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Como cheguei a Deus e fiquei na mesma

por Lerparaver

Uma pessoa cega, se tiver a sua faculdade mental intacta, está em pé de igualdade com o comum dos mortais. Não vê objectivamente o que o cerca, no plano material, mas enxerga sem limites no “Mundo Virtual do seu Imo”. Aqui, como os demais, ele funciona como uma fábrica de ideias. É certo que faz parte daquilo que nós colectivamente consideramos “Humanidade”, mas na essência é ”Uma Unidade de Vida” por excelência. A sua dor física ou moral, é apenas e exclusivamente sua. Se alguém sofre por ele, essa dor é daquele que a sente. Quando morre um indivíduo, a Humanidade continua. Para esta desaparecer da face da Terra, todas as unidades de vida humana teriam que desaparecer em absoluto. Quer isso dizer que não faz nenhuma diferença à humanidade que vão nascendo novas unidades de vida humana e outras vão, ao mesmo tempo, desaparecendo. A Humanidade não é uma unidade distinta com vida própria, não nasce, não cresce, não morre. Flui ao longo dos tempos. Como originou, porque existe, qual o seu destino? São perguntas que os filósofos, especuladores religiosos, ateus pensadores, etc., tentam, em vão, responder. Têm fortes convicções a respeito destas coisas. Quando oiço os cientistas, especialmente os materialistas, falarem na convicção de que a Humanidade povoará, um dia, outros planetas, fico, naturalmente, com cócegas mentais. Onde estarão eles, como unidades de vida pensantes, nessa altura? Se são, não mais que feitos da matéria, não estarão cilindrados para todo o sempre, pela transformação da mesma? Por outro lado, quem, ou qual é a coisa, ou coisas, que beneficiam com a existência da chamada Humanidade? O Firmamento será mais Céu e melhor por causa da Humanidade? Há alguma evidência disso em alguma parte do Universo Infinito?

Qual é o meu posicionamento, nesta fase da minha vida, sobre esta matéria? Dê-me a vossa mão e eu levar-vos-ei num passeio pelas ruas e ruelas dos meus sentimentos e observações. Não levem muito a sério o que irei revelando pelo caminho. Não convém esquecer que se trata de apenas a minha visão da coisa. Se não se identificarem comigo nestas especulações, poderão considerar-me como mais um com convicções suigeneres que podem ficar no saco de tantas outras.

Cada um de nós, unidade de vida que somos, em qualquer dada altura da nossa vida, está situado num ponto deste Universo, mais propriamente neste Planeta Terra: em casa, na rua, num avião, num barco, na praia, num restaurante, etc., não é verdade? À nossa volta há sempre objectos fabricados pelo homem: uma mesa, uma cadeira, uma caneta, um edifício, uma rua, uma ponte, um avião, um carro, etc., etc.. De facto, seria quase impossível não termos alguma coisa do fabrico humano junto de nós, estejamos onde estivermos.

Tomemos, por exemplo, em consideração uma ponte sobre um rio majestoso, robustamente construída com as técnicas modernas. Passam sobre ela veículos, pesados e ligeiros, criaturas humanas, animais, mercadorias, etc.. Esta ponte que é palpável, usável, visível, audível e cheirável, antes de ser assim, começou a sua vida, meramente como uma ideia, certamente no âmago de uma “Unidade de Vida”. Qual uma fotocópia ou fax foi contagiando outras Unidades de Vida, com tal entusiasmo e determinação, em número suficiente, onde o poder legislativo, o poder financeiro, o poder técnico - científico, o poder mecânico, o poder muscular, fizeram a sua aparição, e a ponte se fez. Uma ideia, que na fase inicial, não podia ser tocada, cheirada ou pesada, é agora algo que pode ser observada objectivamente por qualquer pessoa. A ideia materializou-se. O Universo foi forçado a ajustar as suas moléculas, os seus átomos, as suas energias, vestiu a ideia com a sua matéria cósmica, não teve como fugir disso. Esta observação aplica-se, invariavelmente, a qualquer objecto produzido humanamente.

Daqui a minha conclusão de que, qual quer ideia, desde que ela arraste consigo, um desejo forte de realização, uma determinação inabalável, contagie unidades de vidas pertinentes, seja compatível com a viabilidade, o Universo submete-se a ela, veste-a indiferente à bondade ou maldade da mesma.

Nos nossos dias, estamos familiarizados com sistemas operativos e programas informáticos. Uma vez concebidos e efectivados, eles podem ser usados pelo comum do utilizador. Não é necessário os seus respectivos autores estarem presentes ou intervirem. Estão feitos, funcionam dentro das regras, e sempre assim, em circunstâncias predeterminadas.

Quando à noite observamos o céu estrelado na ausência do luar, e enchemos o nosso espírito de deslumbramento por aquilo que observamos e sabemos pelos compêndios sobre o que está diante de nós, somos levados a fazer as nossas conjecturas:

Subjacente a todos esses orbes, das mais variadas espécies, em movimento regrado, em existência desde quase sempre, estará um Sistema Operativo produzido e sustentado por uma Unidade de Ser, de vidas múltiplas, ou de só uma Vida, de magnitude inconcebível por nós os humanos? É um Ser misterioso? E cada um de nós, como fabricante de ideias não somos um mistério? Donde nos vem este poder de imaginar, de ter ideias que vão alterando a crosta terrestre a olhos vistos? Do mesmo modo estará Deus a actuar com o Cosmos? Quando se diz que o Homem é feito à imagem e semelhança de Deus, estaremos, sem querer, a referirmo-nos à qualidade de produzirmos ideias? Nunca será, certamente, por temos o aspecto de corpo físico que temos. Porque precisaria Deus de dois olhos, ou ouvidos, ou pernas, se Ele é omnipresente e omnisciente. Nós precisamos de pernas porque estamos num ponto e precisamos de passar para um outro. Deus, se está em toda a parte, não pode necessitar de pernas, como é óbvio. E, se aceitarmos que somos meramente imagens, as nossas ideias não passarão de sombreados em comparação com as que o Ser Original produz, certamente...

Que herança nos fica então destas observações? As ideias, indiferentes à sua carga de bondade ou maldade, desde que reúnam os respectivos fortes desejos de realização, determinação firme, compatibilidade com a viabilidade, se tiver as pertinentes adesões de unidades de vida cheio de poderes, há materialização. O Universo é obrigado a vesti-las. Senão vejamos: Estão lembrados das bombas atómicas sobre o Japão? Quantas pessoas não teriam sido surpreendidas com a morte fulminante, mesmo aquelas mergulhadas nas orações religiosas na altura? Quantos hereges não foram despachados através de fogueiras para engrossarem as hordas do Satanás, em vez de os salvar para Deus, e isto por entidades servidores de Deus, durante a Inquisição? Por outro lado não é certo, também, que as Instituições Religiosas, têm vindo ao longo do tempo, pelas mesmas razões e pelos mesmos efeitos, a realizar obras de grande significado e benefício aos seres humanos? Quantos milhões de Judeus não se viram barbaramente despachados desta para o outro? O que lhes valeu a sua religião ou as suas preces? Os restantes salvaram-se quando as ideias opostas ganharam o necessário vigor. O Universo vestiu estas ideias em detrimento das anteriores. Um jagunço entra numa casa de Deus para pedir protecção para o crime encomendado que ele está prestes a realizar. Deus não o impede de o realizar mesmo que a vítima seja daquela que bate ardentemente com a mão no peito. Uma toureira, como observei na televisão outro dia, rezava ao seu Santo protector para lhe dar forças e genica para levar ao touro, um animal inofensivo e benigno, o tormento da morte, numa manifestação abominável, sangrenta e pública. E como somos muito hábeis em trocar os nomes às coisas, poderíamos perfeitamente dizer neste caso que o animal não foi morto mas que se entregou à morte para nos alimentar. Se a toureira, em vez de pedir a um Santo, pedisse a um diabo, o resultado seria o mesmo e o pobre bicho não teria como fugir ao peso dessa macabra ideia da toureira, devidamente apoiada por umas quantas poderosas unidades de vida. Nos tempos mais recentes, a propósito da ocupação do Iraque, de que valeram as orações nas mesquitas, das outras religiões, as preces e apelos do Papa, dentro dos templos e fora deles? A contestação a nível global, vibrante, ecoada pelos media, nada disso impediu que a ideia da invasão se materializasse. O Universo vestiu esta ideia da invasão porque reunia todos os ingredientes da fórmula fatal: determinação inabalável, contágio pertinente, sincronia com a viabilidade porque tinha o músculo bélico poderosamente superior, a ela associado. Esta ideia venceu, à outra faltava um elemento importante óbvio. Neste caso o poderio bélico foi determinante. Nas realizações humanas, das mais vulgares, o componente militar não entra, geralmente, em jogo.

É minha convicção que Deus fez o seu sistema operativo do Universo e tudo acontece em virtude disso e não por intervenção directa como acontece entre as transacções humanas: “Olho por olho, dente por dente” ou algo parecido. Provavelmente o entendimento com Deus se faz num plano diferente, profundo e mais subtil. E mesmo isso… quem sabe como, ao certo?

Dentro ou fora dos templos, crentes ou não crentes, o melhor é acalentarmos ideias construtivas, benéficas à humanidade, às outras criaturas vivas e a tudo o que a Mãe Terra tem e nós precisamos para a nossa sobrevivência e bem-estar. Fabricar ideias apaixonantes contra a fome, a doença, contra a pobreza de corpo e de espírito, contra o sofrimento de toda sorte. As horas gastas nos templos e fora deles que sejam para afinar boas ideias e cuidar do seu contágio, de molde a envolver os respectivos poderes. Se conseguirmos agir nesta perspectiva, não deixaremos, a prazo, de termos um Mundo melhor. O Universo não terá outro remédio senão vestir estas ideias.

Assis Milton

27 de Agosto de 2003