Leiam o texto abaixo escrito por uma miúda do 8º ano...é lindo!
Se eu fosse cega ...
Está frio. Sinto-me só. Algo rugoso, duro e irregular está atrás de mim… a parede. Estou sentada num canto do meu quarto. Decidi abrir a janela. O aroma a folhas secas enche o ar. Sinto que o sol esmorece. Ouço com nitidez o som relaxante da chuva a cair na relva, de repente uma rajada de vento brinca com o meu cabelo e faz as portadas ranger. Um arrepio gelado percorre-me o corpo. Pensei que com o mais ténue raio de luz poderia ver, mas não podia. Era como se estivesse num túmulo. Ouvia todos os sons da labuta diária. Carros a buzinar, pessoas apressadas a passar e o vizinho do lado atento às notícias. Distingui porém, o chiar de umas sapatilhas. Tu.
Ai se eu pudesse ver! Se eu pudesse ver a tua cara… Serias tão perfeito por fora, como és por dentro? Seriam os teus lábios tão doces como as palavras que me sussurras ao ouvido? E que palavras! Palavras que vêm sempre quando a solidão já dói, quando o mundo parece estar contra mim. Seria o teu rosto hipnotizante como a tua voz aveludada? Seria o teu olhar profundo e cativante como tu? Seriam os teus olhos feitos de poeira de estrela e pintados com a cor do arco-íris? Cores que nunca vi. Mas eu vejo mais além. Mais do que as aparências e olhares falsos. Eu vejo a verdade, o perdão.
Desci apressadamente as escadas tacteando as paredes. Corri em direcção à porta. Lá estava ele. Os seus cabelos estavam húmidos, convertidos num mar revolto. Ele guia-me pela cidade. Afasta-me dos obstáculos e faz-me “ver” tudo com mais clareza. Dou-lhe o braço. Caminhamos juntos por este mundo. Cheio de odores e variadas texturas. Chegamos à escola. Um verdadeiro labirinto. Caminho pelo corredor e começo a ficar angustiada. As crianças antes riam-se alegremente, agora reina um silêncio sepulcral. E todos dizem o mesmo. “Deixem-na passar” ou “ Desculpa” sempre que a minha bengala se mete no caminho. Outros não querem saber e fazem comentários. Ainda há tanto preconceito.
Os cegos são sempre considerados “os coitadinhos” ou “os incapazes”, mas não é verdade. Prefiro pensar que somos diferentes. Por vezes temos sorte pois não temos de ver a desgraça e miséria que “cegam” os outros.
Estou em aulas e o tempo passa muito devagar. Consigo ouvir o tic-tac do relógio da sala. E sinto a brisa vinda de fora a acariciar-me a cara. Esforço me por não dar erros. A professora saiu. De longe ouvia-se o contínuo a resmungar com os miúdos mais novos e a empregada a queixar-se pois está exausta. Vários pensamentos inundam-me a cabeça e aula que tanto custava a passar finalmente acabou.
Voltei para casa, rodeada nos braços do meu amigo. O vento era cortante e sentia-me gelada. Mas quando senti o calor vindo de casa senti-me como se a flutuar no leito de um rio. A sensação era muito agradável. Despediu-se de mim com um caloroso abraço que fez o meu coração bater tão depressa como um martelo pneumático.
O meu pai estava a pôr a mesa. O som dos copos e dos talheres a bater fizeram-me lembrar a orquestra de sinos em que participei no Verão passado. A minha mãe estava a cozinhar. O aroma da comida espalhou-se pela sala.
Liguei o rádio. Estava a ouvir música clássica distinguindo os diferentes instrumentos. A música começava muito suave e simples. O oboé tocava apenas uma nota, sempre firme. Violinos e o flautim acompanhavam. Sempre com o seu timbre claro e brilhante. De repente, tomando o controlo e adoçando a melodia surge um clarinete. O piano embora mais escondido faz a música ter uma certa magia. Imaginei-me a tocá-lo. Sentir as teclas duras e lisas a percorrer os meus dedos e através deles sair uma bela melodia. De repente, alguém me chama. A minha mãe. Estava na hora de jantar.
O sabor era delicioso, agridoce. Sentia como se um frenesi se formasse na minha boca. Acabei o jantar e já estava a ficar tarde, por isso decidi ir dormir. Despedi-me dos meus pais. A pele da minha mãe era tão macia e delicada como um pano de seda. A barba do meu pai fazia-me cócegas. Fui para a minha cama. O edredão macio cobria-me não deixando o frio do exterior passar. Ouvi o cair das gotinhas vindas da torneira, o vento a fazer as árvores dançar e a chuva a cair suavemente. Esqueci todas as provocações e comentários do dia, daqueles que não sendo cegos não têm a capacidade de ver e finalmente adormeci.
Aprendi que “cego é aquele que não quer ver”.
Diana Vieira Teles, nº6,8ºB.
Publicado 12th January 2010 por Luísa Lamas
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