Prezados,
Segue artigo intitulado "ÁUDIO-DESCRIÇÃO: CAMINHO PARA A ACESSIBILIDADE E IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA ESCOLA" de Fabiana Tavares S. S. e eu publicamos, já algum tempo pela Editora Libertas.
Fiquem com a leitura.
Cordialmente,
Francisco Lima
ÁUDIO-DESCRIÇÃO: CAMINHO PARA A ACESSIBILIDADE E IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA ESCOLA
Fabiana Tavares dos Santos Silva [1]
Francisco José de Lima[2]
Considerações iniciais
As mudanças ocorridas no Brasil, principalmente a partir das últimas décadas do século XX, na área educacional, gradualmente, tem estado sob a perspectiva do respeito e efetivação dos direitos humanos. Assim, o debate sobre a concretização de uma educação em que se reconheça e advogue o direito de todos os indivíduos tem motivado muitas pessoas a lutar pelo que é assegurado, de forma clara, na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), na Constituição Brasileira (1988) e pelo que é ratificado em inúmeros decretos, leis e convenções (ONU, 2006; BRASIL, 2007; BRASIL/DECRETO LEGISLATIVO, 2008). Entre tais direitos situa-se o da acessibilidade, previsto na Lei 10.098/00, a qual estabelece, no Artigo 1º, as normas gerais e os critérios para a promoção do acesso de pessoas com deficiência aos vários contextos sociais e, inclusive, ao acesso aos eventos comunicacionais. As barreiras encontradas em eventos comunicacionais, de acordo com esta lei, podem ser compreendidas como qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou recebimento de mensagens por intermédio dos meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa (Art. 2º). A atenção e efetivação de princípios legais e filosófico-inclusivistas tem contribuído para a erradicação destas barreiras comunicacionais, através da oferta da tecnologia assistiva, como a áudio-descrição que é um gênero textual cujo objetivo é traduzir as imagens e outros eventos visuais intangíveis (principalmente quando não são compreendidos unicamente pelo uso dos outros sentidos: a audição, o olfato etc.) em palavras a serem ouvidas diretamente, por meio da fala de um locutor, pela leitura sintetizada de um leitor de telas, pela comunicação oral de um professor que lê a áudio-descrição contida num livro ou mesmo pela leitura do próprio áudio-descritor que, em um cinema, por exemplo, pode ler as legendas de um filme em língua estrangeira etc. O estudo, a construção e a oferta da áudio-descrição é algo assegurado por lei, contudo, ainda estamos distantes da transposição do verbum para a prática, seja em razão do desconhecimento dos usuários alvo do serviço, seja em razão do desconhecimento de profissionais que atuam na Pedagogia, nas Artes etc. O fato é que a ciência, os movimentos sociais inclusivistas, o estudo sistemático sobre a áudio-descrição associados a percepção e contribuições das pessoas com deficiência visual constituem um caminho valoroso para a redução de barreiras à comunicação, à informação e à igualdade de condições na Escola para Todos e nos demais espaços sociais. O mais marcante deste processo é que todos podem se beneficiar: a) quem estuda acerca da áudio-descrição e ocupa-se em promover a tradução de imagens estará continuamente aprimorando habilidades/competências linguísticas e perceptivas, e contribuindo para a manutenção das bases da filosofia inclusivista; b) para quem recebe o serviço, a ampliação das possibilidades de efetiva participação na dinâmica social tem lugar garantido. Ambos ganham, aprendem, participam indistintamente. Os avanços neste percurso, ainda pouco trilhado, perpassarão o agora e poderão se projetar na formação de pessoas mais solidárias, respeitosas à diversidade, conscientes de seus direitos e deveres e, quiçá, mais humanizadas e amantes do gênero humano. Ofertar a áudio-descrição na sala de aula é garantir às pessoas com deficiência visual o direito à acessibilidade e a igualdade de condições no processo formativo; é fornecer também aos alunos sem deficiência a oportunidade de ampliar o acervo linguístico e as habilidades perceptoras. Para o professor, o espaço é propício a aprendizagem, a troca e a vivificação de saberes docentes, pois o profissional também aprenderá a construir a áudio-descrição quando praticar a produção deste gênero textual tradutório e percepcionar a reação dos alunos durante a experiência leitora; acertar os passos será sinônimo de estar no círculo de aprendizagem. Um dos elementos que pode atravancar este caminho reside no advérbio NÃO... não sei... não posso... não conheço... não consigo... Estas expressões deveriam ser riscadas do acervo linguístico na escola para todos. O limite é perceber que não há limites para a aprendizagem e o potencial da pessoa humana. É sob esta perspectiva que discutimos, neste texto, sobre como surgiu e o que é a áudio-descrição, quem são os beneficiados com este recurso assistivo e por que se deve oferecê-lo na escola.
Contexto histórico da áudio-descrição
No século XX, a partir da compreensão de que as pessoas com deficiência são sujeitos de direitos, a acessibilidade comunicacional começa a se expandir ao longo das possibilidades de descrição de imagens, obviamente, ainda não com a técnica da áudio-descrição, mas com a descrição/utilização de informações , em áudio, de representações visuais.
Surge, então, nos Estados Unidos, em meados da década de 70, a áudio-descrição, a partir
das idéias desenvolvidas por Gregory Frazier em sua dissertação de mestrado (1975 apud NAVARRO; LÓPEZ, 2002), e teve seu debut na década seguinte. Margaret e Cody Pfanstiehl foram responsáveis pela audiodescrição de Major Barbara, peça exibida no Arena Stage Theater em Washington DC em 1981 e primeiro espetáculo a contar com o recurso (AUDIO DESCRIPTION COALITION, 2007). A primeira transmissão de TV com audiodescrição ocorreu no Japão em 1983 pela NTV (FRANCO, 2007b). A Europa foi apresentada à técnica no final da década de 80 e o primeiro filme audiodescrito em um Festival de Cannes foi exibido em 1989 (BENECKE; DOSCH, 2004). Hoje, os países que mais investem na audiodescrição, tanto na televisão, como no cinema e teatro, são Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Espanha, França, Bélgica, Canadá, Austrália e Argentina. (FRANCO apud SILVA, 2009, p. 15)
Quanto ao Brasil, o primeiro trabalho de tradução visual foi, segundo Martins (2000), Vendo filmes com o coração: O projeto vídeo-narrado desenvolvido por Isabel Machado, em 1999, em Campinas, no Centro Cultural Louis Braille. O projeto vídeo-narrado consistiu na exibição semanal de filmes de longa metragem em fitas de vídeo, a jovens e adultos cegos ou com visão subnormal, com o auxílio de uma áudio-descritora. Esse trabalho foi desenvolvido com o objetivo de refletir sobre a atividade e suas relações com o processo de inclusão social de pessoas com deficiência visual.
Posteriormente, tivemos a áudio-descrição em 2003, durante o festival temático Assim Vivemos: Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência. Irmãos de Fé, lançado em 2005, e Ensaio sobre a Cegueira, lançado em 2008. Em 2007, no teatro, tivemos a exibição da peça Andaime em São Paulo, a qual foi o primeiro espetáculo teatral a contar com o recurso da áudio-descrição. Ainda neste ano a áudio-descrição foi utilizada nO Festival de Cinema de Gramado, Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, nas edições de 2006 e 2007, as quais foram as primeiras mostras não relacionadas à temática da deficiência a exibirem filmes áudio-descritos. O espetáculo Os Três Audíveis e a propaganda sobre a linha Natura Naturé para crianças, ambas exibidas em 2008, foram, respectivamente, o primeiro espetáculo de dança e o primeiro comercial de TV com áudio-descrição do país (SILVA, 2009, p. 23). Em Pernambuco, o grupo de tradução visual Imagens que falam, coordenado pelo professor Francisco José de Lima (Centro de Estudos Inclusivos/ CEI UFPE), fez a áudio-descrição das peças O menino que contava estrelas (2008) e Os três cegos (2008), Ninguém mais vai ser bonzinho(2009), O palhaço que queria ser rei ( 2009). Em 2010, o grupo áudio-descreveu as peças Guerreiros da Bagunça, Um Rito de Mães, O Fio Mágico, A Revolta dos brinquedos e A morte do Artista Popular, além do espetáculo de dança Leve. A áudio-descrição é, no Brasil, campo em florescimento, cujos frutos já estamos colhendo, visto as peças áudio-descritas; os filmes com áudio-descrição; as mostras com mediadores descrevendo as obras de arte; os seminários com áudio-descrição dos slides apresentados por palestrantes e algumas outras produções realizadas, aqui não citadas. Este recurso assistivo assegura o direito à informação previsto por nossa Carta Maior, defende o direito à educação e ao lazer, garante a acessibilidade comunicacional das pessoas com deficiência visual, enfim, contribui para que a efetivação de direitos torne-se uma realidade incontestável.
Conceituação da áudio-descrição
A áudio-descrição, recurso que consiste na tradução de imagens em palavras escritas ou oralizadas, é uma tecnologia assistiva que busca principalmente a inclusão e o empoderamento da pessoa com deficiência visual, contudo este recurso pode ampliar as possibilidades de inserção social e acesso à informação/comunicação das pessoas com deficiência intelectual, disléxicos e idosos em diversos contextos sociais: cinema, teatro, programas de televisão etc. (LIMA; TAVARES, 2010). O objetivo primeiro do gênero textual áudio-descrição é pois o de buscar promover o empoderamento de pessoas com deficiência e alargar as possibilidades de inclusão social para as pessoas que se encontram excluídas, total ou parcialmente da experiência audiovisual. O empoderamento constitui o processo pelo qual indivíduos, organizações e comunidades angariam recursos que lhes permitam ter voz, visibilidade, influência e capacidade de ação e decisão (HOROCHOVSKI; MEIRELLES, 2009, p.486). O empoderamento é a palavra motriz que distingue as descrições antes ofertadas à pessoa com deficiência visual e a áudio-descrição a qual pode ser compreendida como
uma descrição regrada, adequada a construir entendimento, onde antes não existia, ou era impreciso; uma descrição plena de sentidos e que mantém os atributos de ambos os elementos, do áudio e da descrição, com qualidade e independência (LIMA et al., 2009).
Sendo esta a característica que justifica sua grafia hifenizada, ratificada por Lima et al ( 2009) ao afirmar que :
a ortografia desse vocábulo apresenta um traço de união que nos remete a uma nova construção, a partir da composição de elementos distintos e com significados diversos bem conhecidos, o real sentido da áudio-descrição também nos remete a uma nova compreensão do direito à informação e à comunicação. Por conseguinte, o significado dos vocábulos áudio e descrição é bem mais que a união dos dois elementos que o compõem, não sendo, portanto, a mera narração de imagens visualmente inacessíveis aos que não enxergam. A áudio-descrição implica em oferecer aos usuários desse serviço as condições de igualdade e oportunidade de acesso ao mundo das imagens, garantindo-lhes o direito de concluírem por si mesmos o que tais imagens significam, a partir de suas experiências, de seu conhecimento de mundo e de sua cognição.( p. 3).
Na esteira do entendimento acerca da distinção entre a descrição e a áudio-descrição, situa-se a intencionalidade da segunda em tornar acessível para a pessoa com deficiência visual o que não está disponível, através do tato, ou, imediatamente, pela fonte sonora natural do material. A áudio-descrição é conceitualizada, como vimos, como técnica de tradução e/ou recurso assistivo, mas, numa crescente, encapsula e transcende tais denominações, quando essencialmente ocorre em resposta ao respeito aos direitos das pessoas com deficiência, e demais indivíduos que dela queiram se utilizar; é marcada por uma necessidade sociocomunicativa, registrada numa forma textual específica, embora não seja estanque, e situada num propósito comunicativo vinculado a constituição de uma sociedade de todos; é direito constitucional. (TAVARES et. al, 2010). Na escola, ao utilizar este gênero tradutório, o professor busca garantir aos alunos com deficiência o empoderamento, o direito a informação e a comunicação; propiciando a participação em igualdade de condições e dignidade no contexto escolar.
Participação plena dos alunos nas atividades pedagógicas: contribuições da áudio-descrição
A constituição de uma escola includente não é uma questão que se refere apenas ao âmbito da educação, mas está relacionada às políticas sociais, à distribuição de renda, ao acesso diferenciado aos bens e à cultura, entre outros (GÓES; LAPLANE, 2007). Além dessa dimensão sócio-histórica e política, a Pedagogia em que o respeito às diferenças está na centralidade das ações educativas envolve atitudes, disposições psíquicas, cognitivas e afetivas, ou seja, como cada ator lida com o outro, seja aluno com deficiência, negro, indígena etc; preocupa-se com o desvencilhamento de velhos hábitos, compreensões, preconceitos construídos historicamente, comprometendo-se, portanto, com a erradicação de barreiras (arquitetônicas, programáticas, comunicacionais, metodológicas, instrumentais, atitudinais); sistematiza-se ao considerar as habilidades, competências e inteligências múltiplas de seus partícipes; valoriza a dialogicidade, a sensibilidade, o espírito crítico, a pesquisa e a tecnologia; nutre a certeza de que o desenho universal da educação e as condições de acessibilidade para materializá-lo beneficiam todos os alunos independentemente de suas idiossincrasias.
Esteada nos princípios de participação plena, equiparação de oportunidades, empoderamento e rejeição zero, a escola inclusivista deve reconhecer que a áudio-descrição é um direito constitucional que quando vivenciado no espaço formativo aprimora a compreensão de conteúdos escolares e amplia competências comunicativas.
Destarte, à luz das dimensões jurídica, pedagógica e linguística da áudio-descrição, os profissionais da educação devem compreender que os recursos pedagógicos ( mapas, gráficos, telas, cartazes, ilustrações em livros de literatura, didáticos ou paradidáticos etc) precisam ser áudio-descritos não apenas para assegurar aos alunos com deficiência o direito a acessibilidade à comunicação/informação, mas para fomentar em toda a turma o respeito a heterogeneidade que constitui a espécie humana; para propiciar a construção conjunta deste novo gênero textual tradutório; para fazer das muralhas da escola um ambiente de onde deve emanar a ética, a humanização, a construção da ciência, as contribuições para uma rede fraterna, crítica e criativa de aprendizagem.
Esta ênfase na construção conjunta do ambiente inclusivo e na provisão de instrumentos/recursos para a oferta de oportunidades educativas voltadas às necessidades de todos os alunos enfatiza o que está posto em nossa Carta Maior (1988) e se alinha ao que é advogado na Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006; BRASIL/DECRETO LEGISLATIVO, 2008), quando se refere à igualdade de condições em todos os espaços sociais.
Assim, o reconhecimento de que os alunos com deficiência foram durante muito tempo alijados da fruição da cultura, das construções imagéticas, do intercâmbio de saberes é algo que deve impulsionar os estudos tradutórios por parte dos professores inclusivistas. Por outro lado, a construção de um repertório de informações sobre o que é possível dizer para possibilitar aos usuários da áudio-descrição a melhor construção imagética, os avanços perceptivos e linguísticos, advindos deste exercício para o próprio docente e para os alunos sem deficiência, igualmente deve ser elemento motriz na atividade pedagógica de planejamento e oferta da áudio-descrição. A áudio-descrição é um empreendimento formativo, uma ferramenta pedagógica acessível e a chave para seu uso vai além da boa vontade para o aprender e o executar, envolve o reconhecimento de que o aluno cego ou com baixa visão é capaz de produzir imagens a partir de fontes que não a informação visual. Neste caso, reconhece-se que o aluno com deficiência visual tem a capacidade de produzir imagens a partir de fontes auditivas, ou seja, de vivenciar um processo em que as imagens são transformadas em código verbal e o verbal transformado em visual interno, imagético, processo que ao ser vivenciado pela pessoa cega congênita será chamado na literatura de representação mental. Na escola, o universo imagético que constitui fonte de conhecimento em todas as disciplinas curriculares pode ser áudio-descrito pelo professor e/ou pelos colegas sem deficiência visual. É relevante, então, considerar que os alunos com deficiência visual podem contribuir sinalizando quais os melhores descritivos, as palavras mais vívidas que tornam as imagens compreensíveis. Para tanto, o professor e todos os alunos precisam estar conscientes de que o processo de letramento é contínuo, logo, em cada disciplina curricular, para cada ficha de aula, atividade no livro didático, vídeo, gráfico, mapa, slide, ambiente ou mobiliário áudio-descrito etc haverá a necessidade da pesquisa, do debate, da ampliação do acervo linguístico. Neste processo, é importante também que o docente reconheça que a áudio-descrição beneficia todos aqueles que de alguma maneira estão sem acesso visual à imagem ou os que ao acessar a imagem têm dificuldade de compreendê-la, por exemplo, pessoas com baixa visão que se beneficiam da tradução para entender o que é uma imagem específica. A áudio-descrição é igualmente contributiva para aquelas pessoas que mesmo estando de posse das informações visuais plenas (enxergando, não tendo barreiras de informação luminosa) não compreendem a imagem, não fazem boa leitura da imagem; como , por exemplo, as pessoas com deficiência intelectual ou as pessoas com dislexia, as quais podem apresentar, geralmente, dificuldades de compreender o texto escrito, numérico ou imagético. É importante também que os agentes escolares reconheçam que a áudio-descrição ao possibilitar o alcance à informação supre as dificuldades advindas da ausência de outros sentidos que não apenas o da visão, por exemplo, para uma pessoa com anosmia (perda total do olfato) ou hiposmia ( perda parcial do olfato) a áudio-descrição de um aroma lhe seria muito útil. Infere-se destas observações, reflexões e indicações do uso e valor da áudio-descrição que ela além de favorecer a acessibilidade e a aprendizagem dos alunos com deficiência pode também ser muito valorosa em situações formativas em que as pessoas que estejam de alguma forma limitadas seja pelo acesso visual em razão da distância ( no caso de uma apresentação em data show); pela ocorrência de baixa luz ou até mesmo por motivo da baixa resolução de algo que está sendo apresentado (por exemplo, material em xerox ou filme antigo com perdas de qualidade visual etc) tenham acesso às informações.
Ao perceber estes e outros benefícios da áudio-descrição, certamente o professor sentirá a necessidade de conhecer as diretrizes desta técnica tradutória. No Brasil, a Revista Brasileira de Tradução Visual (www.rbtv.associadosdainclusao.com.br) tem se tornado espaço de debate acerca de como construir a áudio-descrição, de quais são os fundamentos históricos, legais e filosóficos que a justifica e ainda propõe reflexões sobre a formação e a profissionalização do áudio-descritor. Dentre as muitas orientações registradas nesta revista, destacamos as que podem compor o ponto de partida para a realização da áudio-descrição:
1- Descreva o que você vê;
2- Seja objetivo, fiel, fidedigno. A interpretação deverá ser uma construção singular dos alunos, portanto, não censure informações e oportunize a construção de sentidos.
3- Descreva de cima para baixo (top down), da esquerda para a direita. Descreva de acordo com plano de perspectiva, do primeiro plano para os seguintes, sempre considerando o registro linguístico adequado a faixa etária dos alunos, a série, as especificidades da disciplina curricular em foco etc;
4- Ao áudio-descrever slides, gráficos e outras configurações em que haja elementos textuais, inclua na sua áudio-descrição os elementos estéticos/gráficos, a exemplo de palavras em caixa alta, itálico, negrito, trechos em recuo, notas de rodapé, aspas, a grafia de palavras estrangeiras ou nomes próprios etc. (LIMA; TAVARES, 2010)
5- Socialize o texto áudio-descritivo e avalie as escolhas tradutórias junto aos alunos;
6- Pesquise e promova o letramento artístico e linguístico do grupo;
7- Pesquise em parceria com os alunos sobre a imagem estática ou dinâmica a ser áudio-descrita e construa notas proêmias, antecedentes a áudio-descrição propriamente dita. A contextualização fará de cada tradução uma experiência inter e transdisciplinar;
8- Assista a filmes áudio-descritos e analise os caminhos tradutórios utilizados.
9- Leia e oportunize aos alunos a leitura do gênero textual áudio-descritivo. A leitura fornecerá os modelos cognitivos para a construção deste gênero tradutório.
10- Verifique e mostre aos alunos as características linguísticas que compõem a áudio-descrição (o uso de adjetivos; de verbos no presente do indicativo, flexionados na voz ativa; geralmente não apresenta relação de anterioridade/posterioridade, nem exprime impressão do áudio-descritor sobre a mudança de estado emocional de pessoas ou personagens etc)
11- Acredite na potencialidade de todos os seus alunos.
12- Fique atento para não nutrir, reproduzir preconceitos, estigmas ou barreiras atitudinais em relação aos alunos com deficiência. Considere que todos têm a capacidade de produzir e compreender o conteúdo imagético, contudo, em razão desta competência a ser aprimorada, os alunos não devem ser vistos sob lentes da admiração/valorização exacerbada.
13- Concretize o desenho universal da educação, neste a formação e valorização do docente, a tecnologia, a avaliação formativa, a acessibilidade, a escola e a própria conceituação de educação e de pessoa com deficiência situam-se em valores éticos e morais de valorização do gênero humano.
A áudio-descrição efetivada no ambiente escolar, situada no domínio discursivo-pedagógico, terá em seu bojo características divergentes para atender as necessidades, objetivos, expectativas de seus usuários, embora sempre conforme aspectos universais, alguns aqui comentados de modo sucinto. O acesso ao mundo imagético, a participação plena dos alunos, a equiparação de oportunidades educativas e culturais, a acessibilidade à informação/comunicação, ampliação do letramento constituem dimensões dos avanços obtidos a partir da aplicação da áudio-descrição em ambientes escolares. A técnica tradutória, quando utilizada com objetivos educativos, contribuirá para que se tenha, principalmente, a participação plena dos alunos com deficiência visual na compreensão e construção do espaço imagético/comunicacional da própria unidade escolar, em que quadros de avisos, cartazes, faixas, maquetes, álbuns seriados e outras fontes de informação/comunicação são utilizados. Minimizará também aqueles espaços na aula em que os alunos com deficiência visual, usurpados das informações dos textos icônicos, são mantidos no limbo do conhecimento. Estes alunos por não demonstrarem interesse por aquilo que não têm acesso e não podem, em consequência, construir entendimentos, são, por vezes, rotulados como desatentos, ineficientes, aqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem. Quando, na verdade, falta-lhes o recurso de acessibilidade, as adaptações razoáveis, o respeito à singularidade de pessoa humana, enfim, a efetivação do que está posto em forma de lei: o acesso à educação de qualidade. A áudio-descrição é, pois, tecnologia assistiva, técnica tradutória, gênero textual, recurso pedagógico, direito constitucional em que o respeito ao gênero humano e ao empoderamento de todas as pessoas usuárias deste serviço é a base que justifica todo o empenho dos profissionais que buscam colocar a acessibilidade na ordem de cada dia e tornar a inclusão de todos uma verdade sustentada pela ética, ciência e fraternidade.
Considerações finais
A linha central da discussão que propomos neste capítulo foi a de pensarmos que na perspectiva da educação inclusivista muitas das estratégias pedagógicas facilitadoras da aprendizagem para os alunos com deficiência podem ser úteis para outros alunos, como também para a formação do professor. Portanto, a universalidade que permeia o uso de recursos de acessibilidade à informação/comunicação, como a áudio-descrição, otimiza o processo de ensino-aprendizagem e maximiza o exercício da cidadania dentro e fora dos muros escolares. Neste contexto, é relevante considerar que numa sociedade essencialmente visual como a nossa, ter uma deficiência visual foi (e em alguns casos ainda o é) motivo de exclusão social e educacional. Na perspectiva da inclusão, a deficiência, sensorial ou não, é considerada como uma característica da pessoa. Assim, a noção de limites e incapacidade não reside, obviamente, no conceito de limitação funcional, mas centraliza-se na falta de acessibilidade e/ou de oportunidades fornecidas pela sociedade para que todos os indivíduos participem da produção sócio-econômica e cultural. A incapacidade só existe, neste sentido, quando há interações negativas entre a pessoa com deficiência e seu ambiente social . A escola, espaço social destinado a construção de saberes, tem na comunicação a centralidade de suas ações. Com efeito, as aprendizagens inter e intrasubjetiva assumem dimensões significativas quando a áudio-descrição é vista como recurso contributivo para a formação de todos, ao passo em que requer, além de habilidades perceptivas e linguísticas, a socialização de competências e entendimentos, a manutenção de uma rede de aprendizagem, de apoio e de respeito ao ritmo de aprendizagem de todos os alunos. Este fatores norteam, pois, a compreensão de que a educação de qualidade para Todos é uma questão de direito. Teles (1994) enfatiza que os direitos não dizem respeito apenas às garantias na lei e instituições. (...) os direitos dizem respeito antes de mais nada ao modo como as relações sociais se estruturam. Essa afirmação nos remete a uma reflexão sobre como se estrutura o sistema escolar e qual o lugar da diferença/diversidade humana nessa teia. Se é verdade que a Educação Inclusiva tem suas raízes em períodos mais rijos quanto ao acolhimento às diferenças, também o é o fato de que para que a diversidade humana seja respeitada e se aprenda a considerá-la como sinônimo de riqueza existencial, é necessário uma nova concepção de escola, de currículo, de aluno , de ensinar , de aprender e de ser-pessoa-humana. Exercer , na perspectiva includente, o ser-pessoa-humana é buscar compartilhar as certezas, as dúvidas e as descobertas; é dar vez e voz a todos os partícipes do ambiente formativo; é considerar que a avaliação desempenhada na escola não deve servir como mecanismo avalizador de bons e fracos, e sim deve ser vista como etapa inerente e contributiva para um processo de ensino-aprendizagem esteado na diversidade de inteligências, potencialidades, necessidades e complementaridades que podem tomar forma na interação pedagógica. Falar, pois, das necessidades educativas de alunos com deficiência visual é considerar alguns passos específicos, relevantes para o processo educacional desses sujeitos, e , ao mesmo tempo, é um convite para que pensemos quantas das ações elaboradas para um público específico pode ser útil para outras pessoas enfrentarem as dificuldades advindas do processo de escolarização, a exemplo das fragilidades encontradas no processo de letramento de nossos alunos. A educação inclusiva busca entrelaçar os direitos, os desejos, o empoderamento, os saberes, a socialização. Por seu turno, a áudio-descrição faz parte deste contínuo fazendo que caracteriza a pedagogia inclusivista. E sob esta ótica, os limites de um aluno com deficiência visual estão na falta de acessibilidade à comunicação/informação. Ao se entender isso se verifica que um aluno com deficiência pode não aprender, não por sua incapacidade de aprender, mas pela incapacidade de a escola o ensinar, respeitando o modo e o tempo de aprendizagem individual. A nossa experiência tem apontado que devemos recordar sempre que atitudes simples no cotidiano podem contribuir para a efetivação da inclusão nos vários contextos em que pessoas com e sem deficiência interagem, constroem, questionam, aprendem a buscar juntas a solidificação de bases mais humanas para a sociedade do agora. Reconhecer que cada um tem um ritmo próprio de existência e saber respeitá-lo, acolhê-lo, considerá-lo, nos espaços educativos, por exemplo, é um bom ponto de partida para a constituição da escola para todos. A acessibilidade faz da escola um espaço do querer-ser e do querer-fazer; a áudio-descrição torna-a espaço carregado de significados, de imagens vívidas e de palavras prenhes de sentido, as quais oportunizam que cada pessoa responda as perguntas do mundo por seus próprios meios e decida a melhor forma de recriá-lo.
Referências
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[1] Licenciada em Letras (FAINTVISA), Especialista em Literatura Infanto-Juvenil (FAFIRE) e Mestranda em Educação Inclusiva (UFPE). Professora dos cursos de licenciatura em Pedagogia e Letras (Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão FAINTVISA/PE). Professora conteudista e executora do curso de graduação em Pedagogia (UFRPE- Universidade Federal Rural de Pernambuco/ EaD). fabianatavares_letras@yahoo.com.br
[2] Licenciado e Bacharel com formação em Psicologia (UNESP-Assis/SP, 1995); PHD em Psicofísica Sensorial (USP-RP/SP, 2001). Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Coordenador do Centro de Estudos Inclusivos (CEI/UFPE). Idealizador e Formador do Curso de Tradução Visual com ênfase em Áudio-descrição Imagens que Falam (CEI/UFPE). limafj@associadosdainclusao.com.br.
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