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Blog de Sofia Santos

A Complexidade dos Sentimentos

por Sofia Santos

Bem, venho agora falar-vos de um assunto que me tem dado muito que pensar e que de certa forma se relaciona com o penúltimo texto que escrevi.

Neste mundo há de tudo: pessoas que nos põem de parte, pessoas que nos tratam como uns coitadinhos e, felizmente, também há gente que nos consegue tratar de igual modo. No entanto, dentro deste último grupo de pessoas, surgem algumas que acabam por ser demasiado atenciosas e carinhosas. Não critico essa atitude pois acho que é praticamente involuntária e de certo modo até sabe bem pois quem é que não gosta de atenção e carinho? O maior problema deste tipo de atitudes surge quando engraçamos com essa pessoa e até nos interessamos por ela (não me refiro a atracção física). Nessas alturas surgem dúvidas tais como: “será que há algum interesse ou será que apenas me está a dar atenção em excesso? Será que simpatizou comigo e se aproximou mais devido a isso? etc.”. Tudo isto leva-nos a uma certa tristeza por não conseguirmos perceber ao certo o motivo daquela atenção e muitas vezes até acabamos por tirar conclusões erradas, ou então, ficamos um bocado de pé atrás sem saber muito bem qual a melhor atitude a tomar. De certa forma, não me parece que a melhor coisa a fazer seja logo perguntar à pessoa se está a sentir algo por nós ou se apenas tentou ser mais atenciosa. Penso que talvez o melhor a fazer seja ver a evolução das coisas e tentar perceber e analisar as atitudes dessa pessoa para connosco mas essa tarefa não é fácil.

Como já disse anteriormente, este tipo de coisas têm-me deixado a pensar, principalmente depois de ter entrado para a faculdade. Estou a lidar com pessoas com uma mentalidade completamente diferente à que eu estava habituada em todas as outras turmas que eu tive. São pessoas com uma mente mais aberta e que me tratam como outra pessoa qualquer mas claro, às vezes surgem estas coisas que me deixam sem saber muito bem o que pensar. Não escrevo para vos pôr a pensar por mim mas para partilharmos opiniões. Estes assuntos, mesmo que não sejam prioritários na nossa vida, devem ser discutidos. É bom reflectirmos sobre isto, não só para quem tem uma deficiência mas também para quem lida ou virá a lidar com uma pessoa com deficiência. Por isso, para além de querer as vossas opiniões, claro, também queria deixar uma mensagem a todas essas pessoas que não têm deficiências. Não precisam dar-nos mais atenção e carinho do que o necessário se o que sentem por nós for igual ao que sentem por qualquer conhecido ou amigo.
Beijinhos. E já agora, boas festas!

Comentários

Sofia, li achei muito interessante a sua conduta em compartilhar. Eu sou deficiente visual, baixa visão,á 3 anos. Penso que nós, não devemos dar as resposta pelos outros, será que a atenção é porque sou assim ou assado! Isso nos deixa angustiados, e é normal, afinal não sabemos o porque do outro. Então decidi, que qualquer sentimento é pessoal, e seja ele como for! eu aceito. Percebi que se refere a relacionamento entre um casal. Deixe as coisas levarem seu tempo, curta o que está acontecendo, se não era o que voce pensava! e daí, não será a primeira pessoa a levar o fora. Mas também sei que nós mulheres, por sermos mais prudente, queremos errar menos. Também percebi, isso por mim que somos a primeira pessoa a ter pena de nós. Também percebi que isso depende do meu momento emocional, e cheguei a conclusão sou humana cheia de defeitos, tenho muitas qualidades e por estar com deficiencia visual, senti que fiquei melhor como ser humano, aceito de bom grado os cuidados, aprendi a pedir ajuda quando preciso, aprendi a agradecer com um sorriso se não preciso. Feliz 2010 prara ti.Um abraço.
Izabel Talarico
http://bengalamagica.blogspot.com

Oi, menina!
Cheguei ao seu blog através de uma news letter .
Tenho algumas semelhanças com você, sou: mulher, deficiente visual e universitária. Estou noiva de um vidente e as coisas começaram justamente de uma confusão de sentimentos. Fiquei cega aos 20, não percebi grande diferença do meu relacionamento atual com os anteriores, quando é coisa de coração, tudo se complica mesmo, para quem é cego ou vai se relacionar com um, tem simplesmente que avaliar algumas variáveis a mais.
Grande abraço e um apaixonado 2010 para você!

Olá Géssica
Pois é, a minha mãe diz-me sempre que o olhar conta muito. Não a critico por me dizer isso pois está a ser realista mas, a verdade é que, sem esse olhar as coisas tornam-se um pouco mais difíceis de avaliar, diguemos assim. Não digo isto por ter algum complexo devido ao facto de ser cega, muito pelo contrário. Resolvi colocar este tema pois são questões nas quais só comecei a pensar há pouco tempo atrás. Os rapazes normovisuais que conheci ao longo do meu percurso académico nunca se aproximavam muito e agora deparei-me com o contrário, não só da parte dos rapazes mas da gente em geral. Há muita diferença em relação ao ensino secundário, por exemplo. Acho que foi exactamente essa mudança que me levantou este tipo de dúvidas.
Cumprimentos e obrigada pelo comentário. É sempre bom compartilhar opiniões.

Sofia Santos

Ah! Isto me deixa muito feliz! Em outro momento, li um texto seu a relatar as dificuldades com os colegas arredios do secundário. E então, a Terra gira mesmo e vejam só em que natureza de problemas encontro a Sofia! Agora, os colegas são arredios de menos e, acostumada com a distância, a Sofia fica preocupada de não estar a compreender precisamente o que sucede.

Bem, é claro que isso é natural. Tendo por algum tempo experimentado exatamente o oposto, desenvolvemos mesmo um certo medo de ser felizes, medo de que o encanto se quebre e que as coisas voltem a ser como eram. Não é um medo consciente. Você sabe que as coisas são irreversíveis. Você é humana. Por isso, não me admiraria que em algum momento, quando os colegas não lhe davam atenção, você se perguntasse: "Será que há algo de errado comigo? Será que a cegueira é realmente barreira assim tão grande? Será que as pessoas não se gostam por motivos independentes da acuidade visual dos indivíduos? Quando você ponderava logicamente, sem dúvida, devia concluir: "Oh! É claro que não há nada errado. Tenho um bando de colegas estúpidos que, apesar dos olhos sãos, não vêem um centímetro diante do nariz". Contudo, depois de algum tempo, começamos a duvidar.
E, de repente, tudo muda de uma só vez. É certo que nos acostumamos facilmente ao que é melhor, mas ainda assim, não conseguimos abandonar nossas convicções, nossas reflexões como se faz a um casaco. Por isso, procuramos algo com que nos preocupar. Apesar de muito pior, a situação anterior era conhecida. E note que, neste caso, os riscos parecem maiores. Porque seus colegas não a tratavam bem, se qualquer coisa sucedesse para magoá-los, não seria algo com que se preocuparia excessivamente. Eles não eram importantes para você. Agora, as coisas são diferentes. Os colegas são acolhedores, amorosos e, por isso, você se preocupa que eles estejam bem e, de modo algum, gostaria de magoá-los, incomodá-los ou causar-lhes qualquer desconforto. Por isso, preocupa-se em saber se sua avaliação está mesmo correta.
Sim, creio mesmo que a visão facilite os primeiros contatos. Mas quando os contatos já se estendem por algum tempo, fico a pensar que este efeito se dilui razoavelmente. E afinal, tenho visto tanta gente a enganar-se, a avaliar incorretamente os sentimentos alheios, que não posso pôr tanta fé neste instrumento.

Mas seja qual for o desenrolar dos fatos, estou persuadido de que se dará bem. E não é uma crença gratuita. Vejo-a como alguém que passa por uma circunstância nova pela primeira vez e hesita quanto ao passo que deve dar. Todavia, não me parece que você seja insegura. Então, vejamos. Você tem a coragem de abrir o coração para falar a tanta gente o que lhe angustia. Não diminua o fato. Para isso, ainda que utilizasse um nome de fantasia é preciso alguma coragem. No entanto, há uma coragem maior. Você não foge às perguntas. Em algum momento, pode mesmo chegar À conclusão que a visão a limita neste ou naquele aspecto da vida. E quando descobrirmos que a cegueira não nos limita, imediatamente pomo-nos a responsabilidade de seguir, de não esmorecer e impede-nos de colocar a culpa no destino. Bem sabe você que o destino é um belo repositório para as culpas. É terrível reconhecer que não fomos suficientemente capazes porque não tentamos. Quem não tem coragem, procura não fazer o tipo de pergunta que você faz. Se algo der errado, pode-se continuar com a consciência limpa.

E exatamente por todos estes motivos, você deve ser pessoa admirável. E as pessoas admiráveis são mais queridas. E as pessoas queridas chamam-nos para perto. E estando perto, é possível que se descubram sentimentos que são mais do que amizade.

Há situações em que não temos dúvidas. Quando alguém se põe a falar com uma voz melosa, cantada como quem fala a um nenê, é claro que sabemos que ela não nos considera crescidos, não nos admira e, portanto, se nos ajuda é porque tem bom coração com os necessitados. Certa vez, encontrei alguém que me viu a amarrar os cadarços do sapato e, para as duas pessoas que estavam de pé ao seu lado, ficou a falar sobre o modo brilhante, incomum, extraordinário, esplêndido como amarrava meus cadarços. Bem, estava simplesmente amarrá-los e se isso chamou tanta a atenção é porque provavelmente esta pessoa queria elogiar-me, pôr-me alto e, vendo que era apenas um pobre cego, não viu outro modo de fazê-lo. Para mim, é evidente que me considerava um coitado.

Mas se alguém queria sempre estar perto, então, já não poderia ser simplesmente por educação, por caridade, por atenção às necessidades do próximo. Suportamos o papel de bom menino apenas se isso não nos rouba muito tempo. Portanto, se estão sempre por perto é porque gostam de si. Bom, mas isso você já sabe! Sua dúvida é: gostam como? Ah! É claro que não tenho resposta para esta pergunta. De qualquer modo, ocorre-me outra coisa. Seus colegas têm algum constrangimento em discordar de você? Se sim, é muito bom sinal. Consideram-na adulta e, principalmente, consideram-na igual que pode bem absorver o impacto de ser contrariada.

Se houvesse uma fórmula para estas coisas, a vida não seria tão emocionante. Curta o momento. Mas lembre-se que o fato de enxergarem não dá às outras pessoas toda a prerrogativa da ação. Poderiam estar a pensar: "Bem, a Sofia é cega. Será que ela não prefere um outro rapaz cego? Tanta gente ajuda a Sofia. Ela tem mesmo de ser simpática com todo mundo. Talvez ela dependa disso. Então, é bastante normal que esteja a ser simpática. Não quer dizer nada. É pena, mas ela não deve gostar de mim. E será que por ser cega, não teria de abordá-la de outro modo? Ela não verá o movimento dos meus olhos. Bom, talvez tenha de ser mais caloroso na voz. Ah! É isso! Mas isso não é muito sutil. Se começar a falar diferentemente do modo como falei até hoje, ela vai estranhar-me e talvez pergunte se estou bem".

O que quero dizer com isso é que, sim, muito bem, curta o momento, mas se de fato estiver a gostar de alguém, em algum tempo, pode não ser agora, terá de expor-se. A vida é assim mesmo. Crescemos principalmente quando nos deparamos com aquilo que não desejamos fazer. A alegria é um sentimento extraordinário, mas, em geral, pouco produtivo. As grandes mudanças, engendramos senão por tristeza, mas pelo menos porque estivemos inquietos, incomodados e algo nos pressionou em direção à mudança. Se você estiver a gostar de alguém, com a mesma coragem com que se faz estas perguntas, prepare-se para expor-se, para caminhar na direção de seus desejos. O importante é que está a trlhar um bom caminho.

Olá Luís,
Pois é, até à minha entrada na faculdade as coisas foram sempre muito diferentes. As pessoas, mais propriamente os colegas, não se aproximavam tanto como agora, ou seja, não lidavam comigo da forma como os meus novos colegas ligam. Então os rapazes, salvo raríssimas excepções, nem vê-los! Eles não se aproximavam muito de mim mas, agora, está a acontecer exactamente o contrário.

Não quis dizer, de forma alguma, que estou ou não a gostar de alguém pois também não quero transformar o meu blog numa espécie de consultório sentimental da minha parte. Mas, no fundo o que acontece, e penso que não seja só comigo, é que nós, cegos, temos outra forma de avaliar os sentimentos. Para nós o físico passa-nos praticamente ao lado e acabamos por nos aperceber e dar mais valor à forma como nos tratam e às atitudes que têm perante nós e claro, acabamos por sentir uma certa atracção por pessoas que sejam carinhosas connosco, que nos tratem bem e que nos respeitem tal e qual como somos. Há que distinguir que atracção não é o mesmo que uma paixão. No meu ver, uma atracção pode ou não evoluir para uma paixão e, quando me refiro aqui a atracção, não me refiro a uma atracção física mas sim uma atracção sentimental.

Respondendo à sua pergunta, penso que eles não têm problema em discordar de mim, embora nunca tenha acontecido grande coisa a esse nível.

Gostei muito do seu raciocínio quanto ao que poderá um rapaz normovisual pensar sobre mim e confesso que nunca tinha pensado nesse tipo de perguntas que poderão surgir nessa pessoa. Quando estou a começar a gostar de alguém e noto que essa pessoa, ou por ter notado algo, ou por outro motivo qualquer se afasta de mim eu acabo por concluir que essa pessoa não sente o mesmo que eu e tento seguir em frente. Já tive mais coragem para expor os meus sentimentos, o que agora já não tem acontecido, talvez por já me ter dado mal com isso mas claro, tudo o que eu quero é curtir a vida, no bom sentido, claro.
Cumprimentos.

Sofia Santos

oi Sofia , eu quero dizer pra voce que essas duvidas todos tem. mesmo quem é normovisual, entre um olhar e outro as pessoas sempre ficam confusas sobre o que realmente sentem ou pensam que o outro sente. Não é o olhar que diz tudo, é o tempo e a convivencia!boa sorte

Olá Sofia!
O que a Raquel disse faz todo o sentido.
Eu sou surdo e cego e já tive os mesmos sentimentos que tu, mas ainda bem que mudamos! No amor o mais importante é a sinceridade e a compreensão, assim como a aceitação de que todos somos diferentes e temos as nossas próprias limitações.´´E isso que nos faz precisar uns dos outros.
Como nós não vemos não reparamos como olham para nós com interesse, mas há pessoas tímidas, inseguras, outas que desistem no último instante... e não é por seres deficiente visual que te refeitam, acredita, é por não te conhecerem, é por teres sempre aquelas ideias parvas que têm sobre os outros, é porque acham que todos os cegos são iguais.
Eu já namorei normovisuais e não foi por ser cego, mas por ser uma pessoa capaz de fazer os outros felizes.
Vai tudo correr bem.
Força!

Marco Poeta

Gostaria primeiramente, de parabenizar-vos por compartilhar com outras pessoas, assuntos tão convenientes e esclarecedores. Meu filho tem A.C.L. ( dano na visão). Precisávamos obter mais informações sobre: o tratamento, onde pode ser feito, quem se enquadra, qual a idade exigida, como contactar. No mais, no momento, nosso obrigado.