Olá amigos. A vida segue corrida, mas preciso escrever-vos isso.
Para aqueles de nós que escolheram ter uma vida normal, dentro dos possíveis, lutando contra tudo o que, em tese, nos impediria de ter essa própria vida normal, a sensação de obter com muitas dificuldades aquilo que normovisuais podem obter, pode-se dizer, levianamente, é de certo bastante conhecida.
Se você vai a um cinema (sozinho), perderá toda a parte cênica que envolve imagens. Se, além disso, não dominar o idioma no qual o filme está, é possível que a ida ao cinema resulte totalmente inútil, apesar da intensão.
Evidentemente, normovisuais poderiam entender esse mesmo filme tanto pelas legendas como, também, se não houver outro modo, pelas imagens apresentadas.
Por muitas vezes tive de ouvir colegas discutirem fatos e notícias que passavam em alguma televisão que estava muda em algum lugar por perto, e fiquei completamente excluído dos assuntos. Pedir insistentemente para as pessoas falarem sempre o que se está a passar é algo, no mínimo, cansativo para todas as partes.
Não quero me extender aqui sobre o quanto de informação nós perdemos diariamente, mesmo que lutemos com todas as forças para obter o maior número possível delas; poderia escrever extensos artigos sobre o assunto baseado em experiências próprias e em teorias lidas e estudadas por aí. Queria, isso sim, falar de um sentimento estranho, semelhante a falta de dignidade * ou quase isso * que, por vezes, me assola quando estou tentando realizar uma atividade não totalmente acessível.
Quando vejo, por exemplo, pessoas levianamente conversando durante uma pessa teatral ou comentando sobre um determinado filme com uma visão estupidamente superficial sobre o assunto, fico pensando o quanto seria mais fácil para mim se eu tivesse ao menos acesso a todas as informações que essas mesmas pessoas tiveram quando estavam assistindo o filme ou a pessa. É como se, por um tempo, eu estivesse comendo resstos de comida enquanto os mais finos pratos estão sendo jogados fora porque os que têm acesso a eles simplesmente não os comem ou por não saberem que estão ali ou por não terem capacidade de apreciá-los.
Apesar disso, mesmo com a falta de acessibilidade / preparo / infraestrutura, tenho conciência de que eu mesmo sou mais crítico e mais "antenado" do que muitas dessas pessoas. Mesmo assim, a sensação de frustração sempre retorna quando preciso ir a algum tipo de evento em que perco informações que, no fundo eu sei, me fazem falta.
Ir a uma ópera, por exemplo (para quem gosta) é algo indiscritivelmente prazeroso. Sempre tentei ler o libreto antes de ir, de forma que eu soubesse como a trama se desenrola. Assim, é só ouvir a música e relachar.
Mesmo assim, as perguntas sobre como as coreografias são feitas, quais são os cenários, o que acontece nas cenas em que só a orquestra toca sempre ficam martelando em minha cabeça. Por vezes, chego até a indiscrição de perguntar a alguém do meu lado o que está acontecendo no palco.
Como é de se esperar, isso não raro gera incômodo (certamente em mim, certamente em quem está por perto, com alguma certeza para o alvo da pergunta). Nas vezes em que encontro solidariedade, não raro ouço de resposta todas as informações (história, roteiro, etc), menos a que eu perguntei.
Pois bem, ontem, pela primeira vez na vida, posso afirmar seguramente que me senti a altura dos demais espectadores ao ir asssistir a uma ópera sobre a qual, duas horas antes, eu não tinha a mínima informação.
Tão simples quanto chegar ao teatro, receber um libreto em braille e fones de ouvido, todos os meus problemas foram magicamente resolvidos.
Pela primeira vez na vida me senti como alguém a mesma altura dos demais, como um ser humano que não deve nada a sociedade, como aliás eu imagino que sou.
Isso porque a ópera Cavalleria Rusticana está em cartaz no teatro São Pedro, na cidade de São Paulo, com serviço de áudio descrição e libretos em braille para deficientes visuais até dia 02/08.
Apesar da áudio descrição para um tipo de espetáculo como uma ópera precisar ainda ser ajustada, o nível de informação provida pela combinação libreto em braille + áudio descrição no decorrer do espetáculo é simplesmente inacreditável. É como um sonho poder ter detalhes importantes em um espetáculo desse tipo.
Aos que se interessarem, sujiro procurar informações no teatro São Pedro e acessar o link abaixo.
http://catracalivre.folha.uol.com.br/2009/07/uma-opera-com-traducao-simu...
Em breve pretendo escrever um outro artigo falando sobre a áudio descrição mais especificamente.
Marlon
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