Vou contar-vos uma história verídica, da qual eu sou a protagonista.
Eu sou cega de nascença, e durante o meu percurso escolar, até ao 7º ano, habituei-me a ter o apoio de uma professora especializada. Habituei-me a esperar que os livros, fichas e outros materiais chegassem adaptados as minhas mãos. Até que a minha professora reformou-se, eu ia para o 8º ano, pensei que já estaria uma professora especializada na deficiência visual, destacada para me apoiar, mas estava completamente enganada.
Quando iniciou o ano lectivo faltava-me tudo, não tinha uma máquina na escola para eu escrever, não tinha papel, não tinha livros e sobretudo não tinha professora. A máquina e o papel consegui pedir ao nosso serviço, mas a professora parecia mais difícil de encontrar alguém.
Estive um mês completamente sozinha, era eu que tinha de me preocupar com coisas que até aí nunca me tinha preocupado. Depois comecei a ver as datas dos primeiros testes a ficarem cada vez mais próximas, e aí pensei como é que ia fazer, quem ia transcrever os meus testes. Foi aí que surgiu uma professora, que não era especializada na deficiência visual, aliais, nem conhecia as letras em Braille, mas estava destacada para me apoiar. Fiquei meio desconfiada, comecei a pensar se ela não era especializada, se não conhecia o Braille, como é que me ia apoiar. Então a professora frequentou uma formação de dois a três meses, começou a mal distinguir as letras, mas era ela quem, com a minha ajuda, me apoiava.
Este foi um ano completamente desgastante, eu tinha uma professora, mas era como se não a tivesse, era eu quem orientava tudo, desde a chegada dos livros em Braille, a partida de materiais para passar, era eu quem tinha de a alertar sobre todos os assuntos. Enfim, posso considerar que não tinha professora, posso considerar que ficou tudo em cima dos meus ombros. Como se já não bastasse a minha responsabilidade como aluna, ainda tinha de assumir a responsabilidade da professora.
Eu estive ao ponto de desistir da escola, por não aguentar a pressão a que estava sujeita. Se não desisti devo aos professores que faziam de tudo para me ajudar, aos meus colegas, amigos e a minha família que me davam força.
Apesar de tudo este ano foi importante, porque me ajudou a crescer e a saber lidar com situações menos fáceis. Mas também sei que se fosse mais nova na época, não tinha conseguido mesmo lidar com o problema.
Eu só peço uma coisa, as pessoas responsáveis, por favor, não deixem os cegos mais novos nas mãos de professoras que não estão especializadas, porque isso é desgastante, desmoralizante e prejudicial. Por favor arranjem maneira de especializar, decentemente, professoras, e quando digo decentemente não são aquelas formações de meses. Há tantos professores no desemprego, tenho a certeza que alguns podiam ajudar.
Escrevi este texto para alertar para um problema que cada vez é mais comum.
E agora pergunto, será que não existe por aí algures algum cego que já tenha pensado desistir da escola, porque não se sente suficientemente apoiado? Claro que deve existir, mas a esses queria pedir que tenham força, que não se deixem ir a baixo com facilidade, eu sei que nem sempre é fácil, por vezes a palavra desistir soa-nos nos ouvidos como a melhor solução. Mas não, essa não é a melhor solução, não desistam, lembrem-se que sem estudos não há trabalho. Façam como eu, desistir, não conheço essa palavra! Lutem com todas as forças contra tudo e contra todos, porque só assim poderemos chegar a bom porto. Não se esqueçam que lutar é vencer.
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Comentários
oi
Oi, Ana, adorei o que tu escreveste no teu blog. Já repassei a tua história educacional pra outras pessoas que estão estudando e também para as coordenadorias de educação. É fundamental ter o professor especializado trabalhando na escola e proporcionar acessibilidade aos alunos, no entanto além da formação específica é necessário, também, que esse professor seja alguém que desafie o aluno a ser autônomo e buscar, enfrentar as dificuldades. Na verdade, você relatou uma situação muito comum hoje. Os professores especializados se aposentam e as secretarias não preparam ninguém para substituí-los. Além disso, penso que as pessoas deficientes visuais têm de batalhar por seu espaço, não esperar tudo nas mãos.
Parabéns!!!!
LORENA
agradecimento
Olá Lorena, em primeiro lugar quero agradecer pelo facto de ter passado a minha história para outras pessoas, pode ser que assim dê para ajudar mais alguém.
Em segundo lugar, quero dizer que concordo plenamente consigo quanto ao professor, além de ser especializado que seja uma pessoa capaz de desafiar o aluno, assim há mais motivação em aprender não é?
Infelizmente, situações
Infelizmente, situações como essa ainda acontecem com maior frequência do que a que desejávamos. O Estado não apoia as pessoas que relamente precisam e é por isso que as coisas estão como estão.. Enfim, Estado e críticas à parte, desistir não é uma solução, é só um refugio e parabéns por nao teres recorrido a esse refúgio, pois por vezes sei que parece que é o mais fácil. Sei que ja lutaste muito pa chegares onde chegaste hoje e tenho orgulho em tudo isso, sabes disso. Admiro-te pela pessoa que és e pelo esforço que fazes para mostrar a todos que em nada és inferior, porque nao o és! Nao desististe e venceste imensas barreiras e vencerás muitas mais, tenho a certeza! Tens amigos (tenho a honra de fazer parte deles), e uma familia espectacular que te apoia em tudo, por isso quando precisares de nós, estamos cá! Continua a escrever, futura jornalista! Beijinho, sabes de quem.
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Infelizmente situações como essa ainda acontecem, em que as pessoas que necessitam não recebem o apoio que mereciam receber. Mas críticas à parte, desistir, por vezes, parece ser a coisa mais fácil a fazer, mas é apenas um refúgio, que nao muda nada! E ainda bem qe nao procuraste esse refugio. Admiro-te. Lutas pelo que qeres e nao deixas que os outros te deitem abaixo. Mostras-lhes qe em nada lhes és inferior, porque nao o és! Muito pelo contrario.. E sabes que podes contar com o apoio dos teus amigos (o meu inclusive) e da tua familia, que apoia-te imenso. Beijinhos, futura jornalista (sabes de quem).