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Ajudas técnicas aos grandes amblíopes na leitura

por Lerparaver

Fernando Bivar Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto

Ao retroceder na História a primeira ajuda a que o Homem recorreu para a leitura foi o fogo, mais propriamente à luz emitida pela sua chama. Chama que aparece retratada nas representações pictóricas ao longo da História como neste retrato Flamengo duma jovem a ler com ajuda de uma vela e ao lado de uma mulher com idade de ser presbíope.

O título dado a esta obra de arte foi o de «A lição da Virgem» Porque não ser a alternativa que tal senhora recorreu para ultrapassar a sua dificuldade de focagem da visão para perto ?

O uso de óculos para a leitura remonta às civilizações Chinesas e Indiana.

Segundo alguns autores teriam sido os navegadores portugueses os introdutores dos óculos na Europa

Na Idade Média surgem as primeiras representações de óculos. É no entanto no período Renascentista que a óptica é grandemente incrementada pelos físicos italianos e alemães. Desde então os óculos e as lupas aparecem como auxiliares imprescindíveis na leitura, como verificamos nos retratos de numerosos eclesiásticos. Dentro deles destacamos o Papa Leão X retractado por Rafael entre 1517 e 1519.

No início do século XX aparecem as primeiras aplicações dos sistemas ópticos de Galileu e de Kepler como auxiliares na visão nos grandes amblíopes. No entanto a sua aplicação era tecnicamente difícil e dispendiosa. Tais dificuldades são ultrapassáveis na década de 60 pela óptica alemã ao conceberem novos sistemas mais económicos e mais práticos, ao introduzirem prismas que permitiam reduzir substancialmente as dimensões dos telescópios de Kepler.

A capacidade de leitura depende essencialmente da acuidade visual de longe ou de perto consoante se trate de uma leitura para longe ou para perto. No entanto a acuidade visual no indivíduo considerado normal (Emétrope), a partir dos quarenta anos de idade sofre alteração progressiva para a visão de perto. Alteração fisiológica que se manifesta por dificuldade de acomodação (focagem para perto), que se denomina Presbiopia e que se corrige com o uso de lentes positivas.

A velocidade de leitura depende de vários factores, quer inerentes ao próprio indivíduo, quer inerentes ao texto e meio que o rodeia.

A velocidade de leitura vai progressivamente aumentando com a idade considerando como médias:

1º Ciclo 80 palavras/min.

2º Ciclo 195 palavras/min.

> 2º Ciclo 250 palavras/min.

Velocidade que não depende unicamente da acuidade visual, mas também do desenvolvimento cognitivo e na qual intervêm 5 processos básicos:

Procura ( local do texto)

Localização

Varrimento Visual - movimentos sacádicos seguidos de

pausas de cerca de 200 a 250 milissegundos

abrangendo de cada vez cerca de 7 caracteres

Aprendizagem

Memorização - identificação : - Antecipação - Globalização

- Traços Característicos

Em relação ao texto além das dimensões dos seus caracteres o contraste é outro dos factores que mais influencia a velocidade de leitura. Contraste que é máximo para fundo branco com caracteres pretos (K = 0.99) ou fundo preto com caracteres brancos (K = 0.99 ).No caso das cores o contraste é máximo (K = 0.99 ) para fundo escuro (azul, roxo ou preto) e com caracteres amarelos.

Reserva de Contraste é a relação entre o contraste do texto e o limiar de contraste do indivíduo. Para leitura rápida e fluida é necessário uma reserva de contraste de pelo menos

I 0 :1.

O modo de disposição do texto é outro dos factores que interfere na velocidade de leitura.

Além dos factores visuais apontados há outros que também influenciam a velocidade de leitura:

- motivação

- qualidade do material de leitura

- grau de atenção do indivíduo

- capacidade cognitiva

Leitura é função:

1º Reserva de Acuidade Visual

2º escrita e Contraste

3º compreensão dos n.o de elementos por uma só leitura (5 letras)

4º Excentração mínima

No indivíduo deficiente visual vários são os factores que intervêm na maior ou menor capacidade de leitura.

Se para ler um texto normal é necessária uma acuidade visual de 0.4 a 25 cm e um campo visual com 2 graus à direita e à esquerda, e 1 grau para cima e para baixo. No indivíduo deficiente visual estes parâmetros estão largamente alterados e poder-se-ão aproveitar os resíduos visuais optimizando-os ou recorrer aos outros órgãos dos sentidos como a audição ou o tacto.

Se a causa da baixa visão é a lesão da zona central da retina e a retina periférica se mantém íntegra, a optimização dos resíduos visuais basear-se-á na estimulação da retina periférica. Retina periférica sensível a imagens de grandes dimensões pelo que se procurará recorrer à ampliação para aumentar o corpo da letra e por conseguinte a reserva de acuidade visual. No normovisual a reserva é 6:1 enquanto que no deficiente visual a reserva é de cerca 18 : 1.

O método mais simples de ampliação é a aproximação. Razão pela qual os indivíduos míopes preferem ler aproximando o texto. Podemos no entanto recorrer a sistemas ópticos ou sistemas electrónicos. Dos ópticos o mais divulgado é a lupa, que não é mais do que uma lente positiva que poderá ser de mão ou colocada nos óculos. Neste último caso obriga a uma distância muito curta de leitura além das aberrações de imagem. Distorções estas tanto maiores quanto maior pior a potência.

Para distâncias de leituras mais confortáveis poder-se-á recorrer a sistemas mais sofisticados como os telescópios de Galileu e os telescópios de Kepler cujas ampliações para perto poderão ir até ás 12X.

Os Sistemas ópticos por muito sofisticados que sejam apresentam uma certa dificuldade na sua utilização por a distância de focagem ser muito próxima e por restringir em muito o campo visual.

A sua adaptação obriga a um treino mais ou menos difícil e demorado, consoante a idade e o grau cognitivo.

É preciso não esquecer que a motivação para a execução de determinada tarefa é por vezes a chave do maior ou menor sucesso na adaptação.

A Ergonomia é um elemento essencial quer pela postura, quer pela iluminação para que a sua aceitação seja total.

No entanto quanto mais potente for o sistema óptico menor será o campo visual e maior será a aberração da imagem.

Os sistemas electrónicos permitem uma maior ampliação e um maior campo visual.

A Lupa-Televisão ou C.C.T.V.(Circuito Fechado de Televisão) foi de início o sistema mais divulgado dando hoje lugar indiscutivelmente aos Sistemas Informáticos. No entanto cada sistema tem a sua aplicação e cada indivíduo poderá ter necessidade de recorrer a várias ajudas consoante a tarefa em questão. Não existe o software ideal.

É imprescindível que o deficiente visual aprenda a viver com as limitações da sua deficiência e só depois recorra ás ajudas técnicas.

Acuidade Visual do indivíduo deficiente visual não depende unicamente das dimensões das imagens. O contraste é fundamental e depende das condições de luminância e iluminância do meio.

Nos indivíduos normovisuais para caracteres do tamanho de 10, a velocidade de leitura alcança metade do valor máximo com um nível de contraste de cerca de 100/0.

Contraste crítico é o valor abaixo do qual há menor tolerância á atenuação do contraste.

Os deficientes visuais necessitam de valores elevados de contraste, todos os factores que intervenham no contraste são de extrema importância e em especial na reserva de contraste. Para uma leitura rápida é necessária uma reserva de pelo menos 10 :1.

No entanto a melhoria verifica-se unicamente para os contrastes de aixa e média frequência, por na retina periférica predominarem as células retinianas ganglionares magnocelulares. Estas são sensíveis: aos contrastes de baixa frequência, aos movimentos e à luminância.

Por estas razões os indivíduos com lesão da retina central ao utilizarem os sistemas electrónicos Lupa-Televisão o C.C.T.V. por vezes referem enjoo por a retina à periferia ser mais sensível aos movimentos.

Perante o que foi dito, a melhoria da nitidez (contraste) da imagem no ecrã não vai interferir na acuidade visual do indivíduo deficiente visual com retina periférica funcionante, por nesta predominarem células sensíveis a contrastes de baixa frequência.

No deficiente visual além dos factores que interferem com a velocidade de leitura como:

1- Reserva de Acuidade Visual - corpo da letra impressa em relação com a acuidade visual.

2- Reserva de Contraste - relação do contraste da letra impressa com o nível de contraste do indivíduo.

Outros factores condicionam a velocidade de leitura:

3- Campo Visual - alterado, central ou perifericamente

4- Dimensão e localização do Escotoma Central.

A localização do escotoma vai ser de primordial importância no caso da reeducação de uma nova área de fixação. No caso dos indivíduos com hábitos de escrita ocidental (esquerda para a direita ) a área de escolha da nova fixação é temporal superior no olho direito e nasal superior no olho esquerdo. Na abordagem do deficiente visual é primordial a motivação e escolha adequada do auxiliar para a tarefa a executar. No caso da leitura é essencial a compreensão da localização da fixação excêntrica.

Conhecida a localização, há que ensinar o doente a utilizá-la e a procurar a técnica que o leve mais facilmente a encontrá-la.

Ao apresentar um texto aperceber-nos-emos de quais são as direcções onde estão as palavras, que foram mais facilmente visualizadas.

Consoante a sua localização central ou periférica poder-se-á optar por uma disposição das palavras do texto em pirâmide ou em coluna.

O programa de reabilitação deve ser elaborado consoante as capacidades visuais de cada doente e de acordo com as suas capacidades de adaptação. Os programas de reabilitação devem ser baseados em variados exercícios e tendo como denominador comum:

1 - Conhecer a velocidade de leitura do texto durante 3 min

2-Medir o campo de fixação (marcar o começo e fim da palavra que vê de uma só vez)

a 1 cara 4 cigarro 7 no 2 tomar 5 qualidade 8 teus 3 bolota 6 consulado 9

3- Medir o ângulo de fixação, com palavras com linhas de fixação

pato

Olhando a palavra, que linhas vê melhor? As de cima ou as de baixo.

4- Para conseguir ver as palavras fixando as linhas, tem de mover o texto

Fui pela rua e vi

Qual a melhor localização para fixar as palavras. Procura da nova área de fixação.

5-Exercícios de fixação lendo em 4 colunas com espaços entre elas.

Fazer só 4 fixações.

O menino era bonito muito louro. Era o João

Treino repetido e de dificuldade crescente até alcançar a destreza para uma leitura útil.

Uma das dificuldades acrescidas quer se trate da leitura com auxiliares ópticos ou electrónicos é a mudança de linha do texto.

Várias são as técnicas mas as duas mais simples consistem:

1- A mais comum consiste em retornar ao início da linha seguinte segundo uma diagonal

2- No entanto quando há grande dificuldade no retorno o método mais simples e seguro consiste em chegar ao fim da linha retornar ao início da mesma linha e só então baixar à linha seguinte.

A escolha adequada duma ajuda técnica para a leitura está condicionada a numerosos factores, que se não forem devidamente equacionados poderão ser a causa de fracasso e desânimo para uma boa integração do deficiente visual. Escolha que deverá ser ponderada e de acordo com os resíduos visuais e seu prognóstico, ao optar por sistemas ampliadores de imagem ou por sistemas recorrentes ao som ou ás sensações tácteis.

Se a acuidade visual para o longe está compreendida entre os 0,4 e 0,2 poderemos recorrer ás ajudas ópticas.

As ajudas ópticas com limitações dado que quanto maior for a sua potência maior serão as aberrações ópticas e mais estreito será o campo visual útil. No entanto, quando as necessidades de ampliação são de 1,6X o «Visolet» ou a «Régua Lupa» são a escolha preferida das crianças e dos adultos, quer pelo seu fácil transporte, quer por ser a ajuda mais discreta perante os indivíduos normovisuais.

A lupa de mão tem o inconveniente de ter um foco variável quando do seu manuseamento, pelo que está aconselhada em tarefas de curta duração.

Para superar este inconveniente muitos preferem o uso de lupas de distância fixa (lupa de mesa) ou lentes positivas (lupa) colocadas numa armação (óculos), que no caso da sua potência ser superior a + 6 dioptrias terá de ser sempre unilateral (acima deste valor é impossível a visão binocular mesmo quando se intercalam prismas ). Se as acuidades visuais são inferiores a 0,2 e superiores a 0,025 poderemos recorrer ás ajudas Electrónicas para ampliação de texto.

Abaixo destes valores só recorrendo à voz sintetizada ou aos sistemas tácteis (Optacon ou Linhas Braille ).

Os sistemas electrónicos de ampliação de texto proporcionam aumentos dos caracteres muito superiores aos conseguidos pelos sistemas ópticos. Outra das grandes vantagens da visualização em monitor é a área do campo visual oferecido ser muito superior à dos sistemas ópticos.

Consoante a causa de baixa de acuidade visual é por lesão da área central da retina ou da retina periférica, estaremos perante diferentes necessidades de iluminação ou de contrastes. No caso da lesão ser periférica haverá necessidade de uma boa iluminação. No caso da lesão ser predominantemente central as necessidades de iluminação serão menores. Nestes casos haverá também preferência ao fundo escuro (preto) contrastando com caracteres claros.

Por vezes nas situações mistas poderá acontecer, que o mais importante é o tipo de contraste e não o aumento dos caracteres. A compreensão dum texto ampliado poderá estar condicionado pelo contraste, tipo de letra e qualidade da impressão.

Preconiza-se que a impressão deverá ser sempre em fundo branco e caracteres pretos, de formato que após ampliação sejam facilmente individualizados dos restantes caracteres e que a sua impressão tenha um mínimo de qualidade.

Todos os factores apontados são essenciais para a leitura no deficiente visual, referindo-se no entanto que a idade nunca é só por si uma barreira para a utilização de qualquer dos sistemas auxiliares, quer ópticos, quer electrónicos.

É importante que toda a sociedade em geral (Sociedade constituída por todos nós),contribua para que o deficiente visual tenha uma maior acessibilidade à

leitura, ao dar uma maior atenção à maneira como imprime os documentos.

Da escrita da qual depende grande parte da informação, não só a contida nos documentos mas também nas vivências do quotidiano, e pela qual são responsáveis muitas das entidades públicas e não públicas encarregues de informar a Sociedade em geral. Infelizmente verifica-se que na grande maioria das vezes não são respeitadas as condições mínimas para que a leitura dos caracteres seja acessível à grande maioria da população. População esta cada vez mais condicionada por se verificar o seu progressivo envelhecimento e ao aumento de problemas circulatórios afectando a área macular tendo como consequência a baixa de acuidade visual e a dificuldade na visualização das cores vermelho e verde. Não nos podemos esquecer também do aumento da facosclerose (envelhecimento do cristalino catarata) e cuja acuidade visual se agrava com níveis de iluminação incorrectamente direccionados. É pois urgente e importante que todos os intervenientes na Sociedade em que vivemos tenham um mínimo de bom senso e brio profissional.

A Sociedade não se pode compadecer com a «Ignorância», quando a melhoria da qualidade de vida não é uma questão económica com gastos, mas sim o «Bom Senso para que a Sociedade esteja preparada. Não nos podemos esquecer, que todos amanhã poderemos ser um idoso ou deficiente e por conseguinte o seu directo beneficiário.