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Lua Azul - blog de lua azul

Cego de 85 anos morre aos poucos na Avenida da Liberdade em Lisboa

por lua azul

Santa Casa e mais de 20 instituições acompanham o caso, mas alegam falta
de legislação para agir.
Cego, com uma hérnia enorme numa virilha, que praticamente o impede de
andar, e roupa coberta de urina. É assim que vive há anos um homem, de
85 anos,
em plena Avenida da Liberdade, no coração de Lisboa. Já foi levado para
hospitais, mas volta sempre às escadas do cinema São Jorge. “És o diabo!
Deixem-me
morrer”, são as palavras que recebe quem tentar uma aproximação.
Enrique, de nacionalidade espanhola, está sujo, magro e quase não se
mexe. Um grupo de amigos tenta junto das entidades competentes ajuda
para este homem,
cujo abrigo fica exatamente em frente às mais caras lojas do país, como
a Louis Vuitton e a Prada.
Sónia Buisel, que fundou o grupo “Bora Láaa-Inspiração em Ação”, para
apoiar pessoas sem abrigo, não esconde a sua revolta, depois de bater a
várias portas,
da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) à própria assessoria da
presidência da República. “As respostas são todas iguais. Dizem-me que é
ele que
quer viver na rua”, desabafa, indignada, ao JN. Destaca que não aceita
estes argumentos, quando é notório para todos que Enrique “está doente e
sofre de
grave demência”. Ao JN, a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa admitiu
conhecer o caso e garantiu já ter feito diversas tentativas de
resolução. “Podemos
assegurar que já foram realizadas várias diligências e intervenções de
técnicos da Ação Social e Saúde para o retirar da situação de sem
abrigo”, adianta
fonte da assessoria de imprensa, sublinhando que, apesar dos esforços já
feitos, “as propostas de intervenção têm sido rejeitadas pelo próprio”.
Acrescenta
ainda que “mais de 20 instituições que têm intervenção na cidade de
Lisboa com a população sem abrigo têm conhecimento do caso do senhor
Enrique”.
Grita que quer morrer
Sónia Buisel recusa estes argumentos e lembra que o idoso foi há meses
levado para o hospital e chegou a estar na zona residencial do Júlio de
Matos onde
“ficou muito bem tratado”, mas acabou por voltar para a rua. “O Enrique
tem 85 anos, desistiu dele há muito tempo. Uma pessoa que grita que quer
morrer
não está com as suas faculdades”, aponta.
Vasco Morgado, presidente da Junta de Freguesia de Santo António, refere
ao JN que já tentou também uma intervenção, mas esbarrou igualmente na
falta de
legislação. “Tentamos ajudar, mas não existe uma lei que permita retirar
uma pessoa da rua. O homem é sozinho, não se deixa tratar e os serviços
do Estado
divorciam-se do caso”, destaca.
O autarca garante que nos casos em que os idosos aceitam ajuda, a Junta
tem vários meios e consegue alojamentos em lares e outros apoios. “Em
casos como
estes, seria preciso uma figura jurídica qualquer que atestasse que o
senhor não está capaz e permitisse uma intervenção”, sustenta.
Sónia Buisel e os amigos não escondem a revolta e garantem que vão
continuar a lutar para defender o homem, que, indiferente aos
transeuntes, dorme na
avenida que fervilha de gente carregada de sacos de lojas de luxo.
Fonte: JN