Um Preconceito Tradicional

Hoje tive um sonho que me fez pensar. Era uma escola primária com aspecto antiquado. O chão da sala de aula era de madeira, na parede estava um quadro que já tinha sido riscado pelo tempo, uma cruz ao topo era visível, pela sala haviam três filas de mesas e a secretária da professora encontrava-se junto à janela no lado esquerdo encostada à mesa da primeira fila. A docente falava só como ela sabia com toda a sua calma e paciência para transmitir os seus conhecimentos aos alunos. O tema que estavam a falar era algo que todos sabemos, ou seja, os sentidos apurados dos cegos. A professora afirmava que normalmente as pessoas cegas têm os sentidos mais apurados, ouvem mais do que qualquer um de nós, sentem coisas que não sentimos (por exemplo eles lêem Braille com as mãos, coisa que nós não conseguimos fazer), etc… Uma menina perguntou à professora porque é que os sentidos se tornam mais apurados.

- A natureza é assim mesmo. Quando falta qualquer coisa, neste caso a visão, os outros sentidos são magicamente ampliados. – Afirmou a docente.

- Professora, isso não faz sentido. – Argumentou a pequena.

- Não faz sentido? – Questionou a docente com um ar espantado. – Porque é que não faz sentido?

- Ao pensarmos que uma pessoa cega tem os sentidos mais apurados estamos a colocá-la num mundo à parte com dons ou mesmo poderes especiais. Para mim um uma pessoa sem visão não tem os sentidos mais apurados.

- Olha, toda a gente sabe que uma pessoa cega apercebe-se mais rapidamente a coisas que tenham cheiro, som, tacto, etc… - Explicou a professora.

- Isso é verdade mas não significa que um cego tem os sentidos mais apurados. – Afirmou a menina.

- Não compreendo o que estás a dizer… Se eles apercebem-se mais cedo do que nós a estas coisas é óbvio que têm os sentidos mais apurados. – Argumentou a docente.

A menina levantou-se e andou até ao pé da professora e questionou: - Porque é que a professora diz para nós fecharmos os olhos quando não nos lembramos de alguma coisa?

- É para vos concentrarem melhor. – Respondeu a docente.

- Porque é que uma pessoa cega não está mais concentrada do que nós no que se refere aos outros sentidos? Afinal, a professora não diz que nós não temos a memória mais apurada quando nos concentramos em alguma coisa. Aqui é a mesma coisa. Uma pessoa cega não tem os sentidos mais apurados. – Explicou a menina.

- Dá-me um exemplo do que estás a dizer. – Pediu a professora.

- Porque é que por vezes dizemos que vamos fechar os olhos para ouvirmos melhor uma melodia? A cada dia que passa estou mais consciente que a sociedade em geral utiliza a visão para tudo, deixando em decadência a concentração nos outros sentidos. – Concluiu a menina com a campainha a tocar para a saída e deixando a professora a pensar durante um longo tempo sobre este assunto.

Bem, escusado será dizer que acordei logo de seguida e não consegui dormir mais, afinal um simples pote de barro também tem insónias.

Cumprimentos para todos do amigo Pote!