TEAPIE (Teoria, Essência, Aplicação/prática e Pesquisa Inclusivas em Estudo)
Prezados,
Tendo idealizado e, depois, ficado à frente do Centro de Estudos Inclusivos da Universidade Federal de Pernambuco por cerca de uma década, tempo em que, em reuniões semanais orientei estudos a respeito da teoria da inclusão, fui testemunha de como os constructos ali trabalhados podem fazer a diferença na vida das pessoas diretamente ou, por meio delas, nas vidas de terceiros.
Agora, fora daquele Centro, estou dando início a um novo conjunto de encontros para estudo sobre a Teoria, a Essência, a Aplicação/prática e a pesquisa Inclusivas.
Convido a todos a participar do TEAPIE (Teoria, Essência, Aplicação e Pesquisa Inclusivas em Estudo), sejam vocês da comunidade Universitária, ou não.
Os interessados podem enviar-me e-mail para limafj.br@gmail.com com o assunto “participação no TEAPIE”
Para que possa frequentar o TEAPIE, será exigido que o participante esteja disposto a ler/leia os textos para estudo, que deseje aprender sobre a inclusão e que esteja disposto a debater as barreiras atitudinais em suas diferentes formas, em sua plenitude e profundidade.
As reuniões terão início terça-feira, dia 26 de novembro de 2013, às 14:00h e seguirão até às 18:00h.
Para esta primeira reunião do TEAPIE usaremos como base o texto que abaixo se segue, extrato da dissertação de Fabiana Tavares, cujo título é: EDUCAÇÃO NÃO INCLUSIVA: A TRAJETÓRIA DAS BARREIRAS ATITUDINAIS NAS DISSERTAÇÕES DE EDUCAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGE/UFPE)
Os interessados em participar dos encontros sobre TEAPIE, portanto, podem escrever para limafj.br@gmail.com e, ao participarem, receber os materiais citados no texto abaixo.
Venham participar e divulguem este post para que outros possam participar também.
Cordialmente,
Francisco Lima
Apontamentos e memórias: quando a história individual se entretece com a coletiva e motiva o estudo sobre as barreiras atitudinais
“[...] E foi assim mesmo que Maria fez: de manhã cedinho saía de arco e flor pra passear. Desembarcava no andaime, pulava pro corredor comprido, às vezes abria uma porta só, às vezes duas ou três, variava o jeito de acostumar. E acostumou: o medo de abrir porta foi embora; até mesmo a porta cinzenta, até a porta vermelha! Escancarava todas elas, olhava cada canto, olhava tudo que tinha pra ver.
Até que um dia, quando Maria ia andando pelo corredor, pensando “quem sabe no fim do ano eu arrumo de ir pra Bahia”, de repente, parou de olho arregalado: ué!! Que porta nova era aquela?
Era uma porta diferente de tamanho e de feitio, diferente de pintura também: parecia que estavam experimentando a cor: tinha uma porção de pinceladas, cada uma de uma tinta. Maria abriu a porta bem de leve e bem devagar. Mas sem medo. [...]” (BOJUNGA, L. Corda bamba. 2009, p. 140).
A nossa história individual é marcada por várias portas. Em algum momento da minha vida comecei a abrir ética, fraterna e cientificamente a porta de entrada para a construção da mentalidade inclusivista, para a prática de atitudes positivas diante da diversidade humana e para o contexto e tema desta pesquisa.
Nestas páginas, cada pessoa que faz parte da minha história trouxe uma pincelada à porta que redescubro a cada nuança descortinada da inclusão social/educacional. Quando tive medo, nem sempre houve quem me mostrasse como andar na corda bamba.
Este texto revela, pois, mais que o conteúdo a ser desvelado na abertura de cada porta que me constitui, é um caminho de registro de memória que reflete como esta pesquisa compõe a porta que estou por abrir: a da trajetória das barreiras atitudinais no discurso das pesquisas efetivadas no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco.
Neste caminhar, considero valiosas as palavras de Severino (2007, p.245):
A história particular de cada um de nós se entretece numa história mais envolvente da nossa coletividade. É assim que é importante ressaltar as fontes e as marcas das influências sofridas, das trocas realizadas com outras pessoas ou com as situações culturais.
Das palavras deste estudioso, traduzo que a experiência formativa e laboral do pesquisador também reflete os altos e baixos da história da comunidade humana, revela como nascem os nossos anseios laborais, nossa filosofia de vida, nossas atitudes e as situações-problemas que nos movem em busca das respostas científicas.
A contingência deste proêmio
Apresento aqui não apenas um currículo vitae narrativizado, na primeira pessoa do discurso, consoante as diretrizes fornecidas por Pessergi (2008), mas a minha trajetória acadêmica sem, contudo, esmaecer o meu percurso existencial como um todo indivisível. Para elaborar este texto, levei em conta as condições, as situações e as contingências que envolveram o desenvolvimento dos meus trabalhos aqui expostos, resgatei apontamentos de aulas, e-mails enviados ou recebidos em ambiente formativo virtual, portfólios de reuniões presenciais em grupos de estudos, das aulas no curso de mestrado etc. Enfim, objetivei socializar a trajetória formativa que percorri antes e após ingressar no curso de pós-graduação do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco.
No decorrer do texto, destaco os elementos correlacionados com o tema que tenho desenvolvido nos meus estudos no curso de mestrado. Além de considerar este espaço textual um trabalho autoavaliativo, acredito que ele será um instrumento confessional das minhas possibilidades de concretizar e a minha satisfação em cumprir mais esta etapa formativa.
A pesquisa não é neutra, isolada em si própria, mas é também resultada daquilo que é o pesquisador, com seus olhares, sua ética, sua moral e seus desejos, apresento-me como a pesquisadora cuja história pregressa sustenta , constrói e direciona a minha leitura de mundo e, portanto, deste mundo que é a pesquisa. É daqui que venho e é por aqui que vou.
Assim, socializo o percurso de construção de conceitos basilares da filosofia da inclusão, a consequente mudança na minha prática pedagógica, a socialização de saberes com professores em formação inicial e continuada. Transcrevo integralmente alguns e-mails, páginas de portfólios, cartas de intenção e registro de diálogos que sinalizam como as contribuições do Centro de Estudos Inclusivos (Doravante, CEI) foram relevantes no processo de constituição da pesquisadora, da educadora que tenho buscado ser a cada nova experiência formativa/laboral, pois foram nas reuniões do CEI, que solidifiquei o desejo de continuar os estudos acerca da inclusão no curso de mestrado.
Inicio, portanto, trazendo alguns retratos da minha trajetória no início da escolarização, das atividades formativas e laborais; prossigo, comentando o processo de compreensão dos constructos teóricos da educação inclusiva e da percepção/erradicação das barreiras atitudinais.
“...”
3- O dia em que o dardo da zarabatana inclusivista me atingiu
Em agosto de 2004, fui convidada a começar a trabalhar em salas especiais numa escola particular. Fiquei tão embaraçada. Por onde começar? Fui à biblioteca da faculdade FAINTVISA, pedi autorização para levar alguns livros para casa, no acervo Cesar Coll et. al. (1995), Julie Dockrell e John McShane (2000). Li tudo o que eu podia sobre deficiência. Decidi que trabalharia apenas com sessões de leitura e verificaria o que os alunos conseguiam construir a partir de textos literários.
Ao chegar à escola, na segunda-feira pela manhã, afirmei:
- Pronto! Após as aulas do turno da manhã, mostro para vocês o que planejei para esta primeira semana de aulas na CPE. Li muito sobre deficiência; síndrome de down, autismo e outras. Também li sobre dificuldades de aprendizagem.
- Fabiana, você só precisa compreender seus alunos, como pessoas que estão aqui para aprender, construir conhecimento. Você vai ver. Você vai gostar. Não fique aflita. Nós temos certeza que dará certo. Na verdade o que você precisa é conhecer bem a sua disciplina, os conteúdos e você, sensível como é, saberá como agir.
Tudo parecia perfeito. Os alunos integrados, alguns já inseridos nas salas regulares. Eu achava que Freinet estava feliz e eu tranquila. Os alunos foram me ajudando a delinear os caminhos formativos. A maioria das famílias eram parceiras no processo e a escola me deixava autônoma para caminhar com o grupo.
“...”
No dia 30/08/2005, às 10h da manhã, a convite do professor Hugo Monteiro, meu orientador e amigo, estive no Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) do Recife para ministrar uma palestra. Aquela experiência desestruturou as bases das minhas certezas. Senti-me como que atingida pelo dardo de uma zarabatana, meio atordoada, respondi às perguntas feitas pela Lívia, mas as respostas já não me convenciam. Passei dias reprisando aquelas perguntas. As capacitações promovidas pela escola não as respondiam. Eu estava desconfiada dos efeitos do meu trabalho. Transcrevo, na íntegra, parte da palestra. Hoje consigo perceber como, através do discurso, difundi e vivifiquei barreiras atitudinais que justificavam a existência de salas especiais:
- [...] Propomos a discussão sobre o que é avaliação, como avaliar, o que avaliar, qual a função da avaliação e para atingir, mesmo que de modo sucinto tais questões, comentaremos um projeto que está sendo vivenciado nas classes de projetos especiais. Estas classes são constituídas apenas por alunos especiais, as metodologias empreendidas neste processo ancoram-se na pedagogia freinetiana.
Então, o projeto “Portfólio: avaliação por meio de múltiplas lentes” tem promovido a interface entre avaliação e aprendizagem tanto para nós, professores, quanto para os alunos especiais, pois neste processo o portfólio, em formato de diário dialogado, tem servido para promover a aprendizagem desses alunos e sinalizam para o professor se o percurso metodológico tem sido satisfatório, se tem oportunizado a construção de aprendizagens. [...]
- Mas, professora, desculpe-me! Bom dia, sou Lívia Guedes, supervisora do Senac, preciso fazer-lhe uma pergunta: a senhora fala da perspectiva da educação especial ou da educação inclusiva? Quais são os fundamentos que norteiam o trabalho com estes alunos? Como e por que eles são agrupados em classes especiais?
- Bem, a escola, como lhes disse, propõe que efetivemos um trabalho baseado nos princípios da escola nova, especificamente na teoria de Celestin Freinet. Então, ao nível das posturas pedagógicas, o movimento Freinetiano considera os alunos como sujeitos, todos diferentes, e não apenas como alunos passíveis de um tratamento uniforme. Assim, quando um aluno está em dificuldade, o professor deve tratar a dificuldade pela diferenciação do ensino, antes de qualquer pedido de intervenção da rede de ajuda (psicóloga, etc.).
A escola oferece este trabalho desde 1996. É uma proposta denominada Classes de Projetos Especiais (CPE), a qual busca propiciar as condições adequadas para que o fazer pedagógico favoreça o desenvolvimento potencial de cada aluno na perspectiva de sua interação com a sociedade, da historicidade destes alunos, dos temas pelos quais eles se interessam, das habilidades que eles já apresentam e podem ser ampliadas. Enfim, as salas especiais são espaços em que os sujeitos são respeitados em suas diferenças, eles constroem vínculos afetivos, socializam aprendizagens entre as turmas e nos eventos promovidos pela escola todos participam, a seu modo, entende? Outra coisa: no turno da manhã, temos vários alunos que já foram inseridos nas salas regulares. Então, geralmente, o aluno faz uma sondagem, que consiste na realização de um exercício de língua portuguesa e matemática, depois ele faz uma entrevista com a psicóloga da escola e aí ele ingressa na CPE; mais adiante, de acordo com a desenvoltura dele e o acompanhamento da escola e da família, todos avaliam se esse aluno já tem condições de frequentar as salas regulares. Às vezes, eles nem querem, se acostumam, gostam da dinâmica das aulas da CPE.
- Certo, professora Fabiana. É que eu, no momento, estou cursando mestrado em educação inclusiva, faço parte de um grupo de estudos: o Centro de Estudos Inclusivos, lá na UFPE e a gente tem discutido um pouco sobre o formato destas salas especiais, não destas a que a senhora se refere especificamente, mas o modo como esta divisão entre os alunos é pensada. Assim, se a senhora quiser conhecer este trabalho, podemos conversar depois. Olhe, meus parabéns pelo trabalho, certamente a construção destes diários trazem muito da história dos alunos e demonstram que se tem estimulado cada um a desenvolver seus potenciais. A gente tem acreditado nisto, né, que todos são capazes de aprender. Seu trabalho demonstra sensibilidade e um olhar amplo da avaliação o que serve para a realidade da nossa instituição.
- Obrigada, Livia, pelas contribuições. Caminhando mais um pouco, gostaria de destacar que este recurso avaliativo pode ser utilizado em quaisquer etapas do processo de educação formal, a partir dele temos várias evidências das aprendizagens, percebemos a autenticidade, vivenciamos o dinamismo, oportunizamos a exposição de propósitos, a integração entre a escola e outras situações sociais. [...]
(TAVARES, Fabiana. Portfólio de atividades docentes. Transcrição da palestra sobre avaliação por portfólio em classes de projetos especiais. Registro de aprendizagens e de questões, 30/08/2005, p. 46 a 56.)
Só agora, ao refletir sobre a minha atuação nas salas especiais, ao refletir sobre essa palestra, compreendi o que disse certa vez um professor de filosofia, José Feitosa, ao citar o cientista e o ensaísta francês Albert Jacquard: “uma resposta é sempre um pouco pretensiosa, ela fecha um problema, enquanto uma questão nos abre o mundo”. Nossa! Precisei de alguns anos para que eu rememorasse esse discurso e compreendesse que as perguntas nos guiam a duvidar das respostas que temos cristalizado.
As perguntas feitas pela Lívia pareciam me perseguir, eu não as esquecera. Ingressei na especialização com um objeto de pesquisa organizado na mente e no papel, um pré-projeto: O “diferente” na tessitura da Literatura Infanto-Juvenil Contemporânea, objetivando: a) Verificar como a constituição da trajetória da “personagem diferente” era percebida pelos leitores em formação; b) Analisar se a recepção das obras que representam, através de seus personagens, a “pessoa portadora de alguma diferença”, possibilitava a consciência da inclusão.
Nesse período, eu compreendia a deficiência como diferença e queria saber se a literatura como elemento (in)formativo ajudava as crianças a compreender, com naturalidade, a deficiência. Fiquei bem motivada quando encontrei o livro escrito por Cruz (1991), “O deficiente e as diferenças na Literatura Infantil e Juvenil”, porque enxergava nele a pertinência do meu percurso cognitivo de entendimento da função da literatura e das representações sociais que ela nutre, socializa, cristaliza ou erradica acerca da diversidade humana.
“...”
Em meados de 2006, decidi fazer a inscrição para cursar disciplina como aluna especial no curso de mestrado em Educação, na Universidade Federal de Pernambuco. Tinha muitas incertezas e a vontade de conhecer o caminho que dava para outras tantas portas rumo à pesquisa científica e a reflexão acerca da formação e da prática docente.
4. Tópicos atuais da educação: processo denso de percepção das barreiras atitudinais
4.1 - O ingresso na pós-graduação stricto sensu como aluna especial
Mais impactante e mobilizadora do que a agudez daquela simples pergunta realizada pela Lívia na palestra proferida no Senac, tem sido o processo que vivencio desde que conheci e me tornei orientanda do professor Francisco Lima. Com firmeza, sistematização, respeito e afeto tenho buscado corresponder ao que o professor tem proposto como caminho formativo, nestes últimos seis anos, um tempo em que a ciência da Pedagogia além de ser estudada em sua interface teoria e prática, traz para a centralidade a compreensão e a ação de que a educação de qualidade deve ser vista como dever e direito do professor e do aluno.
Ingressei no curso de mestrado em Educação na UFPE como aluna especial. Já na primeira disciplina, vivenciei intensamente o processo de desequilibrar saberes cristalizados e organizar novas aprendizagens. Nas cartas de intenção que escrevi para o professor ministrante das disciplinas é possível perceber o reflexo deste processo.
Carta de intenção
SELEÇÃO PARA ALUNO ESPECIAL - 2006.1
Linha de pesquisa: Didática específica dos conteúdos
Prof /Dr Francisco José de Lima
Disciplina: TOPICOS ATUAIS EM EDUCAÇÃO II – Temática: BARREIRAS ATITUDINAIS: Inclusão e Acessibilidade
Prezado professor Francisco Lima,
As palavras registradas nesta carta de intenção não são suficientes para descrever o momento que me move a buscar compreender a inclusão educacional e como tenho contribuído para que este processo seja efetivado.
Creio que é na relação objetividade/subjetividade que se constrói, cotidianamente, as indagações que nos impulsionam ao ato de pesquisar. E este não foge à regra. Minha trajetória profissional fez e refez os rumos de minhas indagações: se até um determinado momento eu buscava conhecer os processos cognitivos envolvidos na leitura e produção de textos com a intenção de bem ensinar as crianças, em outro, a interação, o planejamento, a intervenção possibilitadora do amadurecimento dessas atividades, a adaptação curricular e a inclusão passaram a ser minha preocupação central.
Primeiro, porque nesses dez anos de docência percebi que muitas vezes, inconscientemente, alimentamos os estereótipos e afastamos da escola os alunos que por algum motivo sentem-se ou são tratados com diferença; segundo, porque nos últimos dois anos tenho trabalhado em Classes de Projetos Especiais, onde percebi que a Educação Especial estava sendo duplamente classificatória e excludente, uma vez que nessas salas os alunos eram subdivididos em grupos por “habilidades”, “níveis” diferenciados.
Assim, os que estavam no “nível I” sentiam-se desprestigiados por aqueles que foram “nomeados” como pertencentes ao “nível III”, por exemplo. Na verdade, a intenção dos profissionais ao fazer essa divisão era louvável, porém os efeitos desse ato foram negativos, pois os alunos que não avançavam “em níveis”, sentiam-se desestimulados.
Percebo que resignificar o fazer pedagógico é um grande desafio que se coloca para o professor contemporâneo. A inclusão ainda é um assunto inquietante que instiga muitas dúvidas. Na instituição em que trabalho há uma tentativa de realizá-la, porém percebo que ainda estamos distantes dessa realidade por fatores vários, entre eles as estratégias avaliativas; ação que talvez se justifique pelo fato de sermos todos frutos de um processo histórico escolar e, por consequência, tendenciarmos a nos remetermos às nossas experiências para realizarmos o trabalho docente.
Sabemos que ao efetivar a prática educacional com os alunos especiais alguns fatores tornam-se relevantes: o conhecimento ou experiências docentes anteriores, a concepção internalizada pelo professor do que seja o próprio processo educacional, a consciência acerca dos papéis que devem ser assumidos pelos sujeitos escolares (mediador, o educando, o coordenador, o professor de apoio).
Na verdade, como muitos professores da educação especial, estou em busca de procedimentos que reduzam as incertezas; ampliem o campo de ação, auxiliando-me a relacionar teoria e fazer pedagógico de modo que na ação educativa todas as crianças possam ser contempladas, independentemente de suas condições intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas e outras.
Agradeço, desde já, a atenção dispensada e quiçá a oportunidade de participar dos estudos oferecidos na disciplina em que me inscrevo. Hoje vejo a educação por lentes turvas das incertezas de quais caminhos devo seguir.
Cordialmente, Fabiana Tavares
Recife, 30/08/2006
Cheguei à aula com uma noção bem embrionária e ainda equivocada do que seria inclusão educacional: pessoas com e sem deficiência convivendo no mesmo espaço pedagógico. Os textos que li, as pesquisas que fiz não mobilizaram atitudes diferentes das que eu efetivava na sala de aula. O conceito de inclusão foi o primeiro a ser desconstruído a partir das intervenções, provocações e orientações do professor Francisco Lima: “quando nos referimos à inclusão, devemos ter ciência de que estamos falando da sociedade, da escola de todos, com todos e para todos. Estamos falando de etnia, de gênero, de orientação sexual, de classe social, de deficiência etc. Na inclusão, todas as pessoas indistintamente são vistas como sujeitos de direito e precisam ser respeitadas em suas singularidades”.
O acervo teórico da disciplina era quase que completamente em língua inglesa, o que me estimulou a estudar o idioma, a traduzir os textos, a construir sumarizações .
Primeiro, refletimos sobre o modo como a sociedade sempre se referiu às pessoas com deficiência, atribuindo-lhe uma condição inferior, marcada pela compreensão equivocada de deficiência enquanto doença, de deficiência enquanto diferença reducionista da potencialidade humana. Compreendi então a inadequação dos termos “alunos especiais”, “estudantes excepcionais”, “pessoas diferentes”, “alunos portadores de deficiência”, “alunos deficientes”, “alunos com necessidades especiais”.
Ao perceber que essas expressões estavam esteadas em modelos de entendimento da deficiência, eu me percebia como produtora e reprodutora do processo excludente o qual os meus alunos e outros tantos sujeitos com deficiência vivenciavam.
O processo foi doloroso porque sempre busquei respeitar o ritmo de aprendizagem, as potencialidades de meus alunos, no entanto, comecei a perceber que eu também reproduzia, vivificava, difundia barreiras atitudinais e o pior foi enxergar que a escola, as salas especiais perfeitas eram de vidro. Mas não fiquei vivendo o luto de uma ideia romântica e equivocada, não fiquei entre o desejo e a vontade de mudança, comecei a socializar os textos agora traduzidos com os colegas professores, comentava o que eu vinha aprendendo, estudando, descobrindo, percebendo. Entrei em crise epistemológica provocada pelas reflexões inclusivistas, um percurso natural, inevitável, necessário porque
[...] a inclusão é produto de uma educação plural, democrática e transgressora. Ela provoca uma crise escolar, ou melhor, uma crise de identidade institucional, que, por sua vez, abala a identidade dos professores e faz com que seja ressignificada a identidade do aluno. O aluno da escola inclusiva é outro sujeito, que não tem uma identidade fixada em modelos ideais, permanentes, essenciais. (MANTOAN, 2003, p. 17)
Em meio ao conflito entre o que eu aprendera e o que a escola exigira, comecei a efetivar uma atividade socilitada pelo professor Francisco Lima: investigar a efetivação de barreiras atitudinais nos mais variados espaços sociais, principalmente na escola. Era um desafio e tínhamos que escrever um artigo como trabalho final da disciplina. Comecei, então, a registrar no caderno de anotações o que eu observava na escola durante o intervalo dos alunos, na conversa entre os professores; fazia também uma autoavaliação das situações de aprendizagem que eu propunha. A partir dessas ações, consegui compreender a definição postulada por Freire (2005, p. 13) sobre a consciência humana: “A consciência é essa misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes.”
Aquele entendimento analisado do lugar histórico-social em que me encontro hoje me faz realmente crer na assertiva freiriana de que a consciência do mundo e a consciência que temos de nós mesmos devem crescer juntas e em relação direta; uma sendo a luz interior da outra, uma comprometida com a outra, pois “as consciências não são comunicantes porque se comunicam; mas comunicam-se porque comunicantes. (FREIRE, 2005, p. 15). A consciência era agora a estranha inquietude que não mais me permitia deixar de buscar subsídios para tornar a sala de aula e os espaços de difusão cultural ambientes respeitosos, acolhedores à diversidade humana.
Em alguns encontros, o professor Francisco Lima chegou a sugerir que gravássemos e ouvíssemos as aulas que ministrávamos, com o objetivo de identificar se, quando e como praticávamos ou contribuíamos com a eliminação de barreiras atitudinais. Era quase que uma experiência de pesquisa autoscópica . Gravei algumas aulas e percebi, por exemplo, que trazia problematizações aos alunos, mas que eu mesma as respondia, muitas vezes.
Nesse período, Lívia e eu nos encontramos algumas vezes para estudarmos juntas, discutirmos sobre os textos, a pesquisa dela, a minha, as intervenções e questões difíceis trazidas pelo professor que, na época, era o orientador da minha amiga. A minha pesquisa de especialização foi mudando de foco, de forma, foi surgindo outro objeto de estudo (uma nova porta). As orientações de Hugo, as discussões com a Lívia e as reflexões propostas por Francisco contribuíram para a construção de um texto mais fiel ao processo que eu vivenciava enquanto docente e pesquisadora. Enfim, foi assim que finalizei a monografia “A pessoa com deficiência e as barreiras atitudinais na literatura infanto–juvenil”. O estudo foi socializado em oficinas, minicursos, comunicações, anais e capítulo de livro .
Na monografia, uma nova compreensão de literatura, de inclusão, de barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência
[...] O estudo revelou que o olhar atento do educador ao selecionar os textos literários e mediar a experiência leitora é um fator imprescindível, pois a escola é um dos principais locais onde a Literatura Infanto-Juvenil circula, é o lugar onde a construção do conhecimento é sistematizada, onde os valores da Igualdade, da Liberdade e da Fraternidade devem ser alicerces da superação de todas as formas de exclusão da pessoa com deficiência. A literatura, por seu turno, permite que o leitor pense e experimente o mundo, traz aspectos impregnados de valores socioculturais; elementos que formam, alimentam subjetivamente quem a ela tem acesso. Tudo o que circula na escola, tudo o que é escolarizado, merece atenção especial do mediador, pois cada parte constituinte deste acervo poderá ser alicerce para uma sociedade de e para TODOS, ou poderá ser a fissura em uma tentativa de prática inclusivista. (TAVARES, 2007, p. 8)
A pesquisa na especialização e a construção da monografia atingiu o objetivo de socialização dos conceitos apreendidos no curso de pós lato sensu e na disciplina do curso de mestrado TÓPICOS ATUAIS EM EDUCAÇÃO II – Temática: BARREIRAS ATITUDINAIS: Inclusão e Acessibilidade.
As aulas da UFPE estavam chegando ao fim, entreguei ao professor Francisco Lima um artigo intitulado “A estigmatização e marginalização das pessoas com deficiência no ambiente escolar: uma questão de barreiras atitudinais”. Nas dezesseis páginas do texto, eu ainda tateava a compreensão acerca do tema e conversava com Sassaki (1997, 2003); Rosita Edler (2006); Peter Mittler (2003); Rosana Glat (1995); Bianchetti e Freire (2004), Lima (2006). Da literatura desses e de outros estudiosos surgiram novos questionamentos que me conduziram a buscar respostas nos encontros presenciais do Centro de Estudos Inclusivos.
No CEI descobri que o estudo sobre a existência e a manutenção das barreiras atitudinais foi iniciado no Brasil, em 2000, pelo professor Francisco Lima. Ele registrou as primeiras reflexões sobre o tema no texto “Questão de Postura ou de Taxonomia? uma proposta”.
Em 2005 quando comecei a estudar sobre barreiras atitudinais, em parceria com Lívia e, depois, sob a orientação do professor, percebi que é uma temática que pode ser situada na materialização de preconceito e de discriminação nutrida em contextos vivenciados por pessoas que estão em situação de vulnerabilidade por questões de etnia, gênero, orientação sexual etc.
Ao término da primeira disciplina que cursei no mestrado, o professor Francisco foi parceiramente orientando-me e reconstruindo caminhos, burilando, alterando, complementando o texto resultante dos estudos propostos. Posteriormente, inscrevemos o trabalho no EPENN (Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste), em 2007, com o título: “Barreiras atitudinais: obstáculos a pessoa com deficiência na escola”. O trabalho não foi aprovado, sob o argumento de que o conceito de barreiras atitudinais não tinha sustentação científica. O mais surpreendente é que em 2006, no maior tratado de direitos humanos que já se teve na história da comunidade humana, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006), o conceito de barreiras atitudinais surge na base do conceito de deficiência e de pessoa com deficiência. Esse documento, tornado posteriormente lei no Brasil (Decreto legislativo nº 186/2008; Decreto nº 6.949/2009), talvez não fosse ainda objeto de estudo do grupo avaliador/avalizador do evento.
O texto sobre barreiras atitudinais compôs o acervo de fundamentação teórica da dissertação construída por Lívia, “Barreiras atitudinais nas instituições de ensino superior: questão de educação e empregabilidade”. Essa dissertação, defendida em 2007, no Centro de Educação (CE – UFPE), foi a primeira produzida no Brasil sobre o tema barreiras atitudinais.
Em 2008, aquele artigo, construído pelo professor Francisco e por mim, foi publicado no livro “Itinerários da inclusão Escolar”, organizado por Olga Solange H. Souza, publicado pelas editoras AGE e Ulbra.
A socialização desse texto em suportes diferentes tem atingido um maior quantitativo de pesquisadores, professores, pessoas que buscam compreender os entraves a inclusão e, inúmeras vezes, procuram erradicá-los. Muitas dessas pessoas, residentes nos diversos estados brasileiros, têm, através do CEI, mantido contato, socializado entendimentos e experiências, denunciado situações em que as barreiras atitudinais são tão danosas que podem chegar a colocar a pessoa que a recebe numa condição opressora, subumana.
4.2- Individualidade e formação
Muitas questões relacionadas à constituição identitária do educador foram respondidas no curso da disciplina “Individualidade e formação”. A carta de intenção construída como pré-requisito para seleção de alunos especiais para o curso desta disciplina sinaliza o alargamento de compreensões acerca da inclusão educacional e das muitas questões que me moveram a buscar (in)formação em suportes diversos.
Carta de intenção
SELEÇÃO PARA ALUNO ESPECIAL 2007.1
Linha de pesquisa: Didática específica dos conteúdos
Prof /Dr Francisco José de Lima
Disciplina: INDIVIDUALIDADE E FORMAÇÃO Código: ED-973
Candidata: Fabiana Tavares dos Santos Silva
Prezado professor Francisco Lima,
A necessidade de continuar os estudos acerca da teoria da inclusão social/educacional me move a desejar cursar a disciplina Individualidade e Formação. Como afirmei há algum tempo, na minha trajetória profissional novas indagações têm surgido: se em um momento anterior eu buscava compreender os fundamentos axiológicos da inclusão, agora, pretendo buscar conhecimentos, percursos que norteiem a construção da autonomia individual dos alunos com ou sem deficiência e do próprio professor–mediador, agente de mudanças.
No segundo semestre de 2006, tive a oportunidade de cursar, na condição de aluna especial, a disciplina Barreiras atitudinais e acessibilidade. Uma experiência singular, a qual me fez ampliar a agudez no olhar. Primeiro, em relação às minhas atitudes, depois, em relação à percepção das ações coletivas / excludentes / discriminatórias praticadas em razão da compreensão que se tem das pessoas com deficiência.
Hoje, acredito ainda mais no potencial da pessoa com deficiência e busco saberes que subsidiem a pedagogia inclusiva. Saberes os quais se tornarão sabor em minha formação conjunta aos estudantes e aos colegas de trabalho. Acredito numa formação educacional crítica e libertária, que resgate a identidade individual antes de se partir para um contexto mais amplo.
Considerando, pois, o que aprendi na disciplina anterior, pontuo algumas reflexões iniciais sobre o tema individualidade e formação: penso que, infelizmente, em muitos casos, a individualidade da pessoa com deficiência passa a ser uma pseudoindividualidade e a formação, uma semiformação. Pseudoindividualidade, pois, utilizando a justificativa de que “se sabe o melhor para a pessoa com deficiência”, são muitos os que a destituem de autonomia para a resolução das mais rotineiras e simples situações. Semiformação, porque a essas pessoas tem sido oferecida uma educação diferenciada, a qual objetiva “prepará-las”, “unificá-las” aos outros, para só depois terem uma pseudoparticipação na vida sócio-político-cultural do país. É um processo de deterioração que está relacionado diretamente à educação, à sociedade como um todo.
Reconheço que as relações sociais, que fundam os processos individuais, são caracterizadas por tensões, por equilíbrios e estão vinculadas tanto à solidariedade quanto à coação. O homem constrói sua individualidade de forma contraditória, pois, ao se singularizar, ele é apoiado e constrangido. É singularizado pelo nome que recebe, pelo ato de saudação do outro, pelos papéis atribuídos e expectativas postas. Agora imagino como, subjetivamente, sente-se um indivíduo que perde sua identidade em detrimento de apenas uma característica física, a ausência de um sentido ou uma deficiência intelectual. Como vivenciar a individualidade se as generalizações, os rótulos, as substantivações e adjetivações são tão constantes na vida das pessoas com deficiência?
Essas reflexões foram suscitadas, como afirmei, no curso da disciplina anterior e elas me conduzem a pensar que posso me tornar melhor profissional, melhor pessoa humana ao passo em que me transponho para o lugar de aprendiz e vou descobrindo parceiramente os caminhos significativos para a aprendizagem de todos.
Professor, a partir do exposto, reafirmo a necessidade de buscar, através dos possíveis conteúdos vivenciados nesta disciplina, Individualidade e Formação, compreender o indivíduo em sua concreticidade, pois essa não se apresenta ao educador enquanto decorrência imediata do fato de ele estar em contato com o aluno. Além do mais, conhecer a concreticidade do indivíduo não se limita, para o caso da atividade educativa, ao conhecimento do que ele é, mas também ao conhecimento do que ele pode vir-a-ser, se a ele for dada a oportunidade e condições de fazê-lo, e se ao mediador forem fornecidos subsídios para uma atuação em prol da educação de e para Todos indistintamente. É isso o que busco: subsídios para ler e agir nesse processo, sob a égide da inclusão.
Agradeço, desde já, a atenção dispensada.
Cordialmente,
Fabiana Tavares
Recife, 18 de abril de 2007.
No dia 23/05/2007, o professor Francisco Lima expôs os pressupostos que nortearam a disciplina “Individualidade e Formação” . Já nesse momento introdutório da disciplina, percebi que o vir-a-ser do indivíduo, enquanto síntese de inúmeras relações sociais é um processo situado no interior de um processo maior: o do vir-a-ser histórico do ser humano enquanto um ser social.
Na aula em comento, discutimos a ideia de que o indivíduo é mutável, dinâmico e vai moldando-se, modificando-se a partir de pressupostos individuais construídos de alguns aspectos intersubjetivos, entre eles, a nossa história de vida familiar e acadêmica.
Neste sentido, a história mundial não pode ser vista como fator determinante da história do indivíduo. Esse determinismo histórico é um dos pontos sobre os quais discutimos ao longo dessa disciplina, cujo objetivo era o de que construíssemos competências para interpretar a fala dos alunos, não necessariamente da maneira que ela é dita; uma vez que cada fala é diferente uma da outra, vem imbuída de valores diversos.
O professor Francisco nos propunha pensar que, no contexto educacional, muitas vezes os alunos dão sinais, falam a mesma coisa, em linguagens distintas, porque eles são distintos, mas nós, professores, sequer percebemos esses sinais – a evasão escolar é resultante do emudecimento dessas vozes. Um procedimento que pode estar esteado em barreiras atitudinais.
Para ilustrar esse processo, o professor propôs uma analogia entre o que os docentes fazem com seus alunos e o que se faz com a massa de um pastel. Com a massa do pastel todo um processo é feito para nivelar espessura e nenhum dos lados deve ficar disforme. E com os nossos alunos, o que temos feito com os que não “alcançam” a turma? Historicamente, temos juntado e “jogado” novamente esses alunos na “massa” sem nos preocuparmos se de fato eles convivem e avançam harmoniosamente com o grupo, numa atmosfera de respeito mútuo. Por vezes, temos deixado a massa desnivelada em separado, aumentando o bolo dos excluídos.
Mais adiante, discutimos que o docente deve reconhecer a si e ao aluno como seres indivisíveis. Logo, a homogeneização e a padronização precisam ser eliminadas da escola. Sob esta percepção, cabe ao professor questionar-se: Qual a fôrma ou a forma estou utilizando para ensinar?
O professor Francisco solicitou que, como parte da evolução desta disciplina, socializássemos a nossa história individual e, considerássemos, a somatória, a composição de todas as experiências como elemento imprescindível para a nossa formação.
No decorrer da disciplina, construímos três concepções: a de indivíduo, a de formação e a de avaliação. Vimos que cada pessoa deve ser compreendida e tratada como um ser indivisível, logo, destacar a deficiência em detrimento do todo, fragmentar as potencialidades dos alunos são ações danosas à formação da identidade de pessoa humana.
É claro que em determinados momentos somos reconhecidos por outros ou por nós mesmos, por uma ou mais de uma das nossas características, no entanto, essas características não são o todo de nós. Não sendo o todo de nós não podem ser destituídas de nós como um todo e não podem ser ignoradas, ou seja, não somos uma só de nossas características, nem podemos ser nós próprios, sem essas características. Por exemplo: uma pessoa de origem regional X não é a origem regional, mas não se pode ignorar a origem regional dessa pessoa pelo simples fato de que a história de uma pessoa não é apenas a história de uma de suas características, mas o conjunto delas. Cada um de nós é o resultado de uma construção histórica, de nossas experiências, bem como o resultado histórico da construção das experiências daqueles que nos precederam. (LIMA, 2007).
Desta forma, somos fruto de uma história que transcende a nossa própria. O legado dessa história influencia na nossa formação e as nossas atitudes. Essa formação se dá desde o momento em que nascemos. Essa é uma das razões que faz das barreiras atitudinais elementos psicossociais de difícil remoção. Contudo, temos de estar cientes de que a história que nos precede faz parte da nossa formação, mas não a determina.
Assim, conhecendo a história entende-se o presente e entendendo o presente constrói-se o futuro, é neste percurso que temos mais chance de construir o futuro que tem a pressa do agora quando se trata da eliminação de barreiras atitudinais.
Conhecimentos históricos servem para que possamos refletir, discutir ou até mesmo discordar daquilo que naturalmente era aceito por outros. Um bom exemplo citado pelo professor foi a escravidão, o açoite, a falta de respeito e o tratamento desprezível dispensado ao negro. Muitos discordavam daquela situação. O que de fato se percebe ainda hoje é que há pessoas que discordam de situações e não agem, por outro lado são poucos os que ao se depararem com desigualdades lutam por justiça. Sem ação a inclusão educacional não se efetiva.
Na área de Educação muita gente fala, mas poucos agem. O fato de estarmos discutindo/refletindo sobre educação numa pós-graduação deve, portanto, implicar numa ação. A ação de formar não se restringe à aquisição de conhecimentos historicamente construídos, a aquisição de uma literatura ou teoria, mas formação implica em ação (formar em ação na ação de formar e cientes de que na medida em que estamos formando, estamos sendo formados). (LIMA, 2007).
No momento em que se dá essa formação é importante compreender que, mesmo o ensino sendo coletivo, a aprendizagem é individual, e que é necessário respeitar as particularidades de cada pessoa. Na verdade, sob a ótica da inclusão, não se pretende fazer um ensino individualizado, mas que se respeite a individualidade. Corroborando essa assertiva, Mantoan (2003, p. 32) esclarece que para atender a individualidade dos alunos deve-se abandonar “um ensino transmissivo e se adotar uma pedagogia ativa, dialógica, interativa, integradora, que se contrapõe a toda e qualquer visão unidirecional, de transferência unitária, individualizada e hierárquica do saber”.
Traduz-se, então, que enquanto professor é preciso conhecer o aluno, para só assim saber como ele conhece e ajudá-lo a chegar à aquisição do conhecimento.
Em outros termos, é necessário entender que no processo de ensino-aprendizagem, ao mesmo tempo em que o professor ensina, precisa aprender como o aluno aprende. Essa aprendizagem faz parte da formação constante do professor.
Essa formação é, portanto, contínua e tem múltiplas faces e fases que se complementam. Consoante Lima (2007), infelizmente, em muitos casos, os professores, que estão no ambiente formativo para corroborar na construção do conhecimento por parte do aluno, se quer formaram o seu próprio conhecimento. Através desta percepção, é possível compreender algumas das lacunas existentes no processo educativo inclusivista.
O professor que mesmo sabendo do conteúdo, se dispõe
[...] a aprender com o aluno, como o próprio aluno vai aprender, é que se caracteriza como um professor inclusivo. Contudo, é importante entender que as crianças ainda estão aprendendo a aprender e não conseguem verbalizar racionalmente as respostas que precisamos, ou seja, a forma que consideram mais confortável em aprender. Cabe ao professor procurar estratégias que atendam a peculiaridade individual para a aprendizagem. (LIMA, 2007).
Outra questão discutida em aula, ainda em relação a nossa formação, é que fomos preparados para não trabalhar os alunos com as diferenças, nem tão pouco com os que têm deficiência, seja física ou intelectual. A ideia é que alunos que apresentam deficiências devem estudar em salas especiais, pois não aprendem, são agressivos etc. Fomos erroneamente ensinados assim. E temos reproduzido essas representações sociais que estão na gênese das barreiras atitudinais
O que precisamos entender, de acordo com Lima (2007), é que mesmo a formação sendo para ensinar a alguns, cabe ao professor utilizar estratégias diversificadas que venham a atender a particularidade do indivíduo. Tudo pode ser usado como desculpa para justificar a não aprendizagem. As precárias condições físicas da escola, o baixo salário, a própria formação do professor etc. Ainda que essas variáveis sejam verdadeiras não podem ser dissociadas do todo, elas não deveriam ter o poder de interferência no processo, nem tão pouco impedir uma aula de qualidade.
Uma aula, sob a perspectiva da inclusão, será o espaço/tempo em que o professor deverá estar alerta para não produzir ou tonificar barreiras atitudinais, as quais geralmente se fazem presentes quando a escola mantém certas práticas consagradas que além de em nada auxiliarem na construção de conceitos atitudinais, continuam por manter o ensino para alguns alunos- “ensino para alguns alunos” — e para alguns, em alguns momentos, algumas disciplinas, atividades e situações de sala de aula.( MANTOAN, 2003, p. 33). Tais práticas constituem em:
• Propor trabalhos coletivos, que nada mais são do que atividades individuais realizadas ao mesmo tempo pela turma.
• Ensinar com ênfase nos conteúdos programáticos da série.
• Adotar o livro didático como ferramenta exclusiva de orientação dos programas de ensino.
• Servir-se da folha mimeografada ou xerocada para que todos os alunos as preencham ao mesmo tempo, respondendo às mesmas perguntas, com as mesmas respostas.
• Propor projetos de trabalho totalmente desvinculados das experiências e do interesse dos alunos, que só servem para demonstrar a pseudoadesão do professor às inovações.
• Organizar de modo fragmentado o emprego do tempo do dia letivo, para apresentar o conteúdo estanque desta ou daquela disciplina, e outros expedientes de rotina das salas de aula.
• Considerar a prova final como decisiva na avaliação do rendimento escolar do aluno. (Idem, Ibidem)
A autora explica que esses procedimentos tonificam a exclusão escolar, alcançando todos os alunos, independente da existência de dificuldades de aprendizagem ou de deficiência. Certamente a pouca ou nenhuma ênfase aos conteúdos atitudinais (cidadania, justiça, solidariedade, respeito à integridade do outro, ética etc) deixa espaços vazios para que as barreiras sociais possam se propagar e perpetuar na interação entre os alunos.
Lima (2007) afirma que a prática pedagógica inclusiva exige que o professor tenha clareza da melhor forma de utilizar os recursos que possui. Nessa linha, o ideal seria ter todo um aparato que desse suporte ao trabalho do professor, mas mesmo assim ainda nos depararíamos com aprendizagens variadas. Portanto, o papel do professor é de ganhar o aluno para a aprendizagem e o tratar como indivíduo.
Ao assumir essa postura, devemos reconhecer que não podemos transformar a história, mas temos o poder de transformar a nós mesmos e emanar para os outros respeito, consideração e fraternidade. Na formação promovida pelo PPGE/UFPE tive, a partir das reflexões suscitadas nas disciplinas, a oportunidade de abrir a porta rumo a esse entendimento. Compreendi que a mudança, a transformação das atitudes deve ser do singular para o coletivo, sem, contudo, perder de vista que o inconsciente coletivo está presente nas nossas ações diante da pessoa com deficiência, o que torna necessário uma constante autoavaliação e revitalização da compreensão dos preceitos inclusivos, através de sua efetiva prática.
A educação, elemento motriz para a mudança social, é de responsabilidade da Família, da Sociedade e do Estado. Não podemos, portanto, deixar de lembrar que o professor é Sociedade e Estado. Esse entendimento, esteado numa analogia proposta pelo professor Francisco, ao utilizar em sala de aula o texto “O gato de Schrödinger”, clarificou a assertiva de que só podemos interferir numa realidade quando temos conhecimento dela.
Traduz-se daí que para que a inclusão educacional seja efetivada é necessário que o professor aprenda a ser inclusivo sendo (LIMA, 2006), aprenda a reconhecer os obstáculos neste processo, aprenda a identificar e erradicar as barreiras atitudinais nutridas em ações individuais e em atitudes comuns, é preciso que o professor aprenda que todo observador é observado e que o indivíduo observado sofre com a observação e tende a si transformar.
No decorrer das discussões propostas/efetivadas na disciplina “Individualidade e Formação”, compreendi que a nossa identidade é constituída pelos vários papéis sociais que assumimos. Como disse certa vez o professor Francisco Lima, “nós não somos apenas alternativos, somos aditivos, somos “e” ”. Ou seja, não temos a possibilidade de dizermos que somos sempre do mesmo modo.
Esse debate possibilitou o acesso à porta que conduz à compreensão de que a exclusão praticada através da alternativa, ou um ou outro, muitas vezes nos direciona à prática da avaliação escolar: a) como manifestação de exclusão do outro (barreira atitudinal de rejeição); b) como juízo antecipado sem fundamento de que alguns alunos não aprenderão (barreira atitudinal de baixa expectativa); c) como comparação pejorativa dos resultados alcançados por alunos sem e com deficiência (barreira atitudinal de inferiorização); d) como a apreciação depreciativa de potencialidades desenvolvidas pelos alunos com deficiência (barreira atitudinal de menos valia); e) como a supervalorização de resultados, porque baixa era a expectativa em relação ao aluno ( barreira atitudinal de adoração do herói) etc.
Ao efetivar a avaliação, nem sempre o formador consegue identificar tais barreiras. E mesmo quando consegue percebê-las, nem sempre tem tempo hábil para naquela situação rompê-las. Por isso dizemos que cada um também tem seu tempo. Há coisas que só vão fazer sentido para nós muito tempo depois do fato ter ocorrido, a exemplo de muitas das ações que eu realizara nas salas especiais, pensando que era o melhor caminho.
Durante a disciplina, Francisco (2007) esclareceu que ao formarmos a compreensão acerca do trinômio: formação, identidade, avaliação, estamos sendo sempre atores e porque não espectadores desta história. Espectadores compreendidos como aqueles que recebem, assistem ao teatro, ao trabalho do aluno, porque quando agimos enquanto professores, estamos propiciando com que um script, um texto seja veiculado e depois nós vamos assistir na plateia, ou ainda na resposta da plateia, na fisionomia, no riso aquilo que estamos, enquanto ator, transmitindo.
Guardo na memória a afirmação feita por Lima no último dia de aula da disciplina, essas palavras sintetizam o percurso que deve ser efetivado pelo professor inclusivista: Defendemos a Inclusão, qual seja, o modelo teórico que prevê a formação da criança pequena de tal sorte que sua consciência para o respeito e para a dignidade do outro permitam que ela quando adulta tenha posturas as quais, muitas vezes, não temos visto: o adulto que respeite o outro, pelo que o outro é e não pelo que tem, pelo que pode cooperar e não pela competição que o outro pode impor a si.
Ao comungar desse entendimento, busquei, no Centro de Estudos Inclusivos, abrir outras portas que oportunizassem a formação para uma prática mais ética, democrática, emancipatória, universal, prenhe de posturas críticas, autônomas, humanizadoras, acessíveis, transformadoras, enfim, uma formação para a prática includente.
5- Uma trança: o Centro de Estudos Inclusivos, a formação docente e a prática pedagógica
O Centro de Estudos Inclusivos, do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (CEI/UFPE), foi inaugurado no dia 04 de agosto de 2004 no auditório do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA/UFPE).
O CEI, consoante informações fornecidas pelo seu idealizador, o professor Francisco Lima, surgiu condicionado à provisão de recursos humanos e financeiros, tendo como objetivo fundamental inscrever na agenda educacional, política e social da Universidade Federal de Pernambuco a construção de uma sociedade inclusiva, que não se restrinja à Universidade, mas que, a partir dela, se emane para fora de suas dependências.
Na inauguração do CEI este objetivo foi firmado ao passo em que se explicitou como vocação deste centro:
[...] a promoção, o apoio e a realização de ações inclusivas (seminários, colóquios, encontros, conferências, pesquisas e trabalhos de extensão inclusivos), destinados a sensibilizar, formar, motivar, mobilizar a comunidade universitária,
em particular, e a opinião pública, em geral, nos seus mais diversos lócus - órgãos executores, governo (municipal, estadual e federal); autarquias locais e regionais; órgãos decisores, poder legislativo, poder judiciário; órgãos de comunicação social, imprensa, rádio, televisão, cinema, teatro e espetáculos musicais; órgãos de ações pró-cidadania, fundações, instituições, organizações não governamentais, nas áreas de educação, do trabalho, do lazer, do esporte,
da saúde, da moradia/habitação, da manifestação cultural, da soberania - política, religiosa e linguística - dos povos indígenas e de outros grupos “minoritários” -; da defesa de gênero e das opções sexuais; enfim, de todos os direitos humanos proclamados nas declarações e convenções que, sem discriminação, restrição ou preconceito a nenhuma pessoa humana, defendam os direitos humanos igualmente para todos.
No âmbito universitário, o Centro de Estudos Inclusivos, em parceria com os diversos segmentos universitários (dos alunos e dos funcionários/professores, da comunidade dos trabalhos de extensão, dos parceiros de pesquisa etc.) está vocacionado a:
1 - subsidiar, orientar e dar consultoria sobre questões inclusivas; desenvolver, promover, cooperar, apoiar, incentivar, divulgar a inclusão em toda a sua abrangência, envolvendo a inclusão de grupos vulneráveis (as crianças, os jovens, os idosos e as mulheres com deficiência) nas comunidades quilombolas, indígenas etc.; envolvendo questões de gênero, etnia, opção sexual/sexualidade de pessoas com deficiência ou não, envolvendo a opção linguística (educação bilíngue ou monolíngue) e a opção comunicacional (uso da língua de sinais, oralização e outros) dos surdos; envolvendo questões relativas à empregabilidade das pessoas com deficiência; questões de acessibilidade aos espaços físicos, acessibilidade à comunicação, acessibilidade aos serviços médicos e hospitalares pelas pessoas com deficiência; bem como envolvendo questões relativas ao lazer e ao esporte da pessoa com deficiência, e demais temas relacionados;
2 - oferecer orientação/consultoria aos centros, aos departamentos, aos laboratórios, às bibliotecas, à prefeitura, à reitoria e pró-reitorias, aos DAS e DCE, aos sindicatos etc., visando o acesso à melhor qualidade de ensino e aprendizagem dos alunos e professores com deficiência;
3 - oferecer orientação/consultoria aos centros, aos departamentos, aos laboratórios, às bibliotecas, à prefeitura, à reitoria e pró-reitorias, aos sindicatos etc., visando o acesso à melhor qualidade de vida no trabalho aos funcionários/professores com deficiência ;
Nesses seis últimos anos em que tenho participado das atividades propostas pelo CEI, no âmbito das contribuições para a educação inclusiva, posso afirmar que os subsídios que se oferece ao trabalho docente, através de informações, problematizações, reflexões esteadas em constructos teóricos e legais da inclusão social, incitam mudanças atitudinais que quando atingidas materializam, ética e cientificamente, os pilares da inclusão.
No CEI construi/socializei aprendizagens, conheci pessoas valorosas e firmei laços fraternos que também motivavam a participação nos encontros presenciais. Hoje, Ana Rosa Aroucha, Fátima Amorim, Lauricéia, Christiane Cabral, Marize Silva, Mª de Lourdes Oliveira, Iris, Cris, Ernani Ribeiro, Paulo Vieira, Anderson Tavares, Gustavo Tavares, Rosangela entre outros também compõem a extensão da minha família.
O Centro de Estudos Inclusivos tem um quantitativo significativo de partícipes, os quais sempre estão presentes em reuniões, eventos sobre acessibilidade, tecnologia assistiva ou através de contribuições no ambiente virtual, cujas discussões foram iniciadas em 21 de março de 2006 no espaço: http://br.groups.yahoo. com/group/centro_de_estudos_ inclusivos/ messages /1?l=1.
Em 14 de dezembro de 2006, comecei a contribuir com questões, entendimentos, socialização de materiais para que a experiência formativa nesse ambiente de aprendizagem trouxesse outros ângulos de percepção acerca da inclusão. A minha primeira participação consistiu na construção e socialização de um registro de reunião presencial, nele é possível perceber conceituações apreendidas no curso das disciplinas que estudei como aluna especial na turma de mestrado (Vide anexo A).
Num encontro vivenciado em 02 de fevereiro de 2007, o professor Francisco propôs que lêssemos, posteriormente, o texto da entrevista do Giba e analisássemos que barreiras atitudinais poderiam ser percebidas na superfície, nas frestas e na base das palavras.
5.1- As barreiras atitudinais podem se materializar em nossa linguagem e se cristalizar em nossas ações
Continuando a relatar o percurso de construção do conceito de educação inclusiva e da percepção de que as barreiras atitudinais surgem, muitas vezes, inconscientemente e são difundidas e tonificadas pela mídia, estratifico através de outro portfólio as aprendizagens construídas a partir das reuniões presenciais do CEI.
Nesse exercício, fomos convidados a abrir a porta da análise do discurso para o estudo das barreiras atitudinais.
08/02/2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA
As barreiras atitudinais se materializam em nossa linguagem, sem que as percebamos.
“(...) Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.(...)”
ANDRADE, Carlos Drummond de. Procura da poesia.
Larissa Purvinni entrevistou o jornalista Gilberto di Pierro. A temática foi a vida das pessoas que têm síndrome de down. Debruçando-nos sobre as afirmações dele, vemos o quanto o “verbo pode se fazer carne”, uma “carne” petrificada nas raízes de nossa sociedade, uma “carne” que obsta a construção de uma sociedade de todos, para todos e com todos.
Giba é jornalista, pai de três jovens, e um deles tem síndrome de down. O jornalista afirma, na entrevista, que apenas se preocupou com as pessoas com deficiência a partir do momento em que sentiu dificuldades em lidar com suas expectativas em relação ao filho que nascera, em relação ao olhar de algumas pessoas. Mas a palavra, essa é “úmida”, como diz o poeta, é “impregnada de sono”, e no sono deixamos que nossos pensamentos mais reprimidos venham à tona.
As palavras, meus caros, são traiçoeiras; revelam o que há de mais belo, mais verdadeiro, ou mais cruel no ser humano. Nossas ideologias penetram clandestinamente na superfície do nosso discurso, percebam, pois, como elas – as palavras – podem materializar os preconceitos e as barreiras atitudinais que nutrimos em relação à pessoa com deficiência.
Somos frutos e somos construtores dessa sociedade que hoje luta, ainda timidamente, pelo direito de todos. Mas as barreiras para que a equidade em direitos seja uma verdade estão em nós, sujeitos sociais que alimentamos uma postura cognitiva/afetiva/social a qual vem de encontro aos interesses, necessidades, a vida das pessoas com deficiência. Será que há como fugir do etnocentrism?, nem o Giba, pai de um jovem com down, estudioso, preocupado com a “socialização” (embora que pseuda) da pessoa com deficiência escapa dessa armadilha.
Na referida entrevista, em que ele fala sobre sua trajetória de pai de uma criança com síndrome de down e pesquisador das características da síndrome, o Giba demonstra as várias barreiras alimentadas pela palavra, pela comunicação. Observando atentamente, suas afirmações, constatamos:
Comparação: comparação de competências de pessoas com ou sem deficiência, pessoas de classes baixas X pessoas de classes altas, pessoas com “nível superior” X pessoas “sem informação”. [...]
Esses dois últimos binômios, segundo o entrevistado, são fatores determinantes para que a família tenha a “cabeça desenvolvida”, portanto, na visão dele, só as pessoas de “classes altas” e “nível superior” estariam preparadas para lidar com a síndrome. Ainda bem que era com a síndrome, embora pareça de fato que ele estava se referindo à pessoa com síndrome de down, na substantivação “o Down”. [...]
Numa coisa temos de concordar com o entrevistado: “as pessoas devem saber que é preciso ter uma responsabilidade comunitária”. Pensando nessa responsabilidade com o outro, com nós mesmos, com a vida, convidamos todos a ler a entrevista na íntegra, publicada na revista Pais & Filhos, publicada em janeiro de 2007. Os textos midiáticos muito influenciam as posturas de quem a eles têm acesso. Devemos nos preocupar com o eco das palavras de uma pessoa como o entrevistado, pois a ele serão dados muitos créditos, seja por ser pai de uma pessoa com deficiência, seja pelo trabalho comunitário e as pesquisas que realizou. Imaginem quantas posturas inadequadas podem surgir com a internalização de muitas das ideias expostas na entrevista!
Como vimos, ninguém está livre de escorregar na superfície das palavras. Sobre a face aparentemente neutra, perguntemos, investiguemos as “mil faces secretas”, como diria Drummond, palavras que “ rolam num rio difícil e se transformam em desprezo”, palavras que servem como justificativa para as barreiras atitudinais. (Vide portfólio na íntegra – Anexo B)
Palavras como as do Giba nos fazem compreender porque, muitas vezes, a inclusão é o caminho não escolhido. Perceber esse discurso a partir das lentes da filosofia inclusivista é ver que as receitas de compreender e interagir com a pessoa com deficiência devem ser decalcadas em sentido assimétrico.
Esse entendimento ancora-se nas reflexões propostas pelo coordenador do CEI, nos debates presenciais e virtuais. Um estrato de mensagem enviada para o grupo sobre a análise do discurso do Giba traz assertivas que foram centralidade para as reflexões acerca das bases da inclusão e possibilitam a compreensão sobre os elementos impossibilitadores da efetivação dessa filosofia.
08/02/2007
Olá, meus caros colegas:
[...] buscando oferecer subsídio para nossas discussões, venho trazer alguns comentários ao texto transcrito na íntegra, ao pé desta mensagem. Dele, extraí alguns trechos, os quais ofereço uma interpretação, a qual é apenas uma das muitas possíveis.
Reflitam!
Na entrevista vocês lerão afirmações como:
“Eu ainda encontro pais que continuam inconformados, eles ainda tentam fazer dos filhos absolutamente normais. E este bloco se baseou na inclusão, o que é uma crueldade. Quando a criança é bem pequena, você tem escolas pagas que aceitam sem problemas. Não existe mais essa resistência, isso é exagero da novela. E nessas escolas, quando a criança ainda é pequenininha, dá para alfabetizar. Num suposto ensino fundamental, começa o problema, pois um amiguinho rejeita o outro."
Bem, aqui o entrevistado parece não conhecer a realidade das pessoas com deficiência, menos ainda, das pessoas com down! Dizer que as escolas não rejeitam crianças com deficiência é alucinar mesmo! Em que planeta está este senhor?[...]
O entrevistado também erra em falar que o processo de "normalização está baseado na Inclusão. De fato, a normalização teve início bem antes e recebeu e recebe críticas importantes, até os dias de hoje. Assim como a Integração (que veio depois da Normalização), a Normalização teve papel crucial na construção do que hoje conhecemos como Inclusão, porém, é erro crasso, dizer que a Normalização está baseada na teoria da Inclusão.
Com efeito, pode ser que nem seja erro, porém intenção, visto que muitos que se dizem favoráveis à Inclusão, valem-se do discurso inclusivo, para, contra a Inclusão trabalhar. [...]
Notícias para esses faladores da segregação: As pessoas com deficiência não aceitam mais que, por elas, pessoas como o entrevistado, falem, ditem as regras, decidam! "Nada sobre Nós sem Nós", eis o lema. E este não é letra morta. [...]
A fala do entrevistado traz muito mais que meras palavras de um pai, cujo filho tem síndrome de down; de um pai que teve muitos anos de experiência com muitos outros pais de filhos com síndrome de down etc. A fala desse entrevistado representa toda uma compreensão de mundo, toda uma história que nos moldou e que de tanto enraizada em nós está, que não percebemos da sua influência sobre nossos atos e discursos.
Muito ainda há para se falar da matéria, contudo, deixo-os agora com a íntegra da entrevista, para a leitura e reflexão de vocês.
Cordialmente,
Francisco Lima ( Vide mensagem na íntegra – Anexo C)
O entendimento da origem, da conceituação, da taxonomia, das formas de manifestação das barreiras atitudinais, bem como dos prejuízos trazidos à pessoa com deficiência pela manutenção desses obstáculos e ainda do percurso para a eliminação deles é uma trilha sem fim iniciada desde o momento em que abri a porta de acesso ao conhecimento de que a inclusão é uma filosofia que exige ações: a ação de estudo contínuo; a ação de respeito e luta pela efetivação dos direitos humanos; a ação de buscar construir a consciência inclusivista individual e de contribuir para que se delineie o despertar/a mentalidade da coletividade; a ação de transformar a sociedade de alguns em espaço para todos; a ação de reconhecer que só se constrói pilares inclusivos na escola se todos estiverem engajados no processo. Nesse trajeto, compreendi que não há fôrmas, não há espaço para generalizações, padronizações ou particularização nas formas de interagir, de contribuir com a educação dos alunos com deficiência.
Essa percepção também se ancora em palavras como a do Fábio Adiron que em um texto intitulado “Vaticínios Trissômicos”, estudado em uma das reuniões do CEI, traz um “decálogo abúlico”, no qual, através de linguagem irônica, o autor apresenta aos leitores os percursos estereotipados que a sociedade indica para que os pais, familiares e amigos possam “lidar” com a pessoa com deficiência.
O texto, já em seu intróito, vai provocando estranhamento no leitor, seja porque o leitor já ouviu e/ou recebeu, forneceu tais orientações a alguém, seja porque as acha demasiadamente absurdas. Orientações que de um jeito ou de outro são nutridas pelo senso comum, pelas ideologias e como diria Pedro Demo (1995), pelo infinito número de “doutores treinados”, bons na competência formal e ingênuos ou malandros no plano dos conteúdos, usuários de uma ideologia inteligente que se traveste de ciência, ou melhor, de um discurso que se maquila de inclusivo para sustentar ações excludentes
Ancorados no senso comum, aparentemente “marcado pela falta de rigor lógico, espírito crítico, muitos procuram o bom senso ao mesmo tempo simples e inteligente, sensível, óbvio” (DEMO,1995), para agir diante da pessoa vista como desviante. O senso comum sustenta as crenças de incapacidade, o sentimento de pesar e tantas outras barreiras atitudinais nutridas por todos aqueles que dele fazem uso por constituir o saber comum que organiza o cotidiano da maioria. Um saber que histórica e frequentemente concedeu à pessoa com deficiência não uma, mas a condição subumana.
Alhures, baseados nas ideologias, há os que cumprem um papel justificador de posições sociais vantajosas.
(...) Ideologias intrinsecamente tendenciosas, no sentido de não encarar a realidade assim como ela o é, mas como gostaria que fosse, dentro de interesses determinados. Para deturpar a realidade de acordo com seus interesses a ideologia usa de instrumentos científicos, no que pode adquirir extrema sofisticação. Pode chegar à mentira, quando não só deturpa, mas inverte os fatos, fazendo de versões, fatos. (...) Ideologia é compreendida como sombra inevitável do fenômeno do poder, que dela lança mão para se justificar. Pode ser sagaz, não diz que é poder, que deseja dominar, que busca vassalos, que detesta contestação. Diz que é participação, desígnio de Deus, mérito histórico, boa intenção em favor dos fracos. Ideologia não é apenas sistema de crenças mundiais, maneira particular de ver as coisas, mas especifica justificação de serviço do poder (DEMO, 1995, p.19).
Com sarcasmo, é deste lugar de supremacia que Adiron “veste-se” com a “formalidade”, a “seriedade” e o “poderio” de quem em situação estratégica tem ditado regras, determinado o quotidiano de quem possui uma deficiência. Colocando-se como “oráculo supremo da sabedoria”, o autor em seu “decálogo abúlico” clarifica os estigmas, estereótipos nutridos em razão da deficiência por aqueles que desconhecem o potencial da pessoa humana. O texto é concluído com a seguinte citação do João Guimarães Rosa: ‘ O homem nasceu livre para aprender, aprender tanto quanto a vida lhe permita’
Assim, a relevância de todos nós, atores políticos, responsáveis pela existência de outrem tanto quanto pela nossa, querermos conjuntamente mais amor, solidariedade, respeito à pessoa humana, afinal somos “eus”, como diria o professor Francisco, que buscam aprender tanto quanto nos permitem os outros, tanto quanto pertencemos não apenas à espécie, mas ao gênero humano. Nas palavras de Leontiev (1978) e Duarte (1993), esse processo de genericidade é referente ao modo como cada indivíduo aprende a ser homem, pois o que a natureza nos dá quando nascemos não nos basta para vivermos em sociedade.
Um dos aspectos que fragiliza a convivência em sociedade é a confusão que se faz entre doença e deficiência. O conceito de doença aplicado a uma pessoa faz da pessoa um paciente que merece ser tratado, talvez por isso muitas famílias vivam em função da deficiência e se eliminem, por exemplo, depositando na criança o ônus de seus insucessos. (CERIGNONI; RODRIGUES, 2005).
É na família que, muitas vezes, o rótulo de desviante é sobreposto à criança. O modo como a própria estrutura e ideologia do sistema social devem sempre confirmar e perpetuar este rótulo, e como ele, eventualmente, se prolonga durante a vida adulta são elementos que estão na base dos estudos sobre barreiras atitudinais praticadas contra a pessoa com deficiência.
Certa vez, numa reunião presencial do CEI (08/11/2007), uma fala de um colega, o Juvi Passos, nos chamou bastante atenção: “Podem me chamar do que quiser, desde que meus direitos não sejam infringidos!”. Foi dito, na reunião, que precisamos ouvir as pessoas com deficiência para sabermos que caminhos devem ser percorridos de modo a contribuir para o empoderamento dessas pessoas. Muitas teorias já foram escritas, muitas discussões já refletiram sobre a nomenclatura mais apropriada para fazer referência à pessoa com deficiência; tentativas que, por vezes, nutrem a barreira atitudinal da generalização ou tiram da pessoa com deficiência o direito de ser reconhecido como sujeito singular, que apresenta como uma de suas características a deficiência. Por que temos de nomear o outro? Por que necessitamos de classificações, distinções? Tendenciamos a buscar estratégias para nos protegermos em relação ao que nos parece desconhecido e, para tanto, criamos categorias e classificações, visando nos posicionar e posicionar o outro.
Se a presença de uma pessoa com deficiência, geralmente, não passa “em brancas nuvens” (CRUZ, 1991), também não passam despercebidos os negros, as mulheres, as crianças, os pobres, a pessoa humana; pois a todo o tempo avaliamos o outro, essa atitude é inerente ao ser humano. Contudo, precisamos estar atentos para não derraparmos em nossas palavras, ações, posturas e não nutrirmos as ideologias históricas responsáveis pela manutenção das barreiras atitudinais geradas em razão do preconceito com as pessoas.
Conseguir vivificar a atitude atenta, vigilante a erradicação das barreiras sociais é também tonificar a compreensão de que incluir é aprender a viver com o outro, como diz Delors em seu relatório a UNESCO, ou melhor, incluir é viver, estar com o outro e cuidar do outro, ter um cuidado não no sentido caritativo, paternalista, mas na essência da humanização, da empatia. Incluir implica a valorização da diversidade, pois na comunidade humana não há como se exigir simetrias. Incluir é
[...] uma questão de PRINCÍPIO. Não dá para com jeitinho incluir ou incluir mais ou menos. Ouço dizer que é muito difícil conviver com pessoas com deficiências, que é complicado entendê-las, educá-las, aceitá-las, mas que temos o dever de nos relacionarmos com elas. Façamos um exercício extremamente rico, vamos ter um olhar às avessas para isso: difícil é não entendê-las, não educá-las, não aceitá-las. Eu vou além: temos mais que o DEVER, temos o DIREITO de nos relacionarmos com elas. Isso muda tudo. Quem se dispõe a experimentar está se dando a chance fantástica de crescer, pois, ao se ver espelhado no outro, descobre a riqueza do humano. (PELLEGRINELLE, 2004, p. 35)
Essa compreensão tem sido intensamente socializada com outros professores desde que os saberes que construí, nessa trajetória formativa, começaram a ser difundidos no exercício da docência no curso superior. No ano de 2008, abri então outra porta, cuja singularidade me conduziu a estudar a inclusão em outras faces e fases.
“...”
numa ocasião em que fui participar de um seminário sobre sexualidade na UEPB, enviei-o com antecedência para a professora Goretti.
Ela se interessou pelo tema, disse que gostaria de ser minha orientadora, caso eu fosse aprovada na seleção, e que o trabalho estava consistente. Infelizmente a professora adoeceu algum tempo depois e enviou uma mensagem dizendo que estava se afastando de todas as atividades laborais, mas que havia outros professores no programa que certamente se interessariam pelo projeto. Eu precisava de uma declaração de algum professor dizendo do interesse pelo tema, esse documento fazia parte da inscrição para seleção.
Observando atentamente os currículos dos professores, encontrei Helena Parente Cunha, ensaísta, poeta, contista, romancista, professora e tradutora e pessoa muito sensível. Li alguns textos escritos por ela. Gostei. Então, decidi contar-lhe sobre o contato com a professora Maria Goretti e a minha intenção em participar do processo seletivo, enviei-lhe o projeto, situado na linha de pesquisa Estudos Socioculturais pela Literatura.
Após alguns dias, a professora Helena escreveu um e-mail solicitando meu número de telefone. Foi uma grata surpresa quando ela ligou para saber do meu percurso profissional, da percepção que eu tinha da pessoa humana, da ciência, da docência, da literatura. Ao fim da conversa, Helena disse que mesmo morando no Rio de Janeiro e eu no interior de Pernambuco seria um prazer fazer parte desse percurso, que eu demonstrava segurança, sensibilidade, ciência, que seríamos parceiras na empreitada. O que mais me surpreendeu neste processo é que o projeto, de algum modo, trazia como centralidade o estudo de barreiras atitudinais. O tema que foi recusado na seleção na UFPE.
Vez ou outra conversávamos por e-mail. Eu estava feliz porque uma pessoa sensível, competente como Helena, tinha ratificado a pertinência do percurso acadêmico/formativo, discursivo que eu vinha construindo.
Próximo ao período de seleção, fui participar de um congresso internacional de tecnologia na educação, realizado no Centro de Convenções em Olinda, lá encontrei Ana Rosa. Conversamos sobre o caminho acadêmico que eu estava percorrendo e Aninha insistiu que eu deveria novamente participar do processo seletivo na UFPE. Pensei muito, tanto que decidi fazer a inscrição no último dia, por insistência agora da minha família e de Ana Rosa. Aquele texto que havia sido reprovado por falta de orientador recebeu um novo formato, título, objetivos e metodologia. Pedi a Leila que lesse o texto e indicasse se qualitativamente era interessante investir no percurso. Resposta afirmativa.
Sem expectativa e sem que o professor Francisco Lima, meu possível orientador, imaginasse, fiz a inscrição, que foi homologada e segui nas demais etapas do processo. Reli meus fichamentos, voltei a ler textos em inglês sobre a temática e fui caminhando pelas etapas do processo seletivo, atingindo em cada uma a nota máxima ou algo bem próximo a isto. Nem acreditei quando no final do percurso observei que seguindo a ordem da pontuação específica e geral eu fui classificada como a primeira colocada da linha de pesquisa e do programa como um todo. Passei algum tempo para processar que eu estava ingressando em outra etapa da minha formação e que não tinha sido o trajeto que eu havia planejado para aquele momento. Foi difícil dizer a professora Helena que eu ficaria por aqui.
Iniciei o curso com muita vontade de aprender e trazer para a prática pedagógica os saberes construídos.
5.4.2- Contribuições das disciplinas no curso de mestrado
Durante o curso das disciplinas de mestrado encontrei professores muito interessados em trazer contribuições para que eu refletisse sobre o objeto de pesquisa a partir de outras lentes, mas também encontrei quem afirmasse que “o professor de português, matemática ou de outra área que não a pedagogia quando resolve estudar essa coisa de inclusão é porque não é bom profissional em sua área de atuação”. Fiquei impactada com a concepção reducionista de educação que se cristalizava neste discurso, o qual demonstrava a incompreensão da inclusão e o desrespeito e até preconceito com os estudiosos da área.”
“...”
5.4.3 - A Libras, o Braille e a Áudio-descrição: trilhos da acessibilidade comunicacional
Quando cremos e buscamos a educação para todos, inevitavelmente nos mobilizamos a conhecer recursos, tecnologias assistivas, códigos, caminhos que favoreçam a prática includente, a acessibilidade em todas as frentes de ação.
A compreensão de que a ausência de conhecimento de elementos que possibilitam a acessibilidade comunicacional pode gerar barreiras interacionais, atitudinais e fragilizar o empoderamento da pessoa com deficiência mobilizou-me, então, a conhecer a língua de sinais, o braille e a áudio-descrição.
Por hora, eu tenho sido a pessoa mais beneficiada neste processo porque desenvolvi outras habilidades, competências, acionei novos campos de aprendizagens e visualizei outros tantos caminhos laborais.
Há seis anos tenho estudado a língua de sinais e os alunos com deficiência auditiva são de fato meus instrutores. É uma maravilhosa troca. Também tenho contado com a orientação e os ensinamentos de Jenisson, meu querido amigo e professor de Libras e, por vezes, recorro a Ronaldo, meu aluno, meu amigo, meu instrutor em Libras. Ambos vivem com tenacidade a inclusão na prática docente e nos trabalhos sociais que efetivam, são pessoas dedicadas a disseminar a crença de que todas as pessoas devem ter seus direitos linguísticos e sociais respeitados.
Outro processo formativo valoroso tem sido a aprendizagem das técnicas da áudio-descrição. Sob o incentivo do professor Francisco Lima, participei do III e do IV curso de Tradução Visual “Imagens que falam”, respectivamente oferecidos em 2010 e em 2011. Tenho me dedicado a “aprender a ver”. No primeiro curso, conheci Liliana Tavares, grande parceira para os momentos de riso e de dor, conheci também Regina, Roberto, Patrícia, Flavia Machado etc. e junto a estes novos amigos tenho discutido sobre acessibilidade nos espaços de difusão cultural.
No decorrer dos cursos de áudio-descrição, em parceira com meu orientador, foram produzidos os seguintes trabalhos: A áudio-descrição ausente nas propagandas eleitorais; Áudio-descrição: promovendo o acesso a informações visuais de pessoas do nosso convívio; Subsídios para a construção de um código de conduta profissional do áudio-descritor; O surrealismo e a construção de imagens: contribuições da áudio-descrição para os alunos com deficiência visual ; Ler imagens: áudio-descrição da narrativa de Orlando Teruz; Áudio-descrição de animação: caminho para o letramento literário das crianças com deficiência visual; Chaves da Legitimação e da Aprendizagem Televisiva: Áudio-Descrição de um Herói Humano e de um Herói Mendigo (Estes artigos foram publicados ao longo das edições da Revista Brasileira de Tradução Visual/ RBTV.). Também escrevemos o texto: “Áudio-descrição: caminho para a acessibilidade e igualdade de condições na escola”, publicado no livro: “Educação: um mapa de múltiplas interpretações”, organizado por Eleta Carvalho, Ivanda Martins e Silvana Pina, publicado pela editora Libertas (2011). Também em 2011, construí, em parceria com Liliana, o relato “Áudio-Descrição Dinâmica e Interativa: O Empoderamento do Consumidor com Deficiência na XII Feira Nacional de Negócios do Artesanato, em Pernambuco”, publicado na RBTV volume 9.
Durante os cursos, também refleti sobre as barreiras atitudinais, ratifiquei o entendimento de que ao estudar sobre esses obstáculos sociais inevitavelmente vêm à tona trans-questões que, consoante Tardif (2006, p. 186), “são aquelas que alimentam e atravessam (‘trans’) várias problemáticas e várias disciplinas, várias teorias e campos discursivos, vários projetos políticos, ideológicos, socioeducativos e pedagógicos”.
No campo da áudio-descrição, as barreiras atitudinais podem obstar o empoderamento da pessoa com deficiência, fragilizar o serviço da áudio-descrição, quando, por exemplo, o áudio-descritor acreditando que o cliente não conseguirá compreender a obra, oferecer não apenas a tradução, mas a interpretação do que está sendo lido.
O processo de inclusão comunicacional surge como resultante de movimentos históricos, ideológicos, filosóficos que se imbricam na compreensão do que é ser pessoa com deficiência e do reconhecimento do direito de todos a todos os eventos sociais. Estar engajado nesse processo, conhecer as ferramentas promotoras da acessibilidade, reconhecer que toda pessoa humana pode desenvolver potencialidades é buscar ser professor inclusivista.
O professor inclusivo/inclusivista, sob o manto da ética, é, portanto, aquele que imprime a sua marca, o ethos, à ação docente pautada pela atenção, pela prudência, pela sabedoria, pela ciência, pelo afeto, pelo equilíbrio, pela verdade e pelo compromisso com todos os alunos.
Ao longo do processo formativo compartilhado aqui, mencionei situações, pessoas, questões, desejos, saberes. Falei do lugar do agora e olhei o passado como quem redescobri que o futuro é um contínuo de todas as frestas do que é importante e não apresentei neste espaço, do que desaguou neste momento e do que está no meu caminho singular e coletivo de constituição, de vir-a-ser. A cada pequena-grande etapa desta jornada, foi como se eu chegasse ao cume de longínquos montes, o que me faz relembrar a sensação suscitada por um sábio alerta de Magalhães Júnior:
[...] Lembre-se chegar ao cume do monte é apenas parte do desafio. Lembre-se, também, de que para valer a pena, a subida tem que ser divertida, por mais que seja árdua. Quem decidir voltar antes terá minha compreensão e simpatia. Quem perseverar até o cume, ou morrer tentando , terá meu respeito. Quem compreender que o topo é só a metade do caminho e descer com vida é tão importante quanto subir, terá minha admiração. Terá conquistado o pico e transformado a si mesmo no processo. Terá aprendido que a vida continua depois da montanha. Terá aprendido a pedir e dar ajuda. Terá sido carregado e terá resgatado algum colega que ameaçava ficar pelo caminho. Vai compreender, por fim, que escalar um monte não é algo que se possa fazer sozinho, por maior que imaginemos ser a nossa suficiência. Vai entender que é a escala, e não a conquista do topo, que nos define (2007, p. 199-200).
Mergulhar nas memórias, abrir portas, resgatar momentos de crescimento espiritual, científico, fraterno, rememorar apontamentos de aprendizagem foi buscar, qual escafandrista, dentre tantas ostras, a preciosa pérola, a porta, a mola propulsora da minha existência: o amor ao gênero humano, à ciência inclusivista, à educação e mais estritamente, o amor ao divino.
Neste trajeto da pesquisa, busco abrir a porta para uma discussão mais profunda acerca de como as barreiras atitudinais foram se cristalizando na sociedade; o que são tais barreiras; como elas tem se manifestado, fechando os caminhos para a interação, cristalizando atitudes inadequadas diante da pessoa com deficiência, incitando barreiras que de tão difíceis de serem removidas se tornaram densos entraves à inclusão, os quais ora são sutis, inconfessos, inadvertidos, inconscientes, ora são ruidosos e propositais.
Como veem, daquela pergunta feita por Lívia Guedes, dois caminhos se formaram, “I took the one less traveled by, and that has made all the difference”. Conhecendo-o, se quiserem seguir-me, narro-lhes, no tom da Ciência, mais que o caminho escolhido, mais que um itinerário singularmente partilhado com meu orientador, socializo o esforço, a alegria e a dor de quem fazendo pesquisa, conhece realidades, reflete e se torna, continuamente, pessoa mais humana.
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