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Áudio-descrição: Opinião, Crítica e Comentários - blog de Francisco Lima

História Pessoal e Difusa

por Francisco Lima

História Presente, ou Presente da História?
Prezados,

Preparando-me para o início do ano letivo de 2012, entre leituras de escritos antigos e novos deparei-me com este que é, em essência, parte de minha história pessoal, mas que, porém, é pertinente aos muitos trabalhadores e estudantes com deficiência, pois eles certamente passam ou, infelizmente, vão passar por situações semelhantes de denegação de direitos laborais e educacionais.
Nossos operadores do direito precisam, assim, perceber que o desrespeito a um direito individual da pessoa com deficiência será, de fato, de muitas delas, se não o for de todas elas.
Por isso, partilho com vocês, em particular com os colegas da educação inclusiva, a primeira aula que dei ao vir para a UFPE, então, assumindo a cadeira de “Educação Especial”, como era chamada.
É, por assim dizer, “A História Presente, ou o Presente da História”: de minha história!

Trata-se de resposta dada a um requerimento da candidata que, tendo tirado o segundo lugar no concurso que contrataria apenas um aprovado, objetivava cancelar o certame para essa disciplina, com base no fato de eu ter feito uso de um sintetizador de voz para redigir minha prova, conforme poderão aquilatar no corpo do texto abaixo.
Digo que foi minha primeira aula de educação inclusiva na UFPE, porque neste texto falo de tecnologia assistiva, citando a lei que a defende para os trabalhadores com deficiência e porque verso sobre o tratamento desigual para igualar em condições e oportunidades; uma vez que lembro que a educação inclusiva é uma prática, não um mero tema sobre o qual se discursa ou “ensina”, dentre outros tópicos relacionados.

Construí essa aula com base em sólida fundamentação teórica (incrivelmente atual e aplicável) e, infelizmente, frontal e declaradamente descumprida nas leis citadas e outras, uma vez que ainda hoje são denegados meus insistentes pedidos, minhas solicitações e meus muitos requerimentos de equiparação de condições laborais e igualdade de oportunidades, por meio de tecnologia assistiva, de remoção de barreiras comunicacionais e de atitude, é claro), nesta universidade federal brasileira.
Então, aquele que, desta Universidade, se dignar a ler este texto, convido a somar-se a mim na luta de um CE menos excludente e mais inclusivo.
Cordialmente,
Francisco Lima
Ps. A terminologia de tratamento das pessoas com deficiência, hoje empregada, é pessoa com deficiência visual; pessoa com deficiência intelectual etc.

Nota: Documento enviado ao DPOE/CE da Universidade Federal de Pernambuco, (PE), transcrito do original.
Abril de 2002.

À Profa. Dra. CLARISSA MARTINS DE ARAÚJO – CHEFE DO DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E ORIENTAÇÃO EDUCACIONAIS – CENTRO DE EDUCAÇÃO – UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

RÉPLICA AO REQUERIMENTO DA SRA. ELZA de XXX XXX PARA ANULAÇÃO DE CONCURSO DE PROVIMENTO DE CARGO DE PROFESSOR ADJUNTO

Apresentação

Os direitos dos deficientes não resultam de uma postura filantrópica do Estado brasileiro.
A República Federativa do Brasil fundamenta-se constitucionalmente, entre outros, no princípio da dignidade humana e tem objetivos como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a redução das desigualdades sociais e regionais. Estabeleceu, assim, o legislador constituinte de 1988 as bases axiológicas do texto magno, reafirmando o antigo princípio liberal da Revolução Francesa: a igualdade de todos perante a lei (artigo 5º, caput).
Entretanto, quando o objeto de análise são as pessoas portadoras de deficiência, fica clara a desproporção de acesso aos direitos individuais e sociais ao exercício das suas cidadanias, exigindo-se a presença do Estado.
Cunhou-se, doutrinariamente, em atendimento às dificuldades das minorias, a diferença entre os conceitos de igualdade perante a lei e igualdade na lei.
Da igualdade perante a lei resulta a aplicação da lei ao caso concreto, independente de juízo de valor emitido pelo aplicador do direito. Da igualdade na lei surge a impossibilidade de uma lei dirigir-se a pessoas diferentes, privilegiando pessoas ou grupos, exceto se autorizada pela própria lei. Dirige-se este segundo princípio aos legisladores e aplicadores do Direito.
O modelo constitucional brasileiro estabeleceu que a igualdade perante a lei é o que na doutrina geral temos por igualdade na lei, dirigindo-se prioritariamente ao legislador, pois ao juiz caberá, tão-somente, sua aplicação ao caso concreto.
A Constituição brasileira ocupa-se, reiteradas vezes, em tutelar as pessoas portadoras de deficiência. É que o Estado e a sociedade têm o dever de favorecer condições ao pleno exercício dos direitos individuais e sociais e sua efetiva integração social: ao Poder Público cabe o exercício de suas três funções típicas – legislar, executar a lei e, se provocado, defender lesão ou ameaça de lesão aos direitos materiais; à sociedade cabe, através das entidades privadas e dos organismos internacionais, articulados com os órgãos públicos e por estes autorizados, garantir a efetividade de programas de prevenção, atendimento especializado e de integração social.
As exceções que a Constituição estabelece como direitos dos portadores de deficiência não devem ser interpretadas como um tratamento desigual, de cunho beneficente, mas considerado o universo a que se dirigem, às peculiariedades do grupo em questão, pois a igualdade abstrata perante a lei desiguala. E somente a lei pode desigualar e, quando o faz, objetiva igualar os desiguais, oferecendo-lhes as condições necessárias ao pleno exercício de sua cidadania, visto que tanto se viola o princípio da igualdade quando em situações semelhantes recebe o cidadão tratamento diferenciado, como quando pessoas em situações diversas recebem tratamento igual.
As normas constitucionais de proteção às pessoas portadoras de deficiência
Artigo 7º, XXXI, integrado no rol dos direitos sociais, referindo-se aos trabalhadores urbanos e rurais, a “proibição de qualquer discriminação no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”. Este inciso reitera o artigo 3º, IV que estabelece como objetivo da República Federativa do Brasil a “promoção do bem de todos, sem preconceitos... e quaisquer outras formas de discriminação”.
(A fundamentação civil-constitucional dos direitos dos deficientes, Lídia Caldeira Lustosa Cabral, In: Revista do Instituto Benjamim Constant, nº 13)

Seria o requerimento da Sra. Elza apenas um atestado de seu desconhecimento a respeito das questões relativas à educação especial, à inclusão e à acessibilidade, não estivesse ela pleiteando um cargo de professora para a disciplina de Educação Especial.
Como a senhora Elza pretende para si tal função é de se presumir que ela tenha os conhecimentos, ainda que rudimentares, para esse ofício.
Portanto, se ela os têm, seu requerimento nada mais é que um diploma de seu comportamento preconceituoso, estigmatizante e desrespeitoso para com a diversidade e a dignidade humanas.
O DECRETO Nº 3.956, DE 8 DE OUTUBRO DE 2001 promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (artigo 1o, item 2):
2. Discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência
a) O termo "discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência" significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.

Valendo-se de insinuação e mentiras, a Sra. Elza deseja ver o concurso para provimento de cargo de Professor Adjunto para a disciplina de Educação Especial anulado, não porque houve algum tipo de irregularidade, na realização deste concurso, já que não houve, porém, e tão somente, porque ela ficou em segundo lugar, mais ainda porque ela ficou em segundo lugar tendo ficado em primeiro uma pessoa cega, isto é, portadora de deficiência visual (doc. 1).
Tal acontecimento provocou na Sra. Elza a manifestação ou externalização de sua visão preconceituosa perante o portador de deficiência. Ela foi incapaz de reconhecer no outro uma pessoa diferente com potencial, a qual, dentre outras características fenotípicas, manifestava a cegueira.
A Sra. Elza tomou, assim, uma parte pelo todo. Deixou de ver um profissional cego, para ver uma cegueira estereotipada, tida por muitos, porém não pelo senhor Francisco, como algo de que se deve ter dó. Ela fechou os olhos para o fato de que seu concorrente era Doutor e Mestre em Psicologia, por uma das maiores universidades do Brasil; Ela não enxergou que seu concorrente era licenciado, bacharel e formado em Psicologia em outra das mais conceituadas universidades brasileiras; ela não quis ver que seu concorrente, desde a década de 80, já participara como representante do Estado de São Paulo em encontro nacional promovido pelo MEC para a discussão de questões concernentes aos então chamados excepcionais. Ela cegou-se perante o fato de que o primeiro lugar no concurso foi alcançado por aquele cujo currículo (doc.2) incluía uma série de apresentações de trabalhos no Brasil, na Europa (San Marino, Inglaterra e Alemanha) e nos Estados Unidos, na forma oral, por meio de painéis, artigos e resumos publicados.
É compreensível a dor psíquica, a frustração e o desalento que a Sra. Elza sentiu ao ver que era segundo lugar em um concurso, onde o primeiro foi alcançado por uma pessoa portadora de limitação visual, pois é assim que a maioria das pessoas se sente, quando se depara com o diferente, sobretudo, quando esse diferente expõe-lhes as fraquezas e limites. Entretanto, é inadmissível que uma pessoa que pretenda estar ensinando sobre a diversidade, seja incapaz de reconhecê-la, aceitá-la e viver com ela, como demonstra a candidata.
É inadmissível que a Sra. Elza não entenda que há uma grande diferença entre benefício e tratamento diferenciado a pessoas com necessidades especiais, pois é isso que ela teria de ensinar a seus alunos, viesse ela a ministrar aulas de educação especial.
Faz parte da disciplina de Educação Especial ensinar que se deve tratar desigualmente os desiguais, a fim de que sejam igualados perante as adversidades que têm de enfrentar no dia-a-dia.
A Sra. Elza reclama para si o tratamento igualitário, alegando que ao outro candidato caberia o fazer da prova por via de gravação oral, como se isso bastasse para igualá-los na situação de concurso.
“Portanto, em vez do uso do computador, o candidato deficiente visual deveria ter seu texto ditado e gravado, sendo transcrito por um profissional estabelecido (sic) pela UFPE e não beneficiar-se do Computador com recursos de voz que facilitou seu desempenho.” (requerimento da Sra. Elza)

Tal argumento estampa o desconhecimento da Sra. Elza quanto às dificuldades de se fazer uma prova oral, dentre as quais, a dificuldade que muitos indivíduos têm em se manifestar oralmente frente ao examinador; o tempo que deixam de usar, temendo denotar um desconhecimento inexistente a respeito do conteúdo a ser dissertado etc. Expõe, ainda, o seu desconhecimento perante a adequação curricular e de acessibilidade no que concerne o uso de recursos educativos especiais por e para os portadores de deficiência visual: o indivíduo cego pode fazer sua prova em Braille e a ter transcrita posteriormente; pode fazer a prova oral diretamente com o examinador, devendo este registrar as respostas do primeiro; pode gravar suas respostas em cassete ou cd rom, para que posteriormente sejam avaliadas pelo examinador; ou ainda, mais recentemente, e com maior freqüência, pode valer-se do uso do computador com sintetizador de voz para a redação de suas provas. E ela ainda pretende dar aula de educação especial!
A Sra. Elza não sabe ou não quer dizer que o uso de um sintetizador de voz permite ao portador de limitação visual ler a tela do computador, podendo o examinando reler quantas vezes quiser o que escreve, de tal sorte que seja capaz de corrigir seu escrito, verificar se os parágrafos que escreveu estão coesos e coerentes, se o que escreveu corresponde ao que de fato quer dizer etc, o que se tivesse de fazer oralmente, levaria muito mais tempo, exigiria desse examinando esforço muito maior e diferenciado.
Agiu dentro do ordenamento jurídico a banca quando permitiu que o candidato usasse, pois, a ferramenta que o colocaria em pé de igualdade com sua concorrente. Tratou, assim, desigualmente os desiguais com vistas a igualá-los, com justiça e sem discriminação. Portanto, a banca não foi parcial, nem tendenciosa como maldosamente alegou a Sra. Elza, mas agiu como rezam os artigos 35, itens I e II, do decreto nº3298, de 20/12/1999, e artigo 3, I a, do decreto nº 3976 de 8/10/2001:
Decreto no 3.298, de 20/12/1999:
Art. 35. São modalidades de inserção laboral da pessoa portadora de deficiência:
I - colocação competitiva: processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que independe da adoção de procedimentos especiais para sua concretização, não sendo excluída a possibilidade de utilização de apoios especiais;
II - colocação seletiva: processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que depende da adoção de procedimentos e apoios especiais para sua concretização;
Decreto nº 3976 de 8/10/2001:
1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas:
a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração;

Além do mais, a Sra. Elza, em nenhum momento pediu que lhe fosse dado a usar um computador, assim, ela não se valeu dele porque não quis, tendo, contudo, para prova didática, trazido seu próprio computador. Para o outro candidato, o uso dessa ferramenta não era uma escolha, mas uma necessidade para que melhor e autonomamente pudesse expressar suas idéias, estando em consonância com a LEI Nº 10.098, de 19/12/2000, a qual lhe resguarda esse direito.
Art 1º Esta Lei estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiências ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.
Art 2º Para os fins desta Lei são estabelecidas as seguintes definições:
I - acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida:
II - barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas, classificadas em:
d) barreiras nas comunicações: qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou recebimento de mensagens por intermédio dos meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa;
III - pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida: a que temporária ou permanentemente tem limitada sua capacidade de relacionar-se com meio e de utilizá-lo;
VI - ajuda técnica: qualquer elemento que facilite a autonomia pessoal ou possibilite o acesso e o uso de meio físico.
Art 17- O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismo e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.

Ao se tratar com professores, em cujas salas de aula estão incluídos alunos portadores de limitação visual, os primeiros, a título de argumentarem pela exclusão dos alunos cegos de suas aulas em favor de salas ou escolas especiais segregativas, reclamam que estes fazem muito barulho com suas máquinas de escrever em Braille, como se não houvesse nenhum outro ruído na sala e só a máquina de escrever dos cegos fosse a causadora de toda a dispersão dos alunos, frente a aula. Um professor de educação especial deve, pois, mostrar a seus alunos, futuros professores, que a máquina de escrever não é um privilégio para os cegos, enquanto os demais alunos escrevem com lápis e/ou caneta, mas uma ferramenta necessária, a qual constitui seu direito de uso.
Como pode pretender a Sra Elza ensinar isso, se ela própria não reconhece ao candidato com limitação visual o direito de usar uma ferramenta de escrita, hoje indispensável para a autonomia de expressão de suas idéias? Mais ainda, reclama, depois da prova feita, de que o ruído advindo do fone de ouvido que o candidato usava a incomodava.
2. O uso do computador com dispositivo de voz pelo candidato acima atrapalhou a concentração do outro candidato que teve que dissertar durante as 04 (quatro) horas da prova escrita usando apenas caneta e papel, sendo atrapalhada (sic.) pelo equipamento sonoro do candidato citado.

Tal argumento denota claramente que a Sra. Elza está tentando discriminar o outro candidato, diferenciando-o com o “propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais” (art. 1o., decreto 3.956), dentre os quais o acesso igualitário e justo ao trabalho.
Fica ainda mais clara a atitude discriminatória da Sra. Elza, quando numa redação mal escrita e contraditória, ela tenta fazer crer que o candidato se colocou na posição de “coitado” ao usar transparência, tendo ele perguntado se estava de frente à luz, dificultando a visão da lâmina.

4. Com base nos dados acima solicito a anulação do concurso, pois foi tendencioso e facilitou para o candidato Sr. Francisco de Lima classificar-se em 1o. lugar, desde que (sic), o mesmo na sua aula didática, apenas discursou oralmente (sic) sobre o tema, durante o tempo estabelecido, sem utilizar o mais simples recurso; tal como o de um retro-projetor (grifo nosso) alegando que não podia vê-lo e fazendo piadas se, ele estava na frente da imagem atrapalhando a visão dos que assistiam sua aula; usou apenas uma lâmina de transparência (grifo nosso) onde estava escrito seu nome e o título da aula a ser dada (...).

Aqui, só na imaginação da Sra. Elza ocorreu tal posicionamento.
O candidato compareceu sozinho ao local de exame, vindo de outra unidade da Federação e sem jamais ter estado em Recife antes. O candidato, tendo sempre sido cego, foi professor de inglês, tradutor, professor em curso de pós-graduação, monitor de disciplina na universidade, quando cursava a pós-graduação; foi boy, ajudante de lava-pratos, ajudante de motorista de caminhão, capoeirista etc, atividades suficientes para demonstrar que esse candidato não é do tipo que se faz de coitado, que se menospreza para a obtenção de qualquer benefício, menos ainda perante uma banca examinadora de um concurso onde ele pretende o cargo de professor na disciplina de Educação Especial.
Assim, a alegação da Sra Elza, constitui no mínimo uma projeção de como pensa da pessoa portadora de necessidades especiais. Projeção esta que não é própria de quem acredita no potencial da pessoa humana; não é própria de quem crê que uma pessoa pode superar seus limites sensórios e deixar de ser uma parte “deficiente” de si, para ser um todo capaz; muito menos é própria de quem pretende ministrar aulas de educação especial.
Todavia, a Sra Elza não só demonstra uma visão preconceituosa da pessoa com deficiência, mas também se contradiz e mente em seu requerimento.
Contradiz-se quando afirma que o candidato não usou transparência (“sem utilizar o mais simples recurso; tal como o de um retro-projetor”), para em seguida afirmar que ele “usou apenas uma lâmina de transparência”.
Como poderia ele não ter usado uma transparência e perguntar se estava atrapalhando a visão de uma?
Ainda que não tivesse usado um recurso sequer, isso não lhe diminuiria a qualidade da aula, pois, como sabemos (mas parece que a sra Elza não o sabe), no dia-a-dia os únicos recursos de que se valerá o professor serão a lousa, sua mente, sua capacidade cognitiva, sua habilidade de comunicação e, eventualmente, os textos a sua disposição em sala de aula. Se o professor não tiver conteúdo, ele não dará aula, pois ele não terá um vídeo para dar aula em seu lugar; ele não terá uma transparência para expor a citação de um autor, cujo conteúdo ou idéias o professor não domina; ele não terá um data-show para demonstrar o que ele, professor, não saberia fazer por habilidades comunicativas próprias e com os recursos cognitivos de que dispõe.
Não se trata aqui de que aqueles que fazem uso desses recursos não sejam capazes, mas trata-se aqui de dizer que de nada valem todos esses recursos se o professor não os souber usar ou não tiver conteúdo para, por meio desses recursos, ampliar as possibilidades de aquisição de conhecimento pelo aluno.
O concurso é para a disciplina de Educação Especial e os candidatos devem estar cientes que faz parte da adaptação curricular a utilização de meios diversos para a exposição de suas aulas, entre estes a oralidade, mormente quando houver em sala de aula pessoas portadoras de limitação visual total ou parcial.
Mas não fica a Sra. Elza somente na tentativa de desclassificar o candidato por meio de alegações preconceituosas, ela parte para a mentira e mente quando diz que o candidato “apenas discursou oralmente (sic) sobre o tema, durante o tempo estabelecido, sem utilizar o mais simples recurso”. Ele não só usou textos e plano de aula, como também os entregou a banca, o que se poderá comprovar junto a seus membros e a Sra. Letícia, a qual secretariou o concurso.
Em todos os momentos do concurso o Sr. Francisco Lima portou-se como um profissional correto e probo. Assim agiu quando, ao chegar a sala de concurso, ofereceu seu computador para exame da banca; quando abriu o drive de cd rom de seu computador, para mostrar que nada havia lá; quando mostrou que nada havia em seu drive A; quando colocou, distante de si, sobre a mesa, o cd rom, junto de sua reglete e papéis, os quais não foram tocados em nenhum momento durante a prova; agiu com profissionalidade quando, para mostrar que estava apto para ser docente da Universidade Federal de Pernambuco, não requereu tempo extra ou quaisquer outros recursos que lhe eram de direito, senão a possibilidade de autonomamente redigir seu próprio texto, o que fez na frente de todos e no tempo de prova previsto. Mais ainda, redigiu sua prova de maneira clara, dentro do tema sorteado e de modo que se reconheça em sua redação uma produção textual e não uma reprodução de texto que fugia do tema, como se pode verificar da leitura da prova da Sra. Elza.

DECRETO No 3.298, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1999.
Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências.
Art. 2o Cabe aos órgãos e às entidades do Poder Público assegurar à pessoa portadora de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à edificação pública, à habitação, à cultura, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.
Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:
III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.
Art. 9o Os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal direta e indireta deverão conferir, no âmbito das respectivas competências e finalidades, tratamento prioritário e adequado aos assuntos relativos à pessoa portadora de deficiência, visando a assegurar-lhe o pleno exercício de seus direitos básicos e a efetiva inclusão social.
Art. 35. São modalidades de inserção laboral da pessoa portadora de deficiência:
I - colocação competitiva: processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que independe da adoção de procedimentos especiais para sua concretização, não sendo excluída a possibilidade de utilização de apoios especiais;
§ 3o Consideram-se apoios especiais a orientação, a supervisão e as ajudas técnicas entre outros elementos que auxiliem ou permitam compensar uma ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa portadora de deficiência, de modo a superar as barreiras da mobilidade e da comunicação, possibilitando a plena utilização de suas capacidades em condições de normalidade.

Querer pois, pleitear a nulidade do concurso com a insinuação implícita na alegação de que o recurso utilizado “abre a possibilidade de no programa de computação “word” baixar arquivo de informações úteis sobre o assunto tema a ser dissertado” é tão absurdo quanto, na hipótese de o Sr. Francisco Lima ter ficado em segundo lugar no concurso, pleitear a nulidade e o cancelamento deste, alegando que o uso de papel, lápis e caneta abre a possibilidade de se colar. Ambas as argumentações são verossímeis, porém não constituem, de maneira alguma, verdade no que tange o concurso em tela, portanto não podendo constituir sustentação legal ou moral para a nulidade e cancelamento do referido concurso.
Não se pode anular este concurso, ou qualquer outro, por insinuação infundada, menos ainda com base em mentiras e argumentações preconceituosas e discriminatórias.
Quando se fala em escola para todos, fala-se em dignidade, respeito e reconhecimento do outro com suas diferenças. Assim, devemos estar prontos para viver, praticar, teorizar e, sobretudo, fazer possível (tornar realidade), que essa escola para todos seja efetiva e verdadeiramente para todos.
Só alcançaremos isso, quando aqueles que estão na posição de multiplicadores do conhecimento, de formadores de opinião etc, estiverem imbuídos desse objetivo. Com certeza, não é com o acolhimento de um requerimento repleto de argumentações discriminatórias como o da Sra. Elza que estaremos no caminho de se alcançar a verdadeira escola para todos, a educação para todos, a saúde para todos, o trabalho para todos, enfim, a dignidade de todos perante todos.”

Francisco Lima (15 de Abril de 2002)