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"PC dá independência a deficientes"

por Lerparaver

Ele bem que chega a incorporar uma aura de Steve Wonder ou Ray Charles. Mas, não, não se trata de um artista famoso. Músico amador desde os sete anos de idade, o consultor mundial de acessibilidade da IBM, Guido Corona, se viu obrigado a trocar as teclas do piano pelas do computador quando começou a ter problemas sérios de visão, há cerca de 25 anos.

Na época, Corona, que é italiano, fazia faculdade de música no Canadá. Ele até já tinha um certo contato com o mundo digital: havia feito um curso de composição musical no PC. "Mas, depois que a minha visão começou a piorar, não conseguia mais escrever partituras. Então, larguei o curso e fui fazer ciências da computação", disse ao Link em recente visita a São Paulo.

Desde então, ele transformou a questão da inclusão de deficientes num ideal de vida e em seu ganha-pão. O piano, ele até tem em casa hoje, mas não costuma mais tocar com tanta freqüência. Agora, ele se debruça na tarefa de encontrar formas de dar independência a pessoas que não contam com a visão, audição ou algum membro do corpo. E, segundo ele, os bits e bytes podem ajudar e muito.

"Pelo computador, uma pessoa cega, como eu, pode ficar a par das notícias, ler livros, trabalhar, enfim, se tornar o dono de sua própria vida", diz Corona que, há 20 anos, perdeu totalmente a visão por causa de uma doença chamada retinite pigmentosa, que causa degeneração progressiva da retina.

Ele próprio possui softwares em seu notebook que o auxiliam nas tarefas do dia-a-dia. Os programas são capazes de ler o que é exibido na tela do micro. Assim, por exemplo, quando quer acessar um aplicativo específico, ele coloca as mãos no mouse e, pelo alto-falante, escuta quando está no menu "Iniciar" do Windows ou quando está com o mouse posicionado sobre o aplicativo que deseja abrir.

Os softwares também permitem a ele se informar sobre o que acontece no mundo. "Eles lêem para mim o que está escrito nos sites de notícias", diz. "Assim, como qualquer pessoa pode acessar as páginas da CNN ou da BBC, eu também posso."

A tarefa de Corona, porém, não se restringe a desenvolver soluções para quem perdeu a visão. Segundo ele, também há softwares que permitem a quem possui outras deficiências controlar o PC. "As funções podem ser acessadas por meio de voz, movimentos da cabeça e até pelo piscar dos olhos."

"Por voz, por exemplo, você dá as instruções e abre o aplicativo desejado", explica ele, enquanto demonstra a funcionalidade ao repórter. "Dá também para ditar, no microfone, um texto que é automaticamente escrito na tela do computador."

As facilidades que existem hoje, entretanto, não existiam na época em que Corona largou a faculdade de música e passou a se dedicar à computação. "Na universidade, não havia nenhuma ferramenta para deficientes. Foi necessário fazer algumas adaptações para que eu conseguisse acompanhar o curso."

"Enquanto os demais alunos podiam enxergar a lousa, eu não conseguia. Precisava ficar grudado na tela do computador para conseguir visualizar as coisas", diz. Segundo Corona, até o conteúdo do curso acabou sendo um pouco diferente para que ele conseguisse acompanhá-lo. "Tive sorte de ter um ótimo professor", relembra.

Em 1982, o consultor se formou e, no mesmo ano, foi trabalhar na fabricante de computadores e softwares IBM. Trabalhou dois anos como programador e, em 1984, sua visão, que vinha se deteriorando desde os quatro anos de idade, acabou por ficar totalmente comprometida.

"Tive de mudar completamente minha forma de trabalho", diz. "A minha sorte foi que, nesta época, estavam desenvolvendo na IBM um equipamento de leitura de telas de computador para cegos. Então, eu me tornei um dos profissionais de teste do projeto."

Foi aí que Corona começou a se envolver com a questão da acessibilidade. "Eu ajudei a desenvolver o projeto. Dava idéias, escrevia códigos para que o software da máquina funcionasse do jeito que eu gostaria."

Como era um projeto novo, o consultor diz que as máquinas eram lerdas e complicadas. "Logo no começo, me deram um equipamento de leitura de livros, que pesava 15 quilos e parecia uma máquina de lavar louças. A minha tarefa era escanear um livro. Depois de escaneado, o livro poderia ser lido, por meio de um software."

Pois bem. A digitalização de um livro de 600 páginas demorou duas semanas para ser feita, com Corona trabalhando dez horas por dia. "Atualmente, isso leva cerca de 45 minutos."

Hoje, a digitalização de livros se tornou uma paixão e uma bandeira do consultor. Em seu computador, ele tem um acervo de dez mil títulos digitalizados, que acompanha com o seu fone de ouvido, por meio de softwares de leitura de telas.

"Enquanto quem consegue enxergar acha enfadonho ouvir o computador contar a história, para nós, cegos, é uma das formas mais práticas. Eu, por exemplo, transformo o som digitalizado do PC em emoções na minha cabeça."

Para ele, a leitura digital, inclusive, tem suas vantagens em comparação às tradicionais publicações em Braille. "As obras em Braille são muito mais caras e, além disso, elas são pesadas para carregar."

Segundo ele, um dos melhores destinos para obter um livro digitalizado é o site BookShare.org, que oferece milhares de obras em inglês. Corona, inclusive, é um dos colaboradores do serviço e levanta a bandeira de que digitalizar livros não é infringir os direitos autorais, embora algumas editoras já tenham manifestado o contrário.

"Tanto nos EUA como no Brasil, há leis que permitem digitalizar livros. Não é ilegal", garante ele, que, freqüentemente, compra livros em papel e os escaneia para disponibilizar no serviço.

Para os brasileiros, uma dica de site com obras em português é o www.dominiopublico.gov.br, mantido pelo governo federal. Já para ter a leitura desses textos, é possível usar o software Web Reader, da IBM, que é em português e custa cerca de US$ 150.

"O importante de sites como o BookShare é que eles democratizam o acesso à leitura", diz. "Outras ações como essa também são importantes. Temos de juntar esforços entre o governo, a sociedade e a indústria para que os deficientes possam se integrar à sociedade, trabalhar, ter seu próprio dinheiro."

Corona diz que algumas empresas já acordaram para o problema e estão contratando deficientes que, com tecnologias como a leitura de telas, podem, segundo ele, produzir da mesma forma que qualquer outra pessoa. "As empresas estão começando a perceber que a quantidade de pessoas com deficiência física é muito grande e representa um público consumidor em potencial."

E, de acordo com ele, esse é justamente o seu trabalho atualmente como consultor da IBM: convencer as empresas de que é rentável e necessário investir em tecnologias que possibilitem a acessibilidade. "O que eu desejo é que quem possui alguma deficiência possa pagar impostos. Ninguém gosta de pagar impostos. Mas, parado em casa, um deficiente não trabalha, não é uma força produtiva. Então, que se integre à sociedade, que ganhe dinheiro, fique independente e pague muitos impostos!"

Quanto à sociedade e ao governo, Corona defende que se faça uma força-tarefa para equipar os deficientes com tecnologias que os possibilitem ter independência. "É uma questão de compromisso com a cidadania. Os softwares para deficientes ainda são muito caros. Um leitor de telas completo, por exemplo, custa cerca de US$ 1 mil. São poucas pessoas físicas que têm condições de arcar com esse custo. A sociedade e as autoridades, então, deveriam intervir."

Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/materias/mundovirtual/2447501-2448000/244...