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Áudio-descrição: Opinião, Crítica e Comentários - blog de Francisco Lima

Descrição X Áudio-descrição

por Francisco Lima

Prezados,
Acho que já faz algum tempo, desde que enviei para aqui um texto a respeito da “gramática da áudio-descrição”.
Hoje partilho com vocês o artigo “REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DA ÁUDIO-DESCRIÇÃO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA INCLUSIVA” de Ana Flávia Teodoro de Mendonça Oliveira e Valquíria Pereira Alves, disponível em http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/principal/article/..., cujo extrato segue abaixo.
Cordialmente,
Francisco Lima
1.1. “...Descrição X Áudio-descrição: diferenças significativas

Inicialmente, é importante destacar que a áudio-descrição tem características próprias que lhe confere um conceito particular. Por isso, não pode e não deve ser compreendida como uma descrição simples, ou uma narrativa explicativa sobre os fatos ou ainda uma exposição narrativa daquilo que se vê. Com efeito, Lima et all (2009) advertem para a importância de compreender que a áudio-descrição não é uma descrição qualquer, despretensiosa, sem regras, aleatória.
Na perspectiva apresentada por Lima et all (2009), a áudio- descrição deve ser considerada uma descrição regrada, adequada a construir entendimento, onde antes não existia, ou era impreciso; uma descrição plena de sentidos e que mantém os atributos de ambos os elementos, do áudio e da descrição, com qualidade e independência. É assim que a áudio-descrição deve ser a ponte entre a imagem não vista e a imagem construída na mente de quem ouve a descrição (LIMA et al., 2009).
Para Mota (2008), a áudio-descrição deve ser entendida como um recurso de acessibilidade que abre maiores possibilidades de acesso à cultura e a informação, permitindo que as pessoas com deficiência visual possam assistir e entender melhor filmes, peças de teatro, programas de TV, exposições, mostras, musicais, óperas e outros, ouvindo o que pode ser visto. Segundo a autora, a áudio-descrição consiste na

arte de transformar aquilo que é visto no que é ouvido,o que abre muitas janelas para o mundo para as pessoas com deficiência visual. Com este recurso, é possível conhecer cenários, figurinos, expressões faciais, linguagem corporal, entrada e saída de personagens de cena, bem como outros tipos de ação, utilizados em televisão, cinema, teatro, museus e exposições. (MOTA, 2008, apud LIMA, LIMA e VIEIRA, 2010, p.12)

Uma das questões importantes a considerar em relação a áudio-descrição é a sua relevância para comunicação e particularmente para otimização da compreensão de produtos audiovisuais pelo público com deficiência, funcionando como um serviço de apoio importante para a inclusão social desses sujeitos. Sobre isso, Aenor (2005) explicita que a áudio-descrição pode ser considerada como:

Serviço de apoio a comunicação que consiste no conjunto de técnicas e habilidades aplicadas, com objetivo de compensar a carência da capitação da parte visual contida em qualquer tipo de mensagem, fornecendo uma informação sonora adequada que a traduza ou explique, de maneira que o possível receptor com capacidade visual diminuída perceba tal mensagem como um todo harmônico e da forma mais parecida o possível de como seria para uma pessoa que enxerga a compreenderia (AENOR, 2005 apud SILVA et all, 2010, p.4).
A técnica de áudio-descrição envolve acessibilidade aos elementos visuais disponíveis através de diferentes mídias e por meio de diferentes veículos de comunicação. Dessa forma, a áudio-descrição,
[ ] envolve a acessibilidade aos elementos visuais do teatro, televisão, cinema e outras formas de arte para pessoas cegas, com baixa visão, ou qualquer outra deficiência visual. É um serviço de narração que tenta descrever aquilo que está disponível ao vidente, e é oferecido sem custo adicional ao espectador com deficiência visual – aquelas imagens que uma pessoa que é cega, ou com deficiência visual, antes só podia ter acesso por meio dos sussurros de um colega vidente. Em teatros, em museus, e assistindo à televisão, a filmes, e a apresentações em vídeo, a áudio-descrição é comentário e narração que guia o ouvinte através da apresentação com descrições concisas, objetivas de novas cenas, cenários, trajes, linguagem corporal, e “piadas visuais”, todos colocados entre trechos de diálogos ou músicas. (http://www.adinternational.org/ADIad.html apud LIMA et all, 2010, p. 8).

Por conseguinte, em termos gramaticais a descrição, enquanto gênero pode ser definida como a explicação, com palavras, do que se viu e se observou. Para Rosenthal (2009, p. 442) a descrição pode ser definida como um “texto ou fragmento de texto que tem por fim formar a imagem de um ser, de um objeto, de um lugar ou de uma situação em um determinado momento.”
Para Platão e Fiorin (1991), a descrição “é o tipo de texto em que se relatam as características de uma pessoa, de um objeto ou de uma situação qualquer, inscritos num certo momento estático do tempo” (p. 297). Os autores ressaltam que o texto descritivo não relata mudança de estado que ocorrem no tempo, apenas retrata as propriedades e aspectos que os elementos descritos em um certo estado, tomando-os como se estivessem parados no tempo.
De acordo com Nadólskis (2013), vislumbram-se três elementos básicos em uma descrição, a saber: o primeiro é a nomeação, dando existência ao elemento; o segundo é a localização, ou seja, a determinação do lugar em que o elemento ocupa no tempo e no espaço; e o terceiro é a qualificação, onde o observador dará o seu testemunho sobre os seres do mundo, constituindo-se a parte principal de uma descrição. Para o autor “a qualificação pode estar no campo objetivo, também chamado de denotativo, sem impressões do observador, tentando maior proximidade com o real e no campo subjetivo ou conotativo, com a visão do observador através de juízos de valor.” (p. 199).
Em relação à distinção entre um texto descritivo e a áudio-descrição, temos a seguinte consideração:

O texto descritivo resulta sempre de um ato de escolha que engaja uma subjetividade enunciativa, manifestada através da explicitação de certos aspectos daquilo que se descreve. Enquanto que o segundo pressupõe objetividade, ética e habilidades lingüísticas na materialização do pilar “descreva o que você vê”, exigindo, portanto, do áudio-descritor a efetivação da técnica e a omissão de impressões pessoais. (SILVA et all, 2010, p.6)

As considerações anteriores confirmam os pressupostos de que a áudio-descrição deve ser considerada como um gênero textual. Nesse sentido, é preciso esclarecer que os gêneros textuais são “entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis de qualquer situação comunicativa” ((MARCUSCHI, 2005, p.19).
Desta forma, os gêneros surgem como formas da comunicação, atendendo a necessidades de expressão do ser humano, moldados sob influência do contexto histórico e social das diversas esferas da comunicação humana. De acordo com Marcuschi (2005, p.22), “os gêneros textuais se constituem como ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo”.
Nesse âmbito Silva et all (2010) salientam que a áudio-descrição pode ser considerada um gênero textual, pois, para

o propósito que determina seu formato é a necessidade sociocomunicativa emergente em contextos diferenciados como cultura, educação e lazer, e tal necessidade se refere especificamente à acessibilidade comunicacional das pessoas cegas ou com baixa visão inseridas nesses contextos. (...) Na esteira do entendimento acerca da distinção entre a descrição e a áudio-descrição, situa-se a intencionalidade da segunda em tornar acessível para a pessoa com deficiência visual o que não está disponível, através do tato, ou, imediatamente, pela fonte sonora natural do material. Além disso, é um gênero construído para ser lido por alguém, por exemplo, pelo professor, ou mesmo pelo leitor de tela com sintetizador de voz; é um texto permeado pela função inclusivista de promover equiparação de oportunidades comunicativas, sociais, culturais entre as pessoas que queiram e/ou necessitem se utilizar do serviço e os demais sujeitos sociais. (p.9)

As considerações anteriores servem-nos de mote para explicitar a importância do professor reconhecer a existência de uma clara distinção entre descrição e áudio-descrição, uma vez que se trata de processos distintos, que requer posturas diferenciadas. Para realização da áudio-descrição faz-se necessário que os docentes tenham conhecimento teórico e postura técnica condizentes com as necessidades do aluno cego ou do aluno com baixa visão. Sem esse entendimento, corre-se o risco de o professor presumir que ao descrever os eventos visuais está realizando uma áudio-descrição. Sobre isso Lima (1998) salienta que:

[ ] mesmo que o professor tenha habilitação para educação especial, ele poderá estar presumindo que a representação que formula para explicação de dada informação ao aluno sem limitação visual seja a mesma que deveria dar ao aluno cego. É possível que seu pressuposto seja de que uma vez verbalizando o exemplo dado à sala, isso bastará à compreensão do aluno cego. (p. 15-16)

Como podemos depreender, torna-se evidente que o professor ao áudio-descrever eventos visuais deve assumir um papel condizente com os parâmetros exigidos por essa técnica, possibilitando aos usuários da áudio-descrição, nesse caso os alunos com deficiência visual, a melhor construção imagética ou o melhor entendimento das imagens (imagens de livros, imagens de filmes ou documentários, imagens apresentadas em slides, dentre outras) apresentadas no contexto educacional.
Isso significa que ao áudio-descrever uma imagem o professor deve obedecer a critérios pré-estabelecidos, ou seja, para realizar com eficácia a áudio-descrição de forma a empoderar os alunos com deficiência, os docentes devem seguir as orientações e diretrizes fundamentais para a tradução visual. Dentre as diretrizes fundamentais para a tradução visual, destacamos as seguintes:

1. Diga o que você vê;
2. Não diga o que você não vê;
3.Vá do geral para o específico;
4.Não ofusque o trabalho dos atores;
5.Seja claro;
6.Use frases e não palavras isoladas;
7.Descreva a ação que indica a emoção (em lugar de meramente nomear a emoção);
8.Identifique os personagens pela aparência, e não por tipo ou estereótipo;
9.Não apresente informações antes de o evento o apresentar. (MIKERT, 1995, apud LIMA E LIMA, 2012, p.11)

No caso específico da áudio-descrição de imagens estáticas que aparecem nos livros didáticos, é necessário que o docente esteja atento a algumas particularidades, dentre elas, a de que deve-se partir de uma visão mais geral da imagem, apresentando uma espécie de resumo do que é visto e em seguida detalhar as minúcias, tendo como ponto de partida a percepção dos elementos situados da esquerda para a direita, do plano mais próximo para o mais distante. (SILVA et all, 2010)
As breves considerações a respeito das diretrizes da áudio-descrição, apontam para a necessidade da formação de professores com competência técnica necessária para áudio-descrever os eventos visuais, de forma que as imagens possam “falar aos usuários por meio da tradução visual do áudio-descritor, com a magnitude que falam aos que as imagens vêem” (LIMA E LIMA, 2012, p.16). Desta maneira, para ilustrar as diferenças existentes entre o processo de áudio-descrição e de descrição, apresentamos abaixo a imagem da boneca Emília e a forma como é apresentada através dos dois processos respectivamente...”
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