Por Maria Teresa Maia
INTRODUÇÃO
Decidimos trazer este tema ao Congresso da ACAPO por ele ser um problema que afecta um número crescente de indivíduos, com características muito peculiares e, que no nosso País não está, ainda suficientemente, reflectido. É uma das muitas competências da ACAPO, ter uma política associativa definida e aprofundada para estes deficientes visuais, do mesmo modo que a tem para outros grupos bem determinados de cegos e amblíopes.
Decidimo-nos a abordar este tema, numa perspectiva das famílias dos Multi-Deficientes, por sermos particularmente sensíveis a este ângulo do Problema e, porque no que toca à intervenção educativa ou de reabilitação, existirem excelentes trabalhos e excelentes técnicos que os desenvolvem.
ÂMBITO
Os Multi-Deficientes que iremos ter em conta são aqueles que - portadores de deficiência visual - tenham associada, a esta, uma ou mais deficiências. Daremos maior ênfase à multi-deficiência em que está associada a deficiência mental, porque esta associação é a que atinge maior número de indivíduos e porque apresenta contornos muito próprios, os quais requerem um tratamento específico.
ACTUALIDADE E PREMÊNCIA
Vem-se assistindo, nas sociedades desenvolvidas, ao nascimento e sobrevivência de crianças portadoras de várias deficiências associadas. Estas crianças são cada vez em maior número, pois, graças aos avanços da medicina e da farmacopéia sobrevivem, mesmo quando as suas expectativas de autonomia pessoal/intelectual são reduzidas ou mesmo remotas.
Atingem portanto, a idade da adolescência, da juventude a idade adulta e, se não padecerem de doenças orgânicas podem atingir uma longevidade regular, para os padrões actuais.
Sendo frágil a sua capacidade autonómica, fácil se torna compreender que viverão sempre na dependência dos seus familiares mais próximos ou mais dedicados. Este facto, é por demais óbvio, enquanto os Multi-Deficientes tem familiares ou parentes próximos. A situação altera-se profunda e dramaticamente, quando os familiares deixam de existir.
Levanta-se, então a questão de saber quem se irá ocupar do Multi-Deficiente.
Sabemos, que esta é uma das maiores angústias que está presente nos pais de indivíduos Multi-Deficientes. Muitos pais interrogam-se, cheios de justa apreensão sobre (o que será do meu filho, quando eu morrer?).
Cabe aqui questionar a sociedade e os poderes públicos, com vocação objectivos e meios para atenderem às necessidades e problemáticas dos deficientes.
Que serviços existem no nosso País para casos deste tipo? Que Apoios pecuniários estão ao dispor dos familiares que se ocupam dos cuidados com os Multi-Deficientes?
Parece-nos, não haver presentemente quaisquer dúvidas, pelo menos a nível conceptual, de que a sociedade tem para com estes cidadãos frágeis na sua situação perante a vida e no modo como a percepcionam, determinados deveres a cumprir; Deveres de protecção e amparo.
Ora, se tal conceito de "protecção social", faz parte integrante, da ordem política e social vigentes, porque será que a sua materialização é tão extemporânea e aleatória?
Sabemos que é dispendiosa a implementação e manutenção de serviços capazes de atenuarem - em condições dignas de conforto, lazer e afecto - as pessoas nestas condições; sabemos que num período de recessão económica é ainda mais difícil comprometer a Segurança Social em objectivos como estes. Acresce, ainda, em desfavor dos potenciais utentes, que tais serviços são caros, muito caros mesmo...!
O Estado, através do Ministério da Educação ocupa-se da educação dos jovens cidadãos, a Segurança Social está também vocacionada para prestar serviços de apoio pecuniários aos deficientes e suas famílias sempre que tal seja necessário e, contudo, esta insuficiência é enorme.
Ocorre-nos perguntar o que há nos outros países da União Europeia em termos estruturais de apoio a Multi-Deficientes. Ocorre-nos igualmente propor à ACAPO que desenvolva esforços no sentido de recolher informações sobre este tipo de serviços e respostas nos outros países.
Os Multi-Deficientes com deficiência mental são incapazes de manifestar as suas opiniões, não conseguem, pois, consciencializar os seus direitos. Também aqui tem de ser outrem a pugnar por tudo aquilo que lhes é devido enquanto Seres Humanos. Quem melhor do que os seus familiares para serem os seus porta vozes? Quem melhor do que eles está perto do sentir e das necessidades dos Multi-Deficientes?
As famílias que têm no seu seio um ou mais membros Multi-Deficientes são social e economicamente sujeitas a um desgaste permanente. Por isso precisam de apoio psicológico que as ajude a superar as dificuldades que se lhes deparam, ao longo do tempo em que têm de lidar com a delicada situação do seu membro Multi-Deficiente.
É frequente estas famílias serem possuídas por sentimentos contraditórios de: culpa, castigo, superprotecção, rejeição, fatalismos, conformismo, e outros. Por toda esta carga de sentimentos e emoções precisam e merecem a ajuda de técnicos competentes e disponíveis para as ouvir e aconselhar.
Estas famílias precisam de quem, em total empatia com elas, as ajude a aceitar com o máximo de normalidade a situação dos seus Multi-Deficientes. Precisam estas pessoas de encontrar grupos que com elas sejam capazes de gerar laços de solidariedade. Precisam, certamente, de conversar e trocar experiências e informações com outras famílias que vivam situações análogas. Precisam de quem, tomando parte da sua causa, sensibilize a Comunidade e a opinião pública para os problemas que a Multi-Deficiência acarreta.
Acreditamos não exceder as competências e os objectivos da ACAPO ao propormos que seja Ela, enquanto entidade legitimamente representativa de todos os deficientes visuais portugueses, a dinamizar estas famílias quer para se encontrarem entre si, quer para fazerem propostas à ACAPO; propostas essas que constituiriam o núcleo central de uma política associativa própria para os problemas dos Multi-Deficientes.
Em nossa opinião poder-se-ia criar um grupo de pais de crianças ou adultos Multi-Deficientes no seio da ACAPO que, entre outras funções, faria a recolha de informações sobre a situação noutros países a sistematização das respostas, ou da sua ausência, em Portugal, colaboraria em estreita ligação com técnicos competentes na formulação de soluções viáveis e adequadas ao nosso país, reuniria a experiência de associações e de outras entidades que em Portugal se ocupam da problemática da deficiência mental, etc.
CONCLUSÃO
Os deficientes visuais que sofrem de Multi-Deficiência são um grupo bem específico dentro da ACAPO, tal como o são: os idosos, os jovens, as mulheres, as crianças, os amblíopes, os não reabilitados, etc. Todos estes grupos têm uma problemática comum têm-na também particular. O Momento alto que é a realização deste Congresso, singularmente oportuno, para trazer a terreiro este assunto, tantas vezes esquecido, justamente porque aqueles a quem toca directamente estão, por força da sua condição, impossibilitados de fazerem ouvir a sua voz.
Demos pois, a palavra àqueles que melhor os representam quer pela afectividade quer pela proximidade real.
Coimbra, Março, Abril de 1995.
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Comentários
Multideficiencia - testemunho de uma irmã
Sou irmã de um jovem com multideficiência congénita - surdocegueira. Estou a doutorar-me nesta área e gostaria de manifestar o meu maior apreço sobre o quão importante será fundar uma associação de famílias de pessoas com multideficiência.
Pelas pesquisas efectuadas sobre o tema deparamo-nos com a "multinsuficiência" de informação no nosso país, mas creio que a solução passa exactamente pela união entre famílias e técnicos que assistem e intervêm diariamente a pessoa com multideficiência.
Gostaria de deixar aqui a minha total disponibilidade para participar activamente em encontros entre famílias, partilhar experiências e disponibilizar informações sobre o tema.
carmen.pinheiro.melo@gmail.com