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Recomendações do colóquio "Os deficientes visuais e a leitura"

por Lerparaver

BIBLIOTECA NACIONAL

OS DEFICIENTES VISUAIS E A LEITURA

Colóquio realizado em 2 e 3 de Dezembro de 1999

no Auditório da Biblioteca Nacional

RECOMENDAÇÕES

1. Considerando que a inclusão na sociedade assume hoje reconhecidamente um valor universal, recomenda-se que as bibliotecas públicas promovam a sua progressiva transformação em bibliotecas inclusivas suprimindo barreiras, disponibilizando em suportes acessíveis toda a informação necessária e atendendo o utilizador de forma a suprir ou atenuar tanto quanto possível as limitações resultantes de deficiências sensoriais ou físicas.

2. Considerando que a evolução para a biblioteca inclusiva apela ao envolvimento interinstitucional das entidades responsáveis pelas bibliotecas e representativas dos respectivos profissionais, recomenda-se que no âmbito da Comissão de Leitura para Deficientes Visuais e em conjunto com o Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência e com a Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, se constitua um grupo de trabalho visando a elaboração de um projecto de leitura pública inclusiva, a nível nacional, e que possa reflectir e ponderar a matéria tiflológica a incluir nos currículos de formação de técnicos superiores de biblioteca e documentação e de técnicos profissionais para contemplar as necessidades especiais dos utilizadores deficientes visuais.

3. Considerando que aos leitores deficientes visuais assiste o direito de se tornarem cidadãos da sociedade da informação, recomenda-se que as bibliotecas disponibilizem o acesso à Internet aos leitores deficientes visuais, nos locais de acesso destinados aos restantes utilizadores, equipando para tal um ou mais postos com interfaces específicos (linha braille, sintetizador de voz e ampliador de caracteres).

4. Considerando que é necessário facilitar a acessibilidade à informação no ensino superior a alunos com deficiência visual, recomenda-se que se elaborem catálogos completos normalizados e se integrem os títulos existentes em cada serviço produtor numa base de dados comum que, a partir de qualquer ponto do país, possibilite o acesso rápido e fácil, e, ainda, uma contínua interligação de bibliotecas que proporcione um mais eficaz e imediato intercâmbio de informação e evite a duplicação de títulos já disponíveis.

5. Considerando que o braille "é a única escrita táctil paralela à escrita a tinta", como sustentam a UNESCO e a IFLA em Manifesto para as Bibliotecas Públicas e Guidelines for Library Service to Braille Users, recomenda-se que deverá reconhecer-se o primado da leitura relativamente ao recurso de ouvir ler, por constituir uma actividade mais rica e mais proveitosa para efeitos de rendibilidade pessoal e desenvolvimento intelectual, e por representar também o único meio de leitura para os surdo-cegos.

6. Considerando que o braille representa um meio de leitura e escrita cujo us deve proteger-se como um direito fundamental e tornar-se acessível a todos, como foi, uma vez mais, recentemente reconhecido a nível internacional na "Conferencia Ibero-americana del Braille" (Buenos Aires, 1999), recomenda-se que seja revista a política até agora seguida pelo Ministério da Educação no domínio do ensino dos alunos deficientes visuais, no sentido de os passar a habilitar a ler e a escrever braille na exacta medida em que se habilitam a ler e escrever os alunos normovisuais.

7. Considerando que o braille é actualmente vítima duma preocupante e perigosa desvalorização no nosso meio educativo; que não figura, senão muito discretamente, na formação de professores ou não está mesmo presente; que incumbe à Comissão de Braille, no âmbito das suas competências, intervir em todas as vertentes da problemática do braille, algumas das quais registam hoje em dia um notável grau de desenvolvimento científico e técnico, recomenda-se que a Comissão de Braille diligencie junto das entidades competentes, no sentido de se atribuir à braillologia um espaço adequado na formação de professores de apoio educativo, para contrariar a tendência crescente de desbraillização/desalfabetização e para que os alunos deficientes visuais deixem de continuar a ser "empurrados" para a quase exclusiva condição de ouvintes.

8. Considerando que cabe à Comissão de Leitura para Deficientes Visuais coordenar as actividades das instituições e serviços que se ocupam da prestação do serviço de leitura, recomenda-se que esta Comissão promova a definição de critérios de harmonização/normalização para os diversos suportes de leitura e normas que garantam a sua imprescindível eficácia e necessária uniformidade.

9. Considerando que foram reconhecidas as inúmeras vantagens dos livros sonoros em formato digitalizado e estruturado, recomenda-se que as entidades e serviços que em Portugal se dedicam à produção de livros sonoros se mantenham informados sobre o desenvolvimento do Projecto DAISY com vista à sua possível adopção, como um sistema estruturado de gravação digitalizada.

10. Considerando que a resolução das dificuldades apresentadas pela acessibilidade no domínio da informática constitui matéria reconhecidamente importante que reclama uma empenhada cooperação, recomenda-se que se procure sensibilizar as empresas produtoras de software para a problemática da acessibilidade de modo a desenvolverem produtos adequados ao uso e manuseio por deficientes visuais, mediante a clarificação do conceito de "software acessível".

11. Considerando que, sem formação apropriada, não parece razoável esperar uma utilização mais eficaz e generalizada pelos deficientes visuais das enormes potencialidades oferecidas pelos equipamentos informáticos, recomenda-se que o fornecimento de equipamentos especializados aos utilizadores seja cuidadosamente acompanhado de formação adequada.

12. Considerando que importa proporcionar aos portadores de subvisão as ajudas adequadas ao uso mais correcto dos seus resíduos visuais, recomenda-se que se usem nas escolas e nas bibliotecas, entre outros, equipamentos como a régua-lupa, lupa-fixa, lupa-braço com iluminação e lupa-televisão, computador e também, estirador, candeeiro de apoio com lâmpada de tipo fluorescente (com dimmer logo que possível) e cadeiras ergonómicas.

13. Considerando que é imprescindível o correcto conhecimento do desempenho visual de cada indivíduo para a prescrição das ajudas adequadas, recomenda-se que a informação médica concernente ao funcionamento visual seja circunstanciadamente descrita para proporcionar aos educadores informação fiável quanto ao melhor aproveitamento das capacidades visuais de cada indivíduo.

14. Considerando que o uso da informática nas escolas exige a formação adequada de todos os intervenientes, recomenda-se que a formação tenha por objectivo, não apenas os alunos, mas também os professores de apoio educativo e, até, na medida do possível, os professores do ensino regular, por forma a que, uns e outros, fiquem conhecedores e aptos a dominar os programas de leitores de ecrã e outros recursos especiais disponíveis.

15. Considerando que o equipamento e os outros produtos informáticos apresentam grande diversidade e complexidade, custos elevados e o risco de opção por aquisições inconvenientes, recomenda-se que se promova a criação dum Conselho Nacional para as Acessibilidades em Tecnologias de Informação responsável pela avaliação e aconselhamento, junto de entidades públicas e utilizadores particulares, na escolha de equipamento e programas a adquirir.

16. Considerando que a capacidade de produção de livros, naturalmente muito limitada, justifica que se produzam prioritariamente obras pedidas pelos leitores, alguns atingidos por deficiência visual em idade avançada, por vezes acompanhada de outras dificuldades, recomenda-se que os leitores passem a participar mais activamente na escolha das obras a integrar nos acervos das bibliotecas, bem como dos respectivos suportes e formatos.

17. Considerando que os acervos são muito reduzidos e que, para quem vive fora dos grandes centros, o acesso às bibliotecas não se apresenta fácil, recomenda-se que os serviços produtores de livros em braille e de livros sonoros se articulem no sentido de se evitar a duplicação de obras e se promover a divulgação de catálogos.

18. Considerando que o prazer de ler também passa pela qualidade dos livros e pelo seu bom estado de conservação, recomenda-se que se tenha em conta a qualidade e o estado de conservação das obras e se proceda à recuperação ou substituição das que se apresentem deterioradas.

19. Considerando que uma maior intensificação do recurso aos novos suportes poderá contribuir significativamente para diminuir o fosso existente entre os acervos disponíveis e o vasto universo de livros em tinta, e tendo em conta as enormes potencialidades proporcionadas pelos novos meios de produção de espécies para leitura especial, recomenda-se que se aumente o acervo bibliográfico disponível nos vários suportes, de modo a diminuir o fosso existente entre aquele e o universo de obras publicadas em tinta.

20. Considerando que a falta de prontidão na satisfação dos pedidos de livros não favorece o interesse pela leitura, recomenda-se que se atendam com celeridade os pedidos dos leitores e se evitem retenções exageradas por parte de alguns deles.

21. Considerando que a música continua a desempenhar um papel importante para os deficientes visuais e que são inúmeras as insuficiências verificadas no domínio da música em braille, recomenda-se que se procure, estude e implemente a utilização de software concebido para a produção de música em braille e se elaborem com urgência catálogos que incluam as obras disponíveis.

22. Considerando que importa adequar o melhor possível o desempenho dos voluntários ao contributo que lhes é pedido, recomenda-se que se avaliem os perfis apresentados pelos voluntários, se definam as funções que se esperam da sua colaboração e se enquadre o seu desempenho num programa de formação adequado aos objectivos especificados para cada tipo de colaboração.

23. Considerando que é necessário regular claramente a relação voluntário serviço, recomenda-se que se determinem princípios éticos orientadores do desempenho dos voluntários e as obrigações contraídas pelas instituições que beneficiam da sua colaboração.

24. Considerando que a colaboração de voluntários é passível de partilha interinstitucional, recomenda-se que se promova regularmente a troca interinstitucional de experiências para aperfeiçoamento do contributo do voluntariado na prestação do serviço de leitura.