Ainda sobre como grafar áudio-descrição, conforme as regras ortográficas prescrevem aos falantes da língua portuguesa.
Prezados,
Em resposta a um amigo, escrevi-lhe a respeito do uso do traço de união em áudio-descrição.
Como muitos são aqueles que nos somam todos os dias na promoção da áudio-descrição, na sua difusão e uso, trago-lhes, agora, parte da resposta dada ao meu amigo, para que vocês possam tirar as conclusões de que emprego fazer na grafia desta tradução visual, também conhecida como áudio-descrição e que alguns grafam como audiodescrição, como se descrição de som fosse.
Cordialmente,
Francisco Lima
...Nesse sentido, perceberá que marquei a palavra audiodescrição, sugerindo áudio-descrição.
Há uma confusão generalizada sobre o conceito desse léxico e uma escolha gráfica, ao meu entender, equivocada.
Explico:
Acha-se que áudio-descrição tem ligação semântica com audiovisual, donde se deveria grafar a primeira, conforme a segunda é grafada.
Brevemente:
uma sala de audiovisual é uma sala em que se encontram recursos de áudio, aparelhos de som, por exemplo, discos, gravadores etc. Também, nessa sala encontrar-se-ão recursos de vídeo, filmes, fotografia, gráficos e outros elementos visuais.
Uma aula que faz uso de audio-visual é uma aula que faz uso de música, filmes etc. É uma aula que, se não tiver sua construção o desenho universal, aplicado em seu planejamento, não permitirá o empoderamento do aluno etc.
O que define uma áudio-descrição não é a mídia em que ela se apresenta: uma gravação fílmica, a narração de um slide, uma peça teatral etc.
Defini-se uma áudio-descrição pela existência de uma tradução visual, do evento visual em palavras.
As palavras podem aparecer escritas, num site, por exemplo; na fala de alguém; na escrita encontrada num folheto de museu; ou na forma de língua de sinais, caso esteja sendo transmitida a uma pessoa surdocega, por exemplo.
A áudio-descrição, posto que é léxico composto de dois elementos com significado distintos em separado, quando juntos, formam novo significado, novo sentido, mantendo, porém, a grafia e prosódia das palavras originais: áudio e descrição. Mas, não mais é áudio, posto que pode ser escrito, ou descrição, posto que é tradução.
E que diz a atual Norma da Língua portguesa?
Semelhante ao que já dizia a anterior:
...
Pelo que foi exposto e por razão de orientação gramatical, inclusive esteado na mais recente norma da Língua Portuguesa, Francisco Lima, como apresentado, defende, em vários de seus artigos (LIMA;LIMA;VIEIRA, 2009; LIMA, 2010) o uso do termo áudio-descrição, grafado com hífen, em lugar da escrita que meramente adiciona os termos áudio e descrição, e que altera a grafia de áudio para audio.
BASE XV
DO HÍFEN EM COMPOSTOS,
LOCUÇÕES E ENCADEAMENTOS VOCABULARES
Paráfrago 1º- Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento estar reduzido: ano-luz, arce-bispo, arco-íris, decreto-lei, és-sueste, médico-cirurgião, rainha-cláudia, tenente-coronel, tio-avô, turma-piloto; alcaide-mor, amor-perfeito, guarda-noturno, mato-grossense, norte-americano, porto-alegrense, sul-africano; afro-asiático, cifro-luso-brasileiro, azul-escuro, luso-brasileiro, primeiro-ministro, primeiro-sargento, primo-infeção, segunda-feira; conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva.
Obs.: Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc. (http://umportugues.com/acordo/) (sem grifo no original).
A defesa para a grafia de audiodescrição pode ser encontrada no blog da audiodescrição, sob o link Qual a grafia correta: audiodescrição, áudio-descrição, ou áudio descrição, onde se lê:
Nenhuma outra palavra está tão intimamente vinculada a "audiodescrição" do que a palavra "audiovisual", que tem sua grafia plenamente consagrada sem o hífen. Sendo a audiodescrição um recurso de acessibilidade que permite melhor compreensão de produtos audiovisuais por pessoas com deficiência, ficam as perguntas: seria conveniente criar uma discrepância escrevendo audiovisual e áudio-descrição(?); ao fazer isso, não estaríamos obrigando as pessoas com deficiência, usuárias da audiodescrição, a dar mais uma de tantas explicações sobre um recurso ainda pouco conhecido da sociedade em geral(?); será que o fato da descrição de imagens para pessoas com deficiência possuir técnicas específicas e diferentes da descrição de imagens para quem enxerga seria motivo tão relevante a ponto de justificar a diferenciação ortográfica(?).[1]
Como se pode perceber, há uma diferença bem mais que acadêmica ou conceitual nas razões explicitadas por uma e outra vertente de formadores de áudio-descritores, e está relacionado à postura e/ou atitude que se tem para com a pessoa com deficiência, o principal usuário da áudio-descrição.
Em relação a este não se lhe deve subestimar a capacidade, nem mesmo para dar mais uma de tantas explicações sobre um recurso ainda pouco conhecido da sociedade em geral?.
E por falar em subestimação da capacidade do usuário da áudio-descrição, achar que este não poderá explicar[2] porque a áudio-descrição se grafa com hífen, é um exemplo de barreira atitudinal.
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[1] In: http://www.blogdaaudiodescricao.com.br/2010/07/qual-grafia-correta-audio...
[2][2] Mesmo que o usuário não saiba a explicação para se grafar áudio-descrição, com hífen, isso não é argumento suficientemente válido para se grafar de outra forma, ademais, quantos usuários dos recursos audiovisuais sabem a razão de se grafar audiovisual, na forma que escrevem....
(
LIÇÕES BASILARES PARA A FORMAÇÃO DO ÁUDIO-DESCRITOR EMPODERATIVO
Francisco J. Lima]
Rosângela A. Ferreira Lima, em RBTV vol 12).
Amigo, somos estudiosos e sabemos que nem tudo é preto no branco, mas argumentar por uma grafia, meramente porque uma pessoa cega teria de explicar a terceiros....
Assim não se vai grafar cão-guia com o traço de união, já que as pessoas com deficiência visual já têm dificuldade de explicar o que faz esse animal de serviço, o qual pode ser uma cadela, a propósito.
E não se trata de criar uma discrepância querer escrever em consonância com as regras da nova ortografia, trata-se?
Discrepância é promover uma tecnologia assistiva e sustentá-la em barreiras atitudinais, até para justificar uma escolha gráfica.
Temos melhores argumentos!
Sobre o uso do hifen, Tavares e colaboradores escreveram:
2. Descrição e Áudio-descrição: revisitando algumas conceituações
O conceito de áudio-descrição é alvo de muitas reflexões ideológicas, jurídicas, filosóficas, e não se esquiva aos embates linguísticos, situados inclusive na utilização do hífen.
Quanto ao uso desse sinal gráfico em palavras compostas, o Vocabulário Ortográfico da Língua Brasileira (2009), publicado pela Academia Brasileira de Letras, no item XIV, afirma que
45. Só se ligam por hífen os elementos das palavras compostas em que se mantém a noção da composição, isto é, os elementos das palavras compostas que mantêm a sua independência fonética, conservando cada um a sua própria acentuação, porém formando o conjunto perfeita unidade de sentido (VOLP, 2009, LXXIX).
Segundo Oliveira (2010), na composição de palavras
temos, via de regra, duas bases para formar uma nova palavra, ou seja, duas idéias particulares, ocorrendo uma especialização de sentido: como em queda-de-braço, dama-de-ferro, força-tarefa, eleitor-fantasma, pente-fino, estação-tubo, seguro-desemprego. Este processo caracteriza-se não apenas pela junção de duas formas independentes, ou a existência de pauta acentual de uma certa natureza, mas a distinção reside no campo morfossemântico. Em seguro-desemprego, por exemplo, há uma unidade significativa em que um dos elementos não pode ser suprimido, assim como em couve-flor, rádio-amador, palavra-chave etc.
Este processo é o que ocorre com a palavra áudio-descrição, ou seja, o vocábulo áudio (De audi(o)- (q.v.).] S.m. 1. Eletrôn. O som audível, reproduzido eletronicamente[1]) que pode ser classificado gramaticalmente como substantivo masculino, adjetivo ou funcionar como prefixo; quando usado na formação da palavra áudio-descrição não tem o objetivo de mudar, estritamente, o sentido do termo descrição[2] (exposição circunstanciada feita pela palavra falada ou escrita), mas de juntos constituírem um novo substantivo com função, significado/sentido próprios (LIMA et.al. 2009):
Áudio-Descrição: Serviço de apoio a comunicação que consiste no conjunto de técnicas e habilidades aplicadas, com objetivo de compensar a carência da capitação da parte visual contida em qualquer tipo de mensagem, fornecendo uma informação sonora adequada que a traduza ou explique, de maneira que o possível receptor com capacidade visual diminuída perceba tal mensagem como um todo harmônico e da forma mais parecida o possível de como seria para uma pessoa que enxerga a compreenderia (AENOR, 2005).
Quanto ao uso do hífen na palavra áudio-descrição, apesar de não termos encontrado este vocábulo dicionarizado nos suportes em que pesquisamos, podemos afirmar, a partir desta regra, que é um substantivo composto, que não perdeu a noção de composição e os dois elementos que o constituem tem sentido/significado na língua portuguesa brasileira, ao contrário do que pode ocorrer quando a palavra áudio funciona como prefixo, por exemplo, em audiofone.
Portanto, é relevante esclarecer que as dúvidas quanto a escrita adequada de áudio-descrição surgem em razão da interpretação das regras que orientam a ortografia de vocábulos como audiovisual, audiofone, audiograma, audiometria etc as quais , de acordo com o Scarton e Smith (2002) e Rios (2009), são constituídas pelo prefixo latino áudio (lat audio), sendo nestes casos desnecessário o uso do hífen, pois este prefixo é um morfema que se coloca antes dos radicais (parte fixa, invariável da palavra) basicamente a fim de modificar-lhes o sentido e raramente produz mudanças na classe gramatical da palavra primitiva.
Baseando-nos em estudos, realizados por Oliveira (2010), sobre estrutura das palavras, podemos afirmar que os vocábulos em que áudio funciona como prefixo
são formados por uma base apenas, ou seja, por elementos que apenas acrescentam um novo significado ao significado primitivo dos vocábulos em questão, mas não criam uma nova palavra, não ocorrendo, portanto, com essas formações, uma especialização de sentido
A estruturação dessas palavras é diferente do que ocorre com áudio-descrição, pois esta não significa descrição, nem áudio, é uma tradução visual, ou seja, as palavras juntas compõem uma nova unidade semântica dissociada da noção expressa pelas unidades que a constitui. Há um distanciamento entre o significado do todo e o significado das partes que é normal pela própria função da nomeação (OLIVEIRA, op.cit)
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[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3ª ed. Revista e atualizada. Curitiba, ed. Positivo, 2004.
[2]Ibidem.
E, por aí segue o artigo intitulado
REFLEXÕES SOBRE O PILAR DA ÁUDIO-DESCRIÇÃO: DESCREVA O QUE VOCÊ VÊ, publicado na RBTV 4.
A escolha fica com o amigo....
Francisco Lima
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