No início da década de 90, quando no Brasil o computador era privilégio de poucos e tecnologias voltadas para a acessibilidade, mais ainda, o Dosvox era a grande solução brasileira para aqueles que buscavam independência no acesso à informática.
Isso porque não havia, por essa época, nem sintetizadores, nem tampouco leitores de telas para atender a essas necessidades dos usuários cegos.
Passou-se pouco mais de cinco anos e vieram o jaws e o virtual vision.
O primeiro, por tratar-se de um software de alto custo, só era possível à maioria dos usuários por meio da pirataria, o que para mim não era nenhum crime, dada a esorbitante quantia cobrada para adquiri-lo e a carência de boas alternativas naquele tempo.
O segundo, ainda que fosse possível obter, por meio de parserias entre a empresa responsável pelo seu desenvolvimento e outras empresas, encontrava-se muito aquém de ser um produto de qualidade, tanto em termos de voz quanto no tocante às funcionalidades do próprio leitor de telas.
Por essa razão, o jaws se propagou e ainda hoje, mesmo com o surgimento e crescimento do NVDA, continua a ser o leitor de telas mais usado no Brasil.
A partir dele, ampliaram-se as possibilidades de que houvesse interação entre o verdadeiro mundo da informática e os deficientes visuais, já que o Dosvox, os mantinha num limbo segregado, usando aplicativos que só eles conheciam, e que além disso, não satisfaziam todas as necessidades de um usuário comum, como formatar um texto complexo, apenas para citar um exemplo.
Tamanha foi a divulgação das instituições governamentais e a covardia dos usuários aliada ao seu desconhecimento, que mesmo assim, milhares de cegos continuaram preferindo o Dosvox e sua pretensa inclusão.
Alguns anos mais tarde, surgiu o NVDA, que tornou-se a primeira alternativa livre e de qualidade para o ambiente Windows.
Depois dele, a meu ver, acabaram-se todas as justificativas plausíveis para que alguém ainda quizesse usar o Dosvox.
Com tudo isso, ainda há quem o prefira, embora o número desses que pararam no tempo tenha diminuido consideravelmente.
É inegável que o Dosvox nos deu uma grande contribuição, mas desde há muito se encontra superado.
Talvez por essa razão, as instituições que promovem a desinclusão resolveram novamente mostrar sua competência nesse aspecto.
Dessa vez, porém, o problema é mais grave, pois existem softwares de terceiros envolvidos. Esses, ainda que gratuitos, têm no mínimo o direito aos créditos e ao reconhecimento por seus serviços verdadeiramente prestados aos cegos.
Tanto o NVDA quanto o orca, leitor de telas para os sistemas baseados no ambiente gráfico Gnome, foram utilizados para promover a leitor de telas um sintetizador de má qualidade, que engasga em algumas consoantes, engole outras e que quase não possui inflexão, denominado Liane TTS, fazendo com que os promotores da desinclusão recebam dessa forma as honras do trabalho de outrem.
Eu, na condição de tradutor da documentação do NVDA para português do Brasil, não me sentiria em paz com minha consciência e meu censo crítico e de justiça caso não me manifestasse de alguma forma.
Outros artigos já foram também publicados sobre esse assunto.
Muitos questionamentos foram levantados.
O principal deles era a fim de tentar entender que motivos levaram as instituições governamentais a tomar tal atitude sem sequer indagar o que pensavam disso aqueles que seriam os mais interessados.
Alguns, mais comedidos, acreditam que seja simplesmente ignorância e incompetência.
Mas eu creio que não é bem assim.
Os responsáveis pelo empacotamento do software Liane TTS junto com o NVDA para o ambiente Windows e com o Orca para linux, sabiam muito bem o que estavam fazendo.
A final, são programadores e qualquer pessoa minimamente esclarecida no que tange à acessibilidade sabe diferenciar um sintetizador de um leitor de telas.
Portanto, a meu ver, não se trata apenas de ignorância, mas de uma inescrupulosa tentativa de tirar proveito de softwares open source a fim de se promover e sabe-se lá o que mais...
Quase 20 anos já se passaram desde que éramos presos ao Dosvox, razão pela qual eu espero profundamente que estejamos maduros o suficiente para compreender e não se submeter a situações como essas.
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Comentários
Excelente artigo.
Olá Marlin.
De fato já ouvi muito a seu respeito, mas só agora pude ter contato com suas idéias. Além de expressar-se muito bem, você conseguiu colocar todo esse contexto de maneira clara, objetiva e extremamente lúcida.
Me sinto bastante entristecido ao ver o rumo que o movimento das pessoas com deficiência visual toma. Muitos de nós, que deveriam ter uma postura autônoma e de imposição, são cúmplices dessas atitudes inescrupulosas. É lamentável, mas creio que onde há um ser pensante coerente, podem surgir vários outros. É diceminando as idéias que as coisas evoluem.
Um grande abraço!
muito bem!!!
concordo! porque nao ter simplesmente feito uma voz sapy para as duas plataformas. se é que teria alguem que iria utilizá-la. A tentativa ai foi de talvez instalar os desconhecidos leitores de telas com essa voz fanha, em computadores de repartições púbblicas, e obrigar os usuarios a utilizarem-na. Desta forma, acostumar os ouvidos daqueles que não tem computador em casa, ou que não tem muita experiência com leitores de telas. Eu sou mais o speak.