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Áudio-descrição: Opinião, Crítica e Comentários - blog de Francisco Lima

Cegueira, Limitação ou Incapacidade?

por Francisco Lima

Há uma dúzia de anos passados, escrevi um artigo em que tratava da diferença entre limitação e deficiência, termo lá usado como tradução de incapacidade.
Nesse artigo, perguntava eu: "Questão de postura ou de taxonomia?"
Hoje, a nomenclatura mudou, mas a pergunta continua, tanto quanto meu entendimento de que ao falarmos de limitação, estamos falando de uma situação, a qual pode ser, em algum momento, superada. Além disso, os limites são socialmente aceitos e, se não forem superados, a sociedade é, para com eles, menos cruel, sendo mesmo, em muitos casos, acolhedora dos que os apresentam. Naquele artigo, eu, portanto, afirmava que ao falarmos de limitação e incapacidade, estamos falando da diferença entre o ser e o estado da pessoa, afirmando que na incapacidade, a pessoa com deficiência é vista como um ser incapaz, ao passo que na limitação, se lhe está tratando do estado . Estado este que é mutável.
Ao reler alguns materiais para preparo de minha aula, resolvi partilhar com vocês este extrato de um livro, publicado faz apenas uns poucos anos, em que o assunto vem à tela novamente.
E você, o que acha? A deficiência visual é incapacitante ou apenas impõe algumas limitações?
As terminologias são apenas palavras e não têm grande importância, ou são traduções das atitudes? A questão, pois, é de postura ou de taxonomia?
Ah, o texto?
Leia-o agora:

"A Diferença entre Limitação e Incapacidade

Uma vez que as explicações (dadas neste livro) permeiam modelos de representação social de discriminação contra as pessoas com deficiência, antes de irmos além, ser-nos-á útil estudarmos as bases principais dos modelos de representação social.
No cerne desse modelo está a crença de que, na Bretanha contemporânea, as pessoas com deficiência são incapazes/excluídas por uma sociedade que não é organizada de maneira que leve em consideração as necessidades dessas pessoas (Finkelstein, 1980; Oliver, 1990, 1996; UPIAS, 1976).
No modelo de representação social, então, uma distinção-chave é feita entre os termos ‘incapacidade’ e limitação, uma análise que representa uma nova forma de pensar sobre a estrutura de opressão contra as pessoas com deficiência. Esta distinção tem sido explicada nos seguintes termos pela Disabled People’s International, com a fraseologia subseqüentemente adaptada por Barnes para uso no contexto do Reino Unido:

Limitação é algo que está dentro do próprio indivíduo, podendo ser física, mental ou sensorial. Incapacidade é a perda ou barreiras às oportunidades de fazer parte na vida normal da comunidade num nível igual aos outros devido a barreiras físicas e sociais.

(1991:2)

Aqui se faz uma diferença entre a limitação funcional inerente à deficiência do indivíduo e as barreiras adicionais criadas pela sociedade. Esta distinção é baseada num reconhecimento pragmático de que de um lado as pessoas podem se deparar com dificuldades naquilo que fazem em decorrência de suas limitações (deficiências), e lidar com a imposição de barreiras sociais adicionais (incapacidades) criadas por uma sociedade que não leva em consideração as necessidades das pessoas com deficiência, desse modo ainda mais limitando as suas oportunidades para uma plena participação dentro daquela sociedade.

Assim, sob a égide do modelo social, exige-se que analisemos o problema da exclusão social das pessoas com deficiência buscando novas interpretações que evitem uma abordagem de culpabilização da deficiência. Para fornecermos um exemplo prático, antes do modelo social, se um usuário de cadeira de rodas não pudesse entrar num prédio, o proprietário poderia dizer ‘Que pena, você não pode entrar neste prédio porque não pode subir os degraus.’ E, na maioria das vezes, as pessoas com deficiência concordariam com esta afirmação, porque até então a principal base disponível para explicação da experiência deles era o modelo médico individual, que focaliza nas limitações funcionais causadas pelas deficiências individuais das pessoas como sendo a razão principal para a sua exclusão social. Assim todos – tanto pessoas com ou sem deficiência - compraram a idéia de que pessoas com deficiência não poderiam ir a locais ou participarem de atividades por causa do que ‘estava errado com elas’. O problema com esta explicação era que era realmente pessimista. Parecia não oferecer às pessoas com deficiência nenhuma esperança de maior inclusão, a menos que elas pudessem mudar a si mesmas, livrando-se de suas deficiências. Mas claro esta não é uma opção prática. A grande diferença que idéias de modelos de representação social têm feito é que elas re-significam o problema de uma forma diferente. Assim, em vez de dizer ‘Que vergonha você não pode entrar neste prédio porque não pode subir os degraus’, uma abordagem de um modelo social diria: ‘Na verdade, você não pode entrar neste prédio porque foi projetado de forma errada. A percepção do modelo social, então, é que a incapacidade é causada por fatores humanos, como um prédio mal projetado, ou a promoção de políticas organizacionais que colocam empregados com deficiência em desvantagem comparados a seus colegas sem deficiência. Assim, a incapacidade não é uma característica de, ou a culpa de, pessoas, indivíduos com deficiências, mas em vez disso um termo usado para descrever todas as dificuldades extras que as pessoas com deficiência enfrentam porque a sociedade não está organizada de sorte que levem as suas necessidades em conta. Como tal, a definição de modelo social da deficiência é uma ferramenta potencialmente mais positiva para mudança do que a abordagem do modelo médico individual, porque sugere que a incapacidade poderia ser erradicada se a sociedade fosse organizada de modo que levassem as necessidades de todos os seus cidadãos em conta. Com relação a este livro, então, quando falo sobre ‘construções da incapacidade , meu foco está nas barreiras sociais adicionais que as pessoas com deficiência enfrentam, e como estes mecanismos excludentes devem ser superados."

Tradução: Francisco Lima e Paulo Vieira