exorcizar fantasmas, deter feiticeiras e amarrar ogros. Quando porém, é enganado e cai na armadilha de libertar Mãe Malkin, a feiticeira mais malévola do Condado, começa o horror. Então Tom tem que fazer a coisa certa para que ninguém saia ferido.".

Curiosos então por começar a ler o livrinho? Disponibilizar-vos-ei um capítulo por dia se isso se for mesmo possível e hoje já vos deixo então por aqui o primeiro, esperando que esta minha primeira selecção em termos de obras literárias possa ser do vosso agrado!

CAPÍTULO 1
UM SÉTIMO FILHO

Quando o Mago chegou, a luz já começava a diminuir. Fora um dia longo e duro e eu
estava pronto para a ceia.
— Tem certeza de que ele é um sétimo filho? — perguntou. Mirava-me de alto a baixo e
abanava a cabeça, cheio de dúvidas.
O meu pai anuiu.
— E você também é um sétimo filho?
O meu pai voltou a anuir e começou a bater impacientemente com os pés, salpicando-me
as calças de gotículas de lama e estrume. A chuva escorria-lhe pela pala do boné. Chovera durante
a maior parte do mês. Havia folhas novas nas árvores, mas o tempo primaveril ainda tardava
muito.
O meu pai era agricultor, tal como o pai dele também fora, e a primeira regra da
agricultura é manter a terra unida. Não pode ser dividida pelos filhos, senão vai ficando menor a
cada geração, até não restar nada. Por isso, um pai deixa a fazenda ao filho mais velho. Depois
arranja ocupações para os restantes. Se possível, tenta encontrar um ofício para cada um.
Para tal, precisa de muitos favores. O ferreiro local é uma opção, em especial se a
propriedade for grande e ele lhe tiver solicitado bastante trabalho. Então, é provável que o
ferreiro ofereça um aprendizado, mas ainda só fica com um filho arrumado na vida.
Eu era o sétimo e, quando chegou a minha vez, tinham-se esgotado os favores. O meu pai
estava tão desesperado que tentou mesmo convencer o Mago a aceitar-me como seu aprendiz.
Ou, pelo menos, foi o que pensei na altura. Devia ter desconfiado que a mão da minha mãe
andava ali.
Ela estava por trás de muitas coisas. Muito antes de eu nascer, fora o dinheiro dela que
comprara a nossa fazenda. De que outra forma poderia um sétimo filho tê-la adquirido? E a
minha mãe não era do Condado. Vinha de uma terra distante, do outro lado do mar. A maioria
das pessoas não reparava, mas por vezes, se escutasse com muita atenção, havia uma ligeira
diferença na maneira como ela pronunciava certas palavras.
Mas não julguem que eu estava sendo vendido como escravo ou algo assim. Fosse como
fosse, estava farto de agricultura e aquilo que chamavam “a vila” pouco mais era do que uma
aldeota para lá do Sol poente. Não era certamente um lugar onde quisesse passar o resto da
minha vida. Por isso, de certa forma, agradava-me bastante a idéia de ser Mago; era bem mais
interessante do que ordenhar vacas ou fertilizar a terra.
Mas sentia-me bastante nervoso, porque era um trabalho assustador. Iria aprender a
proteger fazendas e aldeias das coisas que andam por aí à noite. Lidar com fantasmas, demônios e
todo o tipo de seres maléficos, tudo faria parte de uma rotina normal. Era o que o Mago fazia e
eu ia ser seu aprendiz.
— Quantos anos ele tem? — perguntou o Mago.
— Fará treze em Agosto próximo.
— É um bocado baixo para a idade. Sabe ler e escrever?
— Sim — respondeu o meu pai. — Sabe ambas as coisas e também sabe grego. A minha
mãe ensinou-o e já conseguia falar antes mesmo de andar.
O Mago anuiu e olhou para o caminho enlameado que se estendia do portão em direção à

casa da fazenda, como se escutasse algo. Depois encolheu os ombros.
— Já é uma vida bastante dura para um homem, quanto mais um rapaz — disse. — Acha
que ele está à altura?
— Ele é forte e será tão grande quanto eu quando chegar à idade adulta — retorquiu o
meu pai, endireitando as costas e erguendo-se em toda a sua altura. Mesmo assim, o alto da sua
cabeça ficava exatamente ao nível do queixo do Mago.
De repente, o Mago sorriu. Era a última coisa que eu estava esperando. O seu rosto era
grande e parecia ter sido esculpido em pedra. Até ali achara-o um bocado mal-encarado. A sua
capa preta e comprida e o capuz faziam lembrar um padre, mas quando ele nos olhava
diretamente, a sua expressão sinistra fazia-o assemelhar-se mais a um carrasco a avaliar-nos por
causa da corda.
O cabelo que aparecia sob a parte da frente do capuz condizia com a barba, que era
grisalha, mas tinha sobrancelhas pretas e muito espessas. Saíam-lhe também uns pêlos pretos das
narinas, e os seus olhos eram verdes, a mesma cor dos meus.
Reparei então em algo mais nele. Trazia um bordão comprido. Claro que o vira mal ele
aparecera, mas não percebera até àquele momento de que o segurava na mão esquerda.
Quereria dizer que era canhoto como eu?
Fora algo que me trouxera muitos problemas na escola da aldeia. Até tinham chamado o
pároco local para me observar e ele abanara constantemente a cabeça e dissera-me que teria de
contrariar o hábito antes que fosse tarde demais. Não entendi ao que se referia. Nenhum dos
meus irmãos era canhoto nem tampouco o meu pai. No entanto, a minha mãe é canhota e isso
nunca pareceu incomodá-la sobremaneira, por isso, quando o professor ameaçou fazer-me perder
a mania à pancada e me amarrou a caneta à mão direita, ela tirou-me imediatamente da escola e
daquele dia em diante ensinou-me em casa.
— Quanto quer para aceitá-lo? — perguntou o meu pai, interrompendo os meus
pensamentos. Agora é que estávamos verdadeiramente a negociar.
— Dois guinéus por um mês, como experiência. Se ele tiver jeito, voltarei no Outono e
ficará me devendo outros dez. Se não, trago-o de volta e será só mais um guinéu pelo incômodo
que tive.
O meu pai voltou a anuir e o negócio se fez. Fomos até ao celeiro e pagaram-se os guinéus,
mas não houve aperto de mãos. Ninguém queria tocar num Mago. O meu pai era um homem
corajoso, ao estar ali a menos de dois metros dele.
— Tenho um assunto a tratar aqui perto — disse o Mago —, mas virei buscar o rapaz ao
raiar do dia. Ele que esteja pronto. Não gosto que me deixem esperando.
Quando ele se foi, o meu pai bateu-me no ombro.
— Agora é uma vida nova para você, filho — disse-me. — Vá se lavar. Acabou-se a
agricultura para você.
Quando entrei na cozinha, o meu irmão Jack envolvia a mulher Ellie com um braço e ela
sorria.
Gosto muito de Ellie. É calorosa e amiga de uma forma que sentimos que ela gosta
realmente de nós. A minha mãe diz que foi bom para Jack casar com Ellie porque o ajudou a
ficar menos agitado.
Jack é o mais velho e o maior de todos nós e, como o meu pai diz às vezes na brincadeira,
o mais bonito de um grupo feioso. É certo que ele é grande e forte, mas, apesar dos seus olhos
azuis e sadias faces coradas, as suas sobrancelhas farfalhudas quase se juntam no meio, pelo que
sempre discordei dessa opinião. Algo que nunca pus em causa é o fato de ter conseguido atrair

uma mulher boa e bonita. Ellie tem o cabelo da cor da palha da melhor qualidade três dias após
uma boa colheita e uma pele que brilha realmente à luz da vela.
— Vou embora amanhã de manhã — anunciei bruscamente. — O Mago vem me buscar
ao raiar do dia.
O rosto de Ellie iluminou-se.
— Quer dizer que ele resolveu aceitá-lo?
Anuí.
— Vou ficar um mês como experiência.
— Oh, muito bem, Tom! Fico realmente satisfeita por você — disse ela.
— Não acredito! — zombou Jack. — Você, aprendiz de um Mago! Como pode exercer
semelhante ofício, se não consegue adormecer sem uma vela acesa?
Ri da piada dele, mas tinha razão. Às vezes via coisas no escuro e uma vela era a melhor
maneira de mantê-las afastadas para poder dormir um pouco.
Jack veio direto a mim e, com uma gargalhada, prendeu-me a cabeça e começou a arrastar-
me em volta da mesa da cozinha. Era a sua idéia de brincadeira. Ofereci apenas a resistência
suficiente para satisfazê-lo e passados alguns segundos ele me soltou e deu-me uma palmada nas
costas.
— Muito bem, Tom — disse ele. — Vai fazer uma fortuna com esse ofício. No entanto, só
há um problema...
— Qual é? — indaguei.
— Vai precisar de todos os cêntimos que ganhar. Sabe porquê?
Encolhi os ombros.
— Porque os únicos amigos que vai ter serão aqueles que comprar!
Tentei sorrir, mas havia um grande fundo de verdade nas palavras de Jack. Um Mago
trabalhava e vivia sozinho.
— Oh, Jack! Não seja cruel! — admoestou Ellie.
— Foi só uma piada — replicou Jack, como se não compreendesse a razão de tanto
desagrado de Ellie.
Mas Ellie olhava para mim e não para Jack e vi o seu rosto de repente esmorecer.
— Oh, Tom! — lamentou-se. — Isto quer dizer que não estará aqui quando o bebê
nascer...
Parecia realmente desapontada e fiquei triste por não estar em casa para ver a minha nova
sobrinha. A minha mãe dissera que ia ser uma menina e ela nunca se enganava nestas coisas.
— Virei fazer uma visita assim que puder — prometi.
Ellie fez um esforço para sorrir, e Jack aproximou-se e apoiou o braço nos meus ombros.
— Terá sempre a sua família — disse. — Estaremos sempre aqui, se precisar de nós.
Uma hora depois, sentei-me à mesa para jantar, sabendo que partiria de manhã. O meu pai
deu graças como fazia todas as noites e todos nós murmuramos “Amém” exceto a minha mãe.
Limitara-se a olhar para a comida como sempre, esperando educadamente até terminar. Quando a
prece acabou, a minha mãe esboçou-me um pequeno sorriso. Foi um sorriso caloroso e especial e
não creio que mais alguém tivesse percebido. Fez-me sentir melhor.
O fogo continuava aceso na lareira, enchendo a cozinha de calor. No centro da nossa
grande mesa de madeira havia um candelabro de latão, que fora polido até se conseguir ver nele o
rosto. Era uma vela cara, feita de cera de abelha, mas a minha mãe não permitia sebo na cozinha,
por causa do cheiro. O meu pai tomava a maior parte das decisões sobre a fazenda, mas em
algumas coisas ela levava a sua por diante.

Quando atacamos os nossos pratões de guisado fumegante, ocorreu-me que o meu pai
parecia envelhecido naquela noite — envelhecido e cansado — e havia uma expressão que se
estampava no seu rosto de tempos em tempos, uma pontinha de tristeza. Mas animou-se um
pouco quando começou a trocar impressões com Jack sobre o preço da carne de porco e se era
ou não o momento certo para chamar o matador de porcos.
— É melhor esperarmos mais um mês ou dois — afirmou o meu pai. — Com certeza o
preço vai subir.
Jack abanou a cabeça e começaram a discutir. Era uma discussão amigável, daquelas que as
famílias têm com freqüência, e poderia se dizer que o meu pai estava gostando. No entanto, eu
não participei. Tudo aquilo chegara ao fim para mim. Como dissera o meu pai, acabara-se a
agricultura para mim.
A minha mãe e Ellie riam baixinho. Tentei escutar o que diziam, mas entretanto Jack
estava todo entusiasmado, a sua voz subindo cada vez mais de tom. Quando a minha mãe olhou
para ele, vi que estava saturada do barulho que ele fazia.
Ignorando os olhares da minha mãe e continuando a discutir sonoramente, Jack estendeu a
mão para o saleiro e, sem querer, derrubou-o, entornando um pequeno cone de sal no tampo da
mesa. Logo em seguida, pegou uma pitada e atirou-a por cima do ombro esquerdo. É uma velha
superstição do Condado. Com este gesto, estaremos afastando o azar adveniente do seu
derramamento.
— Jack, a verdade é que nem precisa de pôr sal — ralhou a minha mãe. — Estraga um
bom guisado e é um insulto à cozinheira!
— Desculpe, mãe — justificou-se Jack. — Tem razão. Assim está perfeito.
Ela sorriu, depois indicou-me com um gesto de cabeça.
— E depois, ninguém está dando atenção a Tom. Não deve ser tratado assim na sua última
noite em casa.
— Eu estou bem, mãe — assegurei-lhe. — Já me satisfaz estar aqui sentado ouvindo.
A minha mãe anuiu.
— Bem, tenho algumas coisas a dizer-te. Depois da ceia fique na cozinha para termos uma
conversinha.
Assim, depois que Jack, Ellie e o meu pai terem ido se deitar, sentei-me numa cadeira junto
à lareira e aguardei pacientemente para ouvir o que a minha mãe tinha a dizer.
A minha mãe não era mulher de grandes espalhafatos; a princípio não disse muito, além de
explicar o que estava preparando para eu levar: um par de calças de reserva, três camisas e dois
pares de meias boas que só tinham sido cerzidas uma vez cada.
Olhei para as cinzas da lareira batendo com os pés nas lajes, enquanto a minha mãe se
levantava da cadeira de balanço e a posicionava de modo a ficar bem de frente para mim. O seu
cabelo preto apresentava alguns fios brancos, mas além disso, parecia-me praticamente igual a
quando eu começara a dar os primeiros passos, mal lhe chegando aos joelhos. Os seus olhos
continuavam brilhantes e, à exceção da pele pálida, parecia vender saúde.
— Esta é a última vez que vamos poder conversar um pouco — disse ela. — É um grande
passo sair de casa e iniciar uma vida nova. Por isso, se quiser dizer alguma coisa, se precisar
perguntar alguma coisa, agora é o momento para fazê-lo.
Não me ocorreu uma só pergunta. Na verdade, não conseguia sequer pensar. Só de ouvi-la
dizer tudo aquilo, senti as lágrimas começarem a atormentar-me os olhos.
O silêncio continuou durante um bom tempo. Apenas se ouvia o ruído dos meus pés nas
lajes. Por fim, a minha mãe soltou um pequeno suspiro.

— O que se passa? — perguntou-me. — O gato comeu sua língua?
Encolhi os ombros.
— Pare com esse desassossego, Tom, e concentre-se no que estou dizendo — advertiu a
minha mãe. — Em primeiro lugar, está ansioso para que chegue o dia de amanhã, para começar a
aprender o seu novo ofício?
— Não tenho certeza, mãe — disse-lhe, recordando a piada de Jack a respeito de ter de
comprar os amigos. — Ninguém quer se aproximar de um Mago. Não terei amigos. Estarei
sozinho o tempo todo.
— Não será tão mau quanto julga — redarguiu a minha mãe. — Terá o seu mestre com
quem conversar. Ele será o seu professor, e sem dúvida acabará por se tornar seu amigo. E estará
ocupado o tempo todo. Ocupado a aprender coisas novas. Não terá tempo para se sentir sozinho.
Não acha toda esta novidade entusiasmante?
— Entusiasmante é, mas o ofício assusta-me. Quero segui-lo, mas não sei se sou capaz.
Uma parte de mim quer viajar e conhecer outros lugares, mas será difícil deixar de viver aqui.
Vou sentir saudades de todos. Vou sentir falta de estar em casa.
— Não pode ficar aqui — disse a minha mãe. — O seu pai está velho demais para
trabalhar e no próximo Inverno vai entregar a fazenda a Jack. Ellie terá o bebê em breve, sem
dúvida o primeiro de muitos; acabará por não haver espaço para você aqui. Não, o melhor é se
acostumar antes que isso aconteça. Não pode voltar para casa.
A voz dela pareceu fria e um pouco sacudida, mas ao ouvi-la falar comigo daquela maneira,
senti subitamente uma dor profunda no peito e na garganta, a ponto de mal conseguir respirar.
Só queria ir para a cama, mas ela tinha muito que dizer. Raramente a ouvira usar tantas
palavras de uma só vez.
— Tem um trabalho a fazer e vai fazê-lo — disse-me em tom austero. — E não é só fazê-
lo; é fazê-lo bem. Casei com o seu pai porque ele era um sétimo filho. E dei-lhe seis filhos para
poder ter a você. Você é sete vezes sete e possui o dom. O seu novo mestre ainda é forte, mas já
não é o que era e um dia vai finalmente chegar a sua hora. Há quase sessenta anos que percorre as
linhas do Condado cumprindo o seu dever. Fazendo o que tem de ser feito. Em breve será a sua
vez. E, se não o fizer, quem o fará? Quem olhará pela gente comum? Quem a protegerá do mal?
Quem tornará as fazendas, aldeias e vilas seguras, para que as mulheres e as crianças possam
andar nas ruas e veredas sem receio?
Não soube o que dizer e não consegui olhá-la nos olhos. Esforcei-me apenas por reprimir
as lágrimas.
— Gosto muito de todos nesta casa — prosseguiu ela, a voz agora mais branda — mas, em
todo o Condado, você é a única pessoa realmente como eu. E, no entanto, não passa de um
menino que ainda tem muito que crescer, mas é o sétimo filho de um sétimo filho. Possui o dom
e a força para fazer o que tem de ser feito. Sei que vai me encher de orgulho.
— Ora ainda bem — concluiu a minha mãe, pondo-se em pé — que resolvemos isto.
Agora vá se deitar. Amanhã é um grande dia e quero que esteja no seu melhor.
Levei um abraço e um sorriso caloroso e esforcei-me realmente por me mostrar animado e
retribuir o sorriso, mas assim que cheguei ao meu quarto, sentei-me na beira da cama, de olhar
vago e a pensar no que a minha mãe me dissera.
A minha mãe é muito respeitada na vizinhança. Sabe mais de plantas e remédios caseiros
do que o médico local, e quando há dificuldade em fazer nascer um bebê, a parteira manda
sempre chamá-la. A minha mãe é perita no que ela chama de partos pélvicos. Às vezes, um bebê
tenta nascer com os pés para a frente, mas a minha mãe sabe virá-lo enquanto ainda está na

barriga. Há dúzias de mulheres no Condado que lhe devem a vida.
Pelo menos era o que o meu pai estava sempre dizendo, mas a minha mãe era modesta e
nunca mencionava semelhantes coisas. Limitava-se a fazer o que era preciso e eu sabia que ela
esperava o mesmo de mim. Por isso queria enchê-la de orgulho.
Mas era mesmo verdade que só se casara com o meu pai e tivera os meus seis irmãos para
poder me dar à luz? Não parecia possível.
Depois de pensar muito bem em tudo, fui até a janela virada para o norte e sentei-me na
velha cadeira de vime durante alguns minutos, olhando lá para fora.
A lua brilhava, banhando tudo com a sua luz prateada. Conseguia ver para lá do pátio da
fazenda, os dois campos de feno e a pastagem norte, e mesmo até o limite da nossa fazenda, que
terminava a meio da Colina do Carrasco. Gostava da paisagem. Gostava da Colina do Carrasco
ao longe. Gostava que fosse a coisa mais distante que se conseguia avistar.
Durante anos, fizera isto antes de subir para a cama, todas as noites. Costumava olhar para
aquela colina e imaginar o que haveria do outro lado. Na realidade, sabia que eram apenas mais
campos e a seguir, três quilômetros mais adiante, o que era considerado a aldeia local — meia
dúzia de casas, uma pequena igreja e uma escola ainda menor —, mas a minha imaginação criava
outras coisas. Às vezes imaginava penhascos altos com um oceano do outro lado, ou quem sabe
uma floresta ou uma grande cidade com torres altas e luzes a cintilar.
Mas agora, ao contemplar a colina, recordei também o meu medo. Sim, era bonita, vista de
longe, mas não era um local de que eu quisesse me aproximar. A Colina do Carrasco, como já
terão adivinhado, não obtivera o seu nome em vão.
Três gerações antes, alastra uma guerra por toda a terra e os homens do Condado tinham
participado dela. Fora a pior de todas as guerras — uma guerra civil amarga em que as famílias
haviam ficado divididas e em que, por vezes, irmão chegara a lutar contra irmão.
No último Inverno da guerra, houvera uma grande batalha cerca de quilômetro e meio a
norte, exatamente nos arredores da aldeia. Quando finalmente terminou, o exército vitorioso
trouxe os prisioneiros até esta colina e enforcou-os nas árvores da vertente setentrional.
Enforcaram igualmente alguns dos seus homens, invocando atos de covardia perante o inimigo,
mas circulava outra versão daquela história. Diziam que alguns destes homens tinham se
recusado a lutar contra pessoas que consideravam seus vizinhos.
Nem mesmo Jack gostava de trabalhar perto da vedação confinante, e os cães não queriam
avançar mais que alguns passos na mata. Quanto a mim, em virtude de conseguir sentir coisas
que os outros não sentem, não era sequer capaz de trabalhar na pastagem norte. Sabem, é que eu
os ouvia dali. Ouvia as cordas chiando e os ramos gemendo sob o peso deles. Ouvia os mortos
serem estrangulados e sufocarem do outro lado da colina.
A minha mãe dizia que éramos iguais. Bem, ela era sem dúvida igual a mim num aspecto:
eu sabia que ela também via coisas que os outros não conseguiam ver. Num Inverno, eu era
muito jovem e todos os meus irmãos viviam em casa, os ruídos na colina eram tão fortes à noite
que os ouvia até do meu quarto. Os meus irmãos não davam por nada, mas eu sim, e não
conseguia dormir. A minha mãe vinha ao meu quarto sempre que eu chamava, apesar de ter que
se levantar ao raiar do dia para efetuar as tarefas domésticas.
Por fim, disse que ia resolver o assunto e, uma noite, subiu sozinha à Colina do Carrasco e
foi até junto das árvores. Quando regressou, estava tudo calmo e assim ainda se mantinha depois
de meses.
Por isso, havia um aspecto em que divergíamos.
A minha mãe era muito mais corajosa do que eu.