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Luz da Felicidade na Escuridão da Vida

por teodoro
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Todas as pessoas, independentemente de serem deficientes ou não, buscam, incessantemente, a felicidade. E, obviamente, o que poderá ser aprazível para uns não o será para outros. Muita gente vê no casamento, ou num relacionamento a dois, com ou sem filhos, a possibilidade de ser plenamente feliz. E, logicamente, quem tem alguma limitação física, pode e tem o direito de pensar da mesma forma. Aqui vou falar da minha experiência, contando, assim, contribuir para que compreendam um pouco melhor o interior daqueles que, de certa forma, são diferentes.
Começando por definir o que é ser cego, poder-se-á dizer, objectivamente, que é a impossibilidade de um indivíduo absorver com os olhos as imagens que o rodeiam. Subjectivamente falando penso que é aceitável dizer que a cegueira não é nada mais que uma forma diferente de ver e apreciar o espaço à nossa volta. Assim sendo, o deficiente visual mergulha na profundidade e na essência das coisas, indo muito além das aparências do universo ao redor. Pinta para si mesmo um quadro repleto de cores e ´sensações onde figura, principalmente, a beleza interior daqueles que fazem parte da sua vida. Na verdade, os portadores desta deficiência desenvolvem uma sensibilidade muito particular que os acompanha para sempre.
No que diz respeito à felicidade, há, indubitavelmente, muitos condicionalismos que podem influenciar, positiva ou negativamente, na concretização desta meta. As barreiras arquitectónicas, por exemplo, são um factor muito desfavorável, fazendo de um simples passeio a pé ou a ida para o local de trabalho uma aventura muito pouco agradável. Já imaginaram esbarrar contra um carro estacionado em cima de um passeio e não saber como se desembaraçar desta situação? Garanto que não é nada aprazível! Já imaginaram estarem a andar calmamente e de repente baterem com a cabeça num posto de luz ou cabine telefónica? De certeza que não irão gostar! Contudo, para os cegos situações semelhantes a estas são “o pão nosso de cada dia”. E porquê? Porque o mundo é cada vez mais pensado para os normovisuais.
Por outro lado, as barreiras sociais e psicológicas podem ser ainda mais nefastas, uma vez que se traduzem, muitas vezes, em atitudes discriminatórias baseadas em falta de informação e receios sem qualquer fundamento. Se não dão emprego a uma pessoa com deficiência´,não passa, na maioria das vezes, de um medo infundado que estes indivíduos não produzam o suficiente. Todavia, as pessoas com limitações querem demonstrar que são capazes de desempenhar as tarefas que lhe são pedidas, superando, até, em muitos casos, as expectativas. Assim, urge sensibilizar as entidades empregadoras para que dêem uma oportunidade àqueles a quem a natureza privou de algum sentido. Efectivamente, a independência económica, resultante de uma actividade remunerada, é fundamental para a nossa auto estima.
Quero também falar aqui na dificuldade que muitas pessoas têm em lidar connosco. Muitas vezes os cegos, por exemplo, ao darem uma informação ou, simplesmente, ao conversarem com um amigo, correm o risco de ficar a dialogar com as paredes porque, é claro, o interlocutor não teve o bom senso de se despedir. É também importante que saibam que ao se dirigirem a hum portador de deficiência visual, deverão lhe tocar levemente ou chamar pelo seu nome, nunca gritando já que não somos surdos.
Outro erro muito grave é, sem dúvida, ao andarmos na rua, não nos perguntarem se precisamos de ajuda, pegando, muitas vezes, no nosso braço como se fôssemos um saco de batatas. Seria muito benéfico se a comunicação social se debruçasse um pouco mais em desmistificar e elucidar a população em geral sobre estes aspectos. Na verdade, estes pormenores assumem uma relevância fulcral para que nos sintamos bem.
No campo afectivo, a pessoa cega quer e busca amar e ser amada. Tem desejos e impulsos como qualquer ser humano e tenta, obviamente, fugir da solidão. Camões disse: “o amor é fogo que arde sem se ver” ou, ainda segundo o ditado popular, “o amor é cego” e nós, como é lógico, sentimos e temos a certeza que tais afirmações não poderiam estar mais correctas..
A integraçãoplena depende muito do meio familiar em que o deficiente vive. Se, numa primeira fase, for aceite e ajudado pelos pais e irmãos, numa segunda fase, quando construir o seu próprio lar, sem sombra de dúvida que, para além de se sentir integrado, seu íntimo se encherá de satisfação.
Falando um pouco do meu caso, e com a única intenção de ajudar pessoas como eu, quero dizer que a decisão de assumir um relacionamento com outra pessoa dita “normal” é, de facto, se predispor a lutar contra preconceitos, que embora camuflados, ainda existem. A ideia que possamos vir a ser um fardo para a nossa cara metade é desprovida de qualquer fundamento. Ainda mais grave é tentar, e baseado nestes pensamentos erróneos, desunir um casal que se ama. Contudo, situações análogas ainda prevalecem numa sociedade que se assume como “cristã”. Não obstante tudo isso, acho que não se deve abdicar dos nossos ideais e nunca desistir à primeira. Na realidade, o primeiro passo para concretizar um sonho é acreditar nele!
O prémio da nossa persistência pode, sem dúvida, ser a conquista de um ambiente familiar colorido com os tons suaves do amor. Como é bom sentir ao fim do dia uma carícia na nossa pele ou um beijo penetrante que embriaga de prazer a nossa existência! Como é bom chegar até nós a delicadeza e profundidade que se desprende da voz de uma criança a quem demos a oportunidade de viver!
De facto ser pai, e ainda mais para nós cegos, constitui a concretização de um sonho. É, por assim dizer, deixar a posição de protegido e passar a condição de protector de um ser frágil que precisa de todo o apoio para crescer saudavelmente.
Muitas vezes o vácuo que nós sentimos será preenchido com as brincadeiras inocentes dos nossos filhos. É, indiscutivelmente, muito agradável podermos tocar e sentir um bebé que depende de nós e adivinhar, através do tacto, a sua aparência. Estas sensações únicas inundam o nosso ser, contribuindo para um estado de êxtase que se pode chamar de felicidade.
Quero, para finalizar, dizer que a possibilidade de sermos felizes ou não depende muito da nossa atitude perante a vida. Se soubermos, calmamente, contornar os obstáculos que surgem à nossa volta e encararmos as adversidades como desafios a vencer, já será meio caminho andado para atingirmos a nossa meta.
Alguém disse, e bem, que: “o sonho comanda a vida”. E enquanto pudermos sonhar, o mundo será aquilo que quisermos. Poderá, sem dúvida, ser um arco-íris pintado de amor e felicidade.

Ricardo Jorge Teodoro
2008/09/28

Olá,Ricardo Jorge Teodoro
Adorei seu texto, emocionei-me profundamente com suas palavras.
É verdade, todos buscamos a felicidade, todos temos o direito de ser feliz!
Sonho com uma sociedade mais esclarecida onde o preconceito cada vez seja menor pois só assim a maioria das barreiras sociais e psicológicas
serão derrubadas.
Agradeço por você partilhar sua experiência de vida!
Eu sou vidente, meu noivo é deficiente visual e somos muito felizes e apaixonados!

" O essencial é invisivel para os olhos, só se vê bem com o coração"

Abraços
Luiza de Marilac