* por Carlos Ferrari
Há alguns meses, voltando para casa, peguei um ônibus e acabei sentando com outro cego. Coincidência? Talvez um pouco, mas nem tanto.
Cada vez mais as pessoas com deficiência estão saindo de casa, e quando duas que não enxergam estão no mesmo ambiente, sempre tem alguém que deduz que elas se conhecem e acaba dando um jeito de aproximá-las.
Após entrar no ônibus e receber um lugar para sentar cedido por um senhor, senta aqui que tem um amigo seu!, sorri e já puxei assunto com o Deco, me apresentando e já ouvindo um barulho característico da bengala feito pelo meu novo amigo, confirmando minha suspeita de que ali tinha um cego. Brincamos com a situação e o Deco me disse, sorrindo, que estava indo trabalhar. Era o segundo mês em uma loja de equipamentos de informática, e ele contava com muito bom humor as histórias vivenciadas como suporte técnico. Foram muitas risadas e Deco disse em determinado momento, essa tal de cota dá trabalho, hein? Conheço mais um monte de gente que tem sido contratada.
Esta frase me deixou bastante reflexivo e finalmente me motivei a escrever sobre o assunto. Com certeza a conclusão simples, porém não menos sábia de Deco é um fato a ser comemorado. A lei de cotas tem dado, garantido, muitos postos de trabalho para pessoas com deficiência. Da mesma forma, diferentes atores sociais que acreditam que esta lei não simplesmente assegura a inserção de nosso segmento no mercado, têm trabalhado para mostrar à sociedade que cumprir a cota com qualidade pode ser o grande diferencial para empresas, órgãos públicos e organizações não governamentais.
Capacitar profissionais respeitando as diferenças e otimizando as potencialidades, como disse o Deco, dá trabalho. O trocadilho neste caso é muito feliz, pois nos remete a pensar o quanto é trabalhoso desenvolver programas que respeitem as limitações, porém tenham seu foco nas eficiências. O resultado, no entanto, são profissionais e empresas satisfeitas e contratações que acabam superando as exigências impostas pela legislação.
Às vésperas do Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência (21 de setembro), é importante lembrarmos da frase do Deco. A lei de cotas dá trabalho. Trabalho para pessoas com deficiência, trabalho para aqueles que a levam a sério: ministério público, gestores governamentais, ONGs e empresas. A lei ainda dá muito trabalho àqueles que a cumprem por obrigação. Empresas que contratam e encostam pessoas com deficiência considerando-as como um fardo, inevitavelmente perdem esses profissionais, que trocam a humilhação de uma empresa que não valoriza a diversidade, por oportunidades de crescimento como cidadãos.
Se a cota dá trabalho, que trabalhemos todos para seu cumprimento sob a lógica de um novo paradigma: o da eficiência! O Deco não foi contratado por não ver, mas sim pelo seu bom português, simpatia e conhecimentos de informática. Então fica a pergunta: Quanto por cento da cota da eficiência sua empresa pode atingir?
* Carlos Ferrari é administrador de empresas, mestre em Administração de Empresas pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (IMES) e pós-graduado em Marketing pela Fundação Cásper Líbero.
Ferrari é deficiente visual de nascença e ficou totalmente cego aos sete anos de idade. Atualmente é professor universitário nos institutos Ítalo-Brasileiro e Faculdade Interação Americana. Vice-presidente da AVAPE, instituição focada na inclusão de pessoas com deficiência. Ele é, ainda, presidente da Federação Paulista de Desportos para Cegos (FPDC), sócio-proprietário da Supera Treinamento e Gestão Sócio-Ambiental. Idealizador do treinamento Superação de Limites e Identificação de Potencialidades.
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Comentários
Aqui em Portugal, isso deixa muito a desejar
Esta notícia dá a entender que no Brasil as empresas cumprem melhor essa tão falada cota. Se é assim, parabéns. Por aqui é certo que já foi pior, mas mesmo assim, deixa muito a desejar.
Tiago Duarte
Cota de emprego
Gostava de ter mais informações , sobre cota de emprego qual é a lei que esta em vigor em portugal , e como concorrer para função publica ou privada e como obrigar a cumprir as regras.
Obrigada a todos e desculpem a minha ignorancia
Portugal e Brasil
Fala-se tanto por Portugal que o Brasil é um mundo de criminalidade, resumir o Brasil aos crimes de São Paulo e Rio de Janeiro é um exagero. Não sei até que ponto em Portugal se empregam pessoas com deficiências visuais em lojas informáticas, mesmo que tenham elas bons conhecimentos e falando bem Português os empregos para pessoas com deficiências em Portugal, simplesmente, NÃO EXISTEM.