O artigo que hoje decidi trazer-vos torna-se um pouco extenso, mas ainda assim pareceu-me interessante e por isso decidi partilhar. Foi escrito pelo meu orientador de curso quando decidi ingressar na faculdade frequentando uma licenciatura em jornalismo e as experiências aqui relatadas pareceram-me iinteressantes sobretudo do pontode vista da comunidade surda a quem se destim em diferentes ocasiões nos anos de 2005 e 2013. São também aordadas muito por alto outras duas experiências igualmente dedicadas a este público num outro contexto que já não se refere à rádio portuguesa que tão bem conhecemos, mas sim a web rádios às quais só se poderá ter acesso por via da Internet, mas para que possam tirar as vossas próprias conclusões a respeito de tudo isto, deixo-vos então por aqui o estudo do meu professor publicado quase na íntegra, pedindo-vos antes de maisimensas desculpas por conseguir fazer deste post uma publicação tão alargada!
RÁDIO E INCLUSÃO: UMA ANÁLISE DE EXPERIÊNCIAS DE
RÁDIO PARA SURDOS EM PORTUGAL
LUÍS BONIXE
institUto PoLitécnico de PortaLegre, 7300-110 PortaLegre, PortUgaL
centro de investigação em comUnicação, inFormação e cULtUra digitaL
(cic. digitaL FcsH/nova), 1069-061 Lisboa, PortUgaL
resUmo
A rádio adquiriu um conjunto de novas ferramentas em virtude da sua mi-
gração para as plataformas digitais e, em concreto, para a Internet. Como de-
fendem vários autores, falar hoje de rádio, significa considerar este como um
meio multimedia e multiplataforma. A partir deste pressuposto, abrem-se novos
caminhos para a rádio, quer no que toca ao acesso, quer em relação à capta-
ção de novos públicos que estavam afastados deste meio. A comunidade surda
integrava naturalmente esse público incapacitado para escutar mensagens ex-
clusivamente sonoras. Cenário que se alterou com esta “nova rádio”. Em 2005
e 2013 a TSF e a Antena 1, respetivamente, realizaram duas emissões de rádio
com tradução para Língua Gestual Portuguesa. O presente artigo procura ana-
lisar essas duas experiências e lançar uma reflexão sobre o papel da rádio en-
quanto meio de inclusão da pessoa com deficiência e em particular dos surdos.
introdUção
Em 2005 e 2013 a TSF e a Antena 1, respetivamente, promoveram emissões
de rádio com tradução para Língua Gestual Portuguesa (LGP). Para além destes
dois casos, apenas encontramos em Portugal outros dois, mas realizados em am-
biente académico.
As iniciativas das duas emissoras não se repetiram, mas introduziram um debate
em torno das potencialidades da rádio enquanto meio de comunicação em mudança
para algo multimedia e que por essa via poderá atingir outros públicos até aqui im-
pedidos de escutar a rádio tradicional, entendida aqui como exclusivamente sonora.
Do ponto de vista da pessoa com deficiência, o passo dado por ambas as rádios
é muito importante na medida em que poderá representar uma nova via de promo-
ção da inclusão indo ao encontro de uma desejável universalidade, quer no que diz
respeito ao acesso de todos aos media, quer na representação mediática das várias
comunidades que compõem uma sociedade.
O presente artigo tem por objetivo caracterizar e analisar estas duas experiên-
cias realizadas pela TSF e Antena 1 e para tal procuraremos cruzar três dimensões
(entre outras possíveis para esta temática) que consideramos relevantes.
Em primeiro lugar, situamos estas emissões numa lógica de responsabilidade
social dos meios de comunicação, enquanto agentes da sociedade e que deverão,
por isso mesmo, contribuir para a integração dos vários públicos que a compõem,
independentemente das suas características enquanto indivíduos.
Num segundo plano, registamos a relação entre os media e a pessoa com de-
ficiência. Diversos autores têm sublinhado que, apesar de algum progresso nesse
sentido, os meios de comunicação continuam a representar de forma deficitária a
pessoa com deficiência.
E, por fim, sublinhamos o quadro de mudança pelo qual o meio radiofónico pas-
sa, na medida em que já abandonou a sua vertente esclusivamente sonora e que,
por essa via, adota um conjunto de ferramentas que lhe permitem chegar a vários
públicos, entre eles os surdos.
É nesta base que faz sentido falar da relação entre meios de comunicação e
pessoas com deficiência. E faz ainda mais sentido falar desta temática se olharmos
para a evolução tecnológica que confere aos media ferramentas que lhes permitem,
como nunca antes, oferecer modelos alternativos de comunicação potencialmente
mais integradores das diferentes comunidades.
media e incLUsão
Enquanto dispositivos de representação da realidade, os media têm a respon-
sabilidade social de se assumirem como elementos integradores das diversas co-
munidades existentes numa sociedade. Os meios de comunicação social devem,
por esse motivo, criar mecanismos que facilitem o acesso de todos os cidadãos à
informação e ao conhecimento.
A pessoa com deficiência está, aos olhos da sociedade, com frequência sujeita a
um conjunto de estereótipos que resultam, em boa medida, do desconhecimento que
se tem dessas comunidades. A exposição pública da pessoa com deficiência, se não
for feita de modo adequado e cauteloso será propiciadora de uma imagem distorci-
da da sua realidade e que contribuirá para gerar vulnerabilidade nesses indivíduos.
Os media, porque são construtores dessa realidade (Berger & Luckmann, 1999),
têm aqui um papel fundamental, não apenas no sentido de promoverem um acesso
de todos aos seus conteúdos, mas também, e provavelmente de maior importância,
criando modelos e formatos que proporcionem a auto-representação da pessoa com
deficiência através dos meios de comunicação.
Os media devem esforçar-se por representar as diversas correntes de opinião
das múltiplas comunidades que constituem uma sociedade assegurando a plurali-
dade e a diversidade nos conteúdos que veiculam.
A relação entre a deficiência e os media situa-se, pois, numa dupla dimensão;
acesso e representação. Ou seja, os media atuam enquanto “expositores da reali-
dade” (Wolton, 1995), na medida em que nos dão a conhecer o “mundo lá fora” (Li-
ppmann, 1922) e, nesse sentido, são a “janela aberta” (Tuchman, 1978) e um impor-
tante veículo de contacto com o mundo ao qual não temos acesso de forma direta.
A responsabilidade dos meios de comunicação significa, neste campo, permitir que
também as pessoas portadoras de determinadas deficiências possam aceder aos
conteúdos que são difundidos. Essa tendência para a universalidade dos públicos
a que os media devem aspirar é parte importante da sua função enquanto agentes
ativos da democracia e da cidadania.
Por outro lado, boa parte da representação que possuímos da deficiência e das
pessoas com deficiência é construída a partir daquilo que os meios de comunica-
ção difundem, sendo por isso desejável que os media encontrem um discurso o
mais próximo possível da realidade da pessoa com deficiência, evitando estereó-
tipos e conceitos desajustados.
Partindo de uma análise à literatura sobre a relação entre a pessoa com de-
ficiência e os media, Pereira, Monteiro & Pereira (2011) referem que, não descu-
rando as questões sociais e culturais, os media têm um papel determinante na
perceção que possuímos sobre a pessoa com deficiência. Isto sucede porque os
media distorcem com frequência a experiência da deficiência e da pessoa com
deficiência “reforçando, de várias formas, as atitudes negativas em seu redor”
(Pereira, Monteiro & Pereira, 2011:205).
As autoras identificam várias categorias que têm sido utilizadas pelos media
para a representação mediática da pessoa com deficiência: 1) Os estereótipos
(“vítimas, heróis, vilões”); 2) terminologia (utilização de expressões inadequadas
para se referirem à pessoa com deficiência); 3) Assuntos mais tratados (preva-
lência das dificuldades e da dramatização); 4) Tipos de deficiência (foco dado a
algumas deficiências “mais aceites pela audiência sem deficiência”).
A auto-representação da pessoa com deficiência é, por esta razão, um passo
importante que, no entender de Josélia Neves, os media deverão dar:
“Não chega falar sobre a deficiência, não chega também fazê-lo de forma
correta e esclarecida, importa incluir a pessoa deficiente enquanto promotor dessa
mesma informação/imagem e essencialmente enquanto recetor “com necessidades
especiais” e com o direito a soluções diferenciadas” (Neves, 2011)
Neste sentido, diversos documentos têm apontado um conjunto de deveres atri-
buídos aos meios de comunicação no sentido de estes se tornarem mais inclusivos.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é um desses documen-
tos. No seu artigo 21.º, apela aos Estados Partes da Convenção para que tomem
todas as medidas apropriadas com vista a “encorajar os meios de comunicação
social, incluindo os fornecedores de informação através da Internet, a tornarem os
seus serviços acessíveis às pessoas com deficiência”.
A Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual (Diretiva 2010/13/UE,
de 10 de março de 2010) apresenta disposições sobre a acessibilidade das pessoas
com deficiência aos meios de comunicação social audiovisual:
“(…) o direito das pessoas com deficiência e dos idosos a participarem e a
integrarem-se na vida social e cultural da União está indissociavelmente ligado à
acessibilidade dos serviços de comunicação social audiovisual. Os meios para per-
mitir essa acessibilidade deverão incluir, sem que a tal se limitem, funcionalidades
como a língua gestual, a legendagem, a descrição áudio e menus de navegação fa-
cilmente compreensível.” (Diretiva 2010/13/EU. Considerando nº 46).
Por seu lado, o Programa Mundial de Ação das Nações Unidas relativo às pes-
soas com deficiência, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 3 de
dezembro de 1982, através da Resolução n.º 37/52, defende a igualdade de opor-
tunidades para as pessoas com deficiência, e realça a missão dos media de servi-
ço público na divulgação, sensibilização e promoção dos direitos das pessoas com
deficiência junto do público em geral, e na sua contribuição para a erradicação dos
estereótipos e preconceitos sobre a deficiência e as pessoas com deficiência.
Uma nova rádio
Historicamente, a rádio tem sido vista como o meio de comunicação com enor-
mes potencialidades de integração das diversas comunidades. Isso deve-se às suas
características muito particulares e que se baseiam na sua expressividade sonora.
Por paradoxo, a sua fraqueza (tendo em conta o facto de não ter imagens) acaba por
lhe conferir vantagens noutros domínios. A rádio chega com facilidade aos invisuais,
aos analfabetos ou às populações residentes em zonas remotas nas quais o jornal,
a Internet ou mesmo a televisão dificilmente chegam. A universalidade foi sempre
vista como uma das principais características do meio radiofónico (Pease & Dennis,
1995; Hendy, 2000). Naturalmente que, pelas mesmas razões com que a rádio chegou
a diversos públicos, também se afastou de outros, como seja a comunidade surda.
Com a migração da rádio para a Internet, assistiu-se à adoção de um conjunto
de ferramentas que transformam um meio sonoro num meio multimedia. Para além
das questões conceptuais que têm emergido nos últimos anos (afinal uma rádio que
não vive só do som, ainda é rádio?) e que não cabem nos propósitos deste artigo,
importa sublinhar que o meio radiofónico ganhou um conjunto de possibilidades
que antes, naturalmente, não poderia ter.
Pensar hoje este meio de comunicação, implica pensar num espaço multiplata-
forma que congrega em si um conjunto de ferramentas que vão para além da exclu-
sividade sonora. Importa, pois, referir, que a expressão sonora continua a existir na
rádio e, de acordo com vários estudos (Obercom, 2016; Pew Research Center, 2016)
ainda é a principal forma de aceder aos conteúdos radiofónicos, apesar da tendência
de crescimento da escuta via Internet ou plataformas móveis:
Mas, importa também referir que as organizações radiofónicas estão hoje in-
cluídas num cenário mediático multiplataforma e multimedia do qual fazem parte a
Internet, as plataformas móveis as redes sociais e também os vídeos, as infografias,
as fotografias, o podcast, entre muitas outras ferramentas que só são possíveis de
utilizar devido à migração da rádio para este ecossistema mediático, caracterizado
pelos dispositivos e redes digitais.
Assim, a rádio, ou o que nela se produz, tem condições para atingir outros pú-
blicos que antes, por diversas razões (económicas, gestão de audiências da rádio
ou outras) não conseguiria.
Entre esses públicos, encontramos, claro, os indivíduos com incapacidade para ou-
virem, seja ela parcial ou total. Ainda não podemos falar de um espaço que a rádio es-
teja a explorar, dadas as reduzidas experiências que têm sido feitas. De qualquer for-
ma, surge como uma forte possibilidade de futuro que pode colocar a rádio numa outra
dimensão em matéria de inclusão de pessoas com deficiência. Se, historicamente, a
rádio aparece, pelas suas características, como o meio de comunicação mais adequado
para os invisuais, em relação aos surdos, ainda estamos numa fase muito embrionária.
Num estudo elaborado por Ribeiro & Pereira (2014) foram entrevistados jornalis-
tas das rádios públicas BBC e Antena 1 sobre o papel da rádio em matéria de oferta
de uma programação para a comunidade surda. As declarações dos profissionais
apontam para a inevitabilidade de associar a rádio aos meios e à tecnologia digital
e que com isso se poderão abrir novos caminhos:
Outro entrevistado reforçou
a necessidade de ver estas matérias serem discutidas
:
“I am not sure what kind of strategies should be taken, but I would like
to see this subject as a top priority for civil society, media, and politics. I guess
that the presence of interpreters should be the priority in journalism formats.”
(Ribeiro & Pereira, 2014)
Ou seja, do que falamos, não é obviamente (e infelizmente) da possibilidade dos
surdos poderem ouvir uma emissão de rádio tradicional. Quando abordamos esta
questão, fazemo-lo num registo tridimensional no qual encontramos a rádio e os
seus conteúdos próprios, o acesso (proporcionado pela tecnologia) e a representação
num meio de comunicação de uma comunidade até aqui impossibilitada de o fazer.
rádio e sUrdos – aLgUmas exPeriências
Pretende-se no presente artigo analisar as duas experiências de tradução para Língua
Gestual Portuguesa de emissões de rádio realizadas em Portugal em ambiente profissio-
nal. Essas experiências, tal como referimos, ocorreram na TSF e na Antena 1 e delas fala-
remos nos pontos seguintes. No entanto, há registo de outras experiências feitas noutros
contextos e que consideramos relevantes para enquadrar o nosso objeto de estudo.
No Brasil, em 2001 e 2002 1 a Rádio USP, da Universidade de São Paulo, trans-
mitiu o programa “Clip Informática” com tradução para Língua Gestual Brasilei-
ra (LiBRA) e que podia ser acompanhado pelos surdos na Internet. O programa
contemplava várias informações de interesse para a comunidade surda, como infor-
mações do mercado de trabalho, saúde e debates sobre a problemática da surdez.
Ao contrário das experiências portuguesas na TSF e Antena 1, estes programas não ti-
veram tradução simultânea.
“A transmissão radiofônica na íntegra para os surdos começava com a gra-
vação antecipada de imagens de uma pessoa que utilizava a linguagem de sinais.
Essas imagens ficavam disponíveis aos que buscavam ouvir o programa pela inter-
net. Aí os surdos recebiam as imagens no mesmo momento em que entrávamos
no ar”. (Alexandre Neto, editor do programa ao site USP.Notícias)
O programa começou a ser emitido em setembro de 2001 e terminou em janeiro
de 2002 por falta de apoios financeiros.
Em relação a Portugal, registamos duas outras experiências levadas a cabo em am-
biente académico. A primeira delas em 2013 no Instituto Politécnico de Leiria inserida no
projeto IPL (+) Inclusivo, que “tem por missão estimular a implementação de uma política
global de inclusão em todos os domínios da ação do instituto e comunidade envolvente”. 2
No conjunto de atividades propostas por aquela instituição para figurarem na
iniciativa “7 dias com os media”, no dia 8 de maio de 2013, constava a realização
de um programa de rádio que teve a duração de uma hora e que se intitulou “Comu-
nicação Inclusiva”. O programa foi emitido no contexto de um projeto denominado
Rádio IPlay da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, do IPL.
“Tratou-se de uma emissão em direto, mas desta vez traduzida para Língua
Gestual Portuguesa. O objetivo do programa foi o de sintetizar o primeiro ano temático
do IPL (+) Inclusivo e integrou duas entrevistas: a Nuno Mangas, Presidente do IPL,
a Josélia Neves, professora dinamizadora do projeto. Enquanto mentora da iniciativa,
Josélia Neves referiu que o mais difícil foi claramente manter os intérpretes de LGP
durante uma hora seguida e em direto a traduzir os conteúdos” (Silva, et. al, 2013).
Uma outra iniciativa aconteceu também em 2013. Tratou-se de uma webrádio de-
signada de Rádio Mãos à Conversa e surgiu no contexto de um projeto final do curso
de Jornalismo e Comunicação da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do
Instituto Politécnico de Portalegre, no ano letivo 2012-2013. O projeto consistiu na cria-
ção de uma rádio na Internet cujos conteúdos foram integralmente traduzidos por uma
intérprete de Língua Gestual Portuguesa. Os conteúdos disponibilizados eram acom-
panhados no site http://www.radiomaosaconversa.uphero.com/3 e incluíram notícias,
entrevistas, reportagens, programas para crianças traduzidas para LGP através da in-
serção de um vídeo. Entre os parceiros do projeto, encontram-se a Escola Básica Cris-
tóvão Falcão, em Portalegre e o Projeto Music for All, da Escola Profissional Magestil.
Pretendeu-se, (…), construir uma webradio e, por isso, adotar a linguagem
radiofónica e juntá-la a outros elementos expressivos próprios do meio online.
Assim, o som mantém-se (o que permite que a comunidade ouvinte seja também
público da rádio), mas todos os conteúdos são traduzidos para Língua Gestual
Portuguesa. (Silva et. al, 2013)
Qualquer uma destas experiências que expusemos neste ponto do artigo já não
se encontra a decorrer.
metodoLogia
O objetivo do presente artigo é o de caracterizar e analisar duas experiências
de emissão de rádio realizadas na TSF e na Antena 1 em 2005 e 2013 com tradução
simultânea para Língua Gestual Portuguesa (LGP).
Partindo da identificação dos segmentos da programação emitidos procuraremos
dar um contributo para a reflexão em torno do papel de uma “nova rádio” (já não anco-
rada à sua exclusividade sonora) em matéria de inclusão de pessoas com deficiência.
Os dois programas foram gravados e acompanhada a sua tradução simultânea nos
sites em que foram transmitidos. Nos casos em que tal foi possível, procedeu-se ainda ao
registo vídeo dessa tradução ou ao print da página online de acompanhamento da emissão.
Procuramos neste artigo identificar o modo como foi possível aceder à emissão
por parte dos surdos e, mediante uma análise de conteúdo das emissões, caracte-
rizar os espaços traduzidos para LGP e identificar a presença da comunidade surda
nessa emissão, quer através do seu próprio discurso, quer mediante o debate de
questões relacionadas com a surdez.
A emissão da TSF foi para o ar no dia 7 de abril de 2005 e teve a duração de 14 ho-
ras e a da Antena 1 no dia 15 de novembro de 2013 e durou cerca de duas horas. Outros
dos objetivos desta análise é identificar as diferenças entre estas duas experiências.
rádio e sUrdos – os casos da tsF e da antena 1
A TSF foi a primeira rádio em Portugal a traduzir em simultâneo os conteúdos da
sua emissão em direto para Língua Gestual Portuguesa (LGP). A iniciativa teve lugar
no dia 7 de abril de 2005. Durante 14 horas foram traduzidas por seis intérpretes os
diversos conteúdos emitidos pela emissora. Essa tradução pôde ser acompanhada
no site www.capacidades.org.pt.
Esta iniciativa partiu do Programa ACESSO da Unidade de Missão Inovação e
Conhecimento (UMIC) e teve lugar durante a realização da Feira das Capacidades,
na Moita. Envolveu uma série de parceiros como a Fundação para a Computação
Científica Nacional que forneceu a largura de banda; do INOV - INESC Inovação, que
cedeu a tecnologia; da GrooveMedia, para o design; e dos intérpretes da Associação
de Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa e da empresa Manus Interpretis. A su-
pervisão do projeto pertenceu à Federação Portuguesa das Associações de Surdos.
Tal como os próprios organizadores reconheceram 4, a ideia da realização do pro-
grama na TSF foi inspirada na experiência brasileira do programa Clip Informática,
que relatámos anteriormente neste artigo. A escolha da rádio TSF para esta inicia-
tiva teve a ver com o facto de se tratar de uma emissora com muita palavra e me-
nos conteúdos musicais e, por isso, mais fácil de traduzir para LGP.
Quase uma década depois, a 15 de novembro de 2013, a rádio pública portu-
guesa, Antena 1, colocou em prática uma emissão semelhante com o objetivo de
assinalar o dia da Língua Gestual Portuguesa. A experiência foi realizada durante o
programa da manhã, um dos que tem maior audiência na rádio pública.
Por se tratar de uma emissora de serviço público, a Antena 1 está vinculada a
um conjunto de obrigações expressas no Contrato de Concessão de Serviço Públi-
co que data de 1999 5. Na sua quarta cláusula é referido que deverá ser uma rádio
“de coesão social, com uma programação agregadora, acessível a toda a popula-
ção”. Na alínea seguinte refere-se que a rádio de serviço público deverá combater
“todas as formas de exclusão ou discriminação social, cultural, religiosa, étnica e
sexual, e que responda aos interesses minoritários das diferentes categorias do
público”. Ou seja, a Antena 1 procurou também responder às suas obrigações en-
quanto emissora de serviço público.
Consideramos ainda relevante fazer referência à alínea g) dessa mesma quarta
cláusula na qual se refere que deverá ser uma rádio “tecnologicamente avançada,
que incorpore as inovações que contribuam para melhorar a eficiência e a qualida-
de do serviço público que presta e da radiodifusão em geral” o que a nosso ver vai
ao encontro da experiência realizada, uma vez que ela só foi possível justamente
devido à utilização de um conjunto de meios técnicos e tecnológicos.
a mesma ideia – conteúdos diFerentes
Separadas por quase uma década, as experiências levadas a cabo pela TSF e An-
tena 1 tiveram na sua base o mesmo propósito, ou seja criar um espaço alternativo
na rádio que pudesse contribuir para a inclusão de uma comunidade sem acesso aos
conteúdos radiofónicos. No entanto, a análise aos dois programas permite-nos iden-
tificar algumas diferenças
Uma das principais diferenças teve a ver com a duração da emissão. A expe-
riência da TSF decorreu durante 14 horas, entre as 8 da manhã e as 22 horas. Nes-
se período horário, os surdos puderam, pela primeira vez em Portugal, acompanhar
em simultâneo uma emissão radiofónica que incluiu a Manhã Informativa da TSF,
o Fórum TSF, o Fórum Mulher, a Tarde Informativa e o relato do jogo Newcastle/
Sporting, que a TSF transmitiu em direto de Inglaterra. Incluiu ainda os noticiários
emitidos durante o período referido, bem como todos os outros espaços informati-
vos (informação financeira, desportiva, económica, etc). Durante a emissão, sempre
que no ar estava informação de trânsito, música, pequenas intervenções do locu-
tor ou publicidade, o acompanhamento da emissão com Língua Gestual Portugue-
sa foi interrompido.
Um dos pontos altos da emissão, foi a tradução em simultâneo para LGP do re-
lato do jogo de futebol entre o Newcastle e o Sporting. A imprensa da altura fez
referência a esse facto classificando-o como o maior desafio desta emissão.
“Ao locutor que, em estúdio, fazia o relato, não foi feita qualquer recomen-
dação quanto ao ritmo ou conteúdo do discurso. “O desafio é precisamente esse”,
disse ao PÚBLICO José Fragoso. “Este é o conteúdo radiofónico mais complexo e
para os intérpretes é muito interessante conseguir passar esta mensagem”, explicou
o director da TSF, acrescentando que “a experiência tem tanto mais sucesso quan-
to menos alterações de conteúdo forem necessárias” (Público, 8 de abril de 2005) 6.
A experiência levada a cabo pela rádio pública foi diferente. Desde logo, a dura-
ção da emissão com cerca de duas horas (estava previsto começar às 9 da manhã,
mas problemas técnicos atrasaram o início. Terminou às 11h). Incluiu a tradução
para LGP dos noticiários, das informações de trânsito, meteorologia, intervenções
do locutor, entrevistas realizadas em estúdio e reportagem em direto. Ao contrário
da TSF, na Antena 1 a música foi também traduzida para LGP. A emissão com a tra-
dução para LGP foi acompanhada através da RTPPlay, na Internet.
A questão da representação mediática da comunidade surda foi, no entanto, um
dos pontos em comum. Ambas as rádios tiveram a preocupação de eleger como
prioridade questões relacionadas com a surdez.
O Fórum da TSF foi, neste dia, dedicado à problemática da pessoa com deficiên-
cia. A escolha do tema foi assumida pela estação por causa da iniciativa que esta-
va a decorrer. O mesmo tema, pela mesma razão, foi abordado no Fórum Mulher, a
partir das 15 horas. Quer o Fórum TSF, quer o Fórum Mulher são espaços radiofó-
nicos de debate com a participação dos ouvintes e como tal foi possível alargar a
discussão sobre a deficiência a um maior número de pessoas.
Na tarde informativa, houve intervenções em direto da Feira das Capacidades,
com entrada nos noticiários das 16 horas e em diante. Foi sempre feita a referência
que a TSF estava a fazer uma emissão para surdos, deixando claro que as reporta-
gens só foram feitas por esse motivo.
Quadro I – As emissões traduzidas para LGP na TSF e Antena 1
TSF (2005) Antena 1 (2013)
Motivo Feira das Capacidades
(7 de abril de 2005)
Dia da Língua Gestual Portuguesa
(15 de novembro de 2013)
Período da emissão Das 8 às 22 horas. Em direto. Das 9 às 11 horas. Em direto.
Acesso à emissão traduzida Internet: www.capacidades.org.pt Internet: www.rtp.pt/play
Segmentos da Emissão com
tradução para LGP
- Manhã Informativa da TSF
(incluindo noticiários e jornais
temáticos)
- Fórum TSF,
- Fórum Mulher,
- Tarde Informativa
- Relato do jogo futebol
Newcastle/Sporting
- Noticiários
- Trânsito,
- Intervenções do locutor
- Entrevistas realizadas em
estúdio
- Reportagem em direto
- Música
Interrupção da emissão traduzida -Trânsito
- Música
- Pequenas intervenções do
locutor
- Publicidade
Observações - Fórum da TSF e Fórum Mulher
foram neste dia dedicados à
problemática da pessoa com
deficiência.
- Na tarde informativa houve
intervenções em direto da Feira
das Capacidades, na Moita.
- Reportagem em direto com inter-
venções da comunidade surda
- Entrevista aos intérpretes de
LGP.
Num comunicado emitido após a emissão do programa da TSF, a Associação de
Surdos do Porto louvava a iniciativa sublinhando que contribuiu para a “formação
da Comunidade Surda, favorecendo o reconhecimento da cidadania enquanto va-
lor essencial à democracia e promover a cultura, língua e valores que exprimem a
identidade nacional Surda” 7. A mesma entidade sublinhou a importância de se re-
petirem iniciativas semelhantes embora reconheça que uma emissão com tradução
para LGP de um programa de rádio, por apenas poder ser feita através da Internet,
deixa muitos surdos de fora, em particular os idosos.
A Antena 1 procurou também fazer corresponder esta iniciativa às expetativas de
representação mediática da comunidade surda. Por isso, durante a emissão traduzida
para LGP, foram realizadas várias reportagens em direto, nomeadamente da Associa-
ção de Surdos do Porto o que incluiu entrevistas a pessoas com deficiência auditiva.
Nessas entrevistas, foi possível escutar que a comunidade surda apreciou a iniciati-
va tendo um dos alunos da escola se referido à estranheza que esta experiência lhe
causara. No noticiário das 10 horas, que abriu com a informação sobre a emissão
especial da Antena 1, a repórter fez a sua reportagem em direto a partir do Centro
de Formação Profissional da Associação de Surdos do Porto referindo que a aula foi
interrompida para os alunos acompanharem a emissão via Internet. Na reportagem,
é entrevistado com a ajuda de uma intérprete, o responsável pelo centro de formação
que refere que a iniciativa é muito importante: “Deveria ser todos os dias”, referiu.
notas Finais
Procurámos no presente artigo explorar as potencialidades da rádio enquanto
meio de comunicação promotor da inclusão da pessoa com deficiência no espaço
mediático, em particular da comunidade surda.
Partimos de um cenário que toma a rádio num novo contexto que lhe confere instru-
mentos e ferramentas que lhe permitem não viver exclusivamente da sua expressividade
sonora. Só assim, vimos, é que foi possível à rádio explorar novos modelos de comuni-
cação e atingir novos públicos, como é o caso da comunidade surda. O artigo procurou
analisar duas experiências de rádio com tradução para Língua Gestual Portuguesa e
perceber de que modo foi facilitado o acesso destas pessoas a uma emissão de rádio
e identificar nessas emissões momentos de representação na rádio da pessoa surda.
Assim, em primeiro lugar, constatámos que ambas as experiências realizadas na
TSF e na Antena 1 não passaram disso mesmo: experiências que tiveram o seu momen-
to ancorado a iniciativas concretas e datadas e que por isso não se voltaram a repetir.
Estamos, pois, muito longe de modelos que, por rotina, integrem espaços de
programação radiofónica com tradução para Língua Gestual Portuguesa, sobretudo
se se tratarem de programas em direto e, por essa razão, com tradução simultânea.
Outras alternativas neste campo, embora inexistentes no caso português, poderiam
passar também pela legendagem de programas de rádio disponíveis online, cenário
que apenas colocamos aqui como uma hipótese futura.
Um dado importante, e referido pela comunidade surda, tem a ver com o acesso.
Ou seja, a implementação deste tipo de iniciativas passa pela sua conjugação com as
plataformas online e isso pode impedir que alguns surdos não lhes consigam aceder.
De qualquer forma, devemos registar como muito interessantes estas duas ini-
ciativas da TSF e da Antena 1, na medida em que deram o seu contributo para o
debate em torno desta questão, ao mesmo tempo que, ainda que por breves ins-
tantes, tenham permitido que a comunidade surda se visse representada e se auto-
-representasse na rádio. Como observámos, durante os espaços traduzidos para LGP
houve várias intervenções de surdos e as temáticas abordadas na rádio andaram
em torno de várias questões relacionadas com as pessoas com deficiência e com a
comunidade surda em particular.
Pudemos verificar que as rádios têm consciência da sua função social que se con-
substancia também na inclusão de determinados públicos, muitas vezes esquecidos
nos e pelos meios de comunicação social, sendo neste particular de sublinhar o pa-
pel do serviço público de rádio ao qual está agregado o princípio da universalidade.
Um elemento importante e a explorar no futuro será, seguramente, uma ava-
liação que deverá ser feita junto da comunidade surda, no sentido de se perceber
com maior rigor, qual a perceção que possuem e a utilidade para o seu quotidiano
de projetos como estes que aqui apresentámos.
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Comentários
Inclusão radiofónica
Fiquei deveras sensibilizado com esta temática. Não tinha conhecimento de tais iniciativas ou desta preocupação dos meios de comunicação radiofónicos. É realmente importante a reavaliação da forma como a comunicação é divulgada. Devemos preocupar-nos com a inclusão das pessoas com deficiência.
Rádio inclusão
Sou da opinião que os deficientes auditivos em relação ao aproveitamento dos recursos da rádio têm pouca oportunidade noticioso.
Opinião sobre a rádio inclusão
Na minha opinião a r
´´adio inclusão foi uma ideia genial, porque todos passam a ter acesso ao equipamento.
Rádio
Axo pouca imformaç~ão sobre os surdos
A minha opinião
No meu caso eu como ainda via, só precisava de estar na primeira carteira para conseguir ver para o quadro.
Mas quando cheguei ao chamado ciclo preparatório, aí já se complicou um pouco pois o quadro era verde, e as sotouras, carregavam pouco no jiz, eu pedia para reforçar, faziam-me duas ou três, logo se esqueciam
.
Outra situação foi na aula de ginástica,porque eu não via o suficente para ver o volant porque o perdia no ar, conseguia , fazer um jogoireito no bademintom, esprementei em três aulas, já as colegas não queriam jogar comigo, porque eu só apanhava os sestos que caíam ao chão, disse à sotoura ponha-me a fazer outro exercício, ela disse- que me ìa por falta disciplinar, eu sentei-me assesti à aula , saí dali, direitinha à sala dossotoures e fiz quexa à directoura de turma , a sotoura mandou que fosse lá escola o meu encarregado de educação e então a minha mãe foi lá, e a soutoura foi obrigada a tirar-me a falta,e eu nem sequer tinha sido male educada com a sotoura, etcetra.
Quanto aos surdos e mudos acho realmente que deviam envestir bastante com linguagem gestual, o u exestir um pprgrama adaptado no computador, para que consigam tudo no geral, para sentirem em igualdade como todos os outros