Hoje a personagem que decidi dar-vos a conhecer melhor e que Brad Meltzer descreve neste 6º capítulo do seu "Livro do Destino" é Nico, o homem que tentou disparar sobre o presidente Maning logo no início de toda esta história, acabando no entanto por ferir o nosso narrador e também o seu amigo Boile. A esta altura, oito anos passados sobre o sucedido, Nico encontra-se num hospital psiquiátrico como poderemos constatar por via deste 6º capítulo e até já conseguiu realizar algumas conquistas por bom comportamento como também poderemos perceber através deste pequeno excertozinho do livro. Mas estará ele completamente recuperado e já terá deixado para trás todos os ideais que o levaram a tentar disparar sobre o presidente dos Estados Unidos há cerca de oito anos atrás? É isso que hoje vos venho convidar a tentar descobrir por via da publicação deste 6º capítulo que deixarei transcrito já nas linhas que se seguem.
6
Hospital Psiquiátrico St. Elizabeths
Washington, D. C.
“Termine depressa, Nico — sem perder tempo", disse o assistente hospitalar
com adocicado hálito de cebola. O sujeito não empurrou Nico para dentro ou
ficou ao seu lado enquanto ele desabotoava as calças. Aquilo tinha sido feito
apenas nos primeiros meses depois que Nico tentara assassinar o presidente —
quando temiam que ele se matasse. Agora Nico tinha ganhado o direito de ir ao
banheiro sozinho. Assim como ganhara o direito de usar o telefone e de que o
hospital não censurasse mais sua correspondência. Ele tinha conquistado cada
uma dessas vitórias, mas, como Os Três lhe haviam dito, cada vitória implicava
certo custo.
Para conseguir o telefone, os doutores lhe perguntaram se ele ainda tinha
raiva do presidente Manning. Para liberar a correspondência, perguntaram-lhe se
ele ainda tinha fixação por cruzes — o crucifixo ao redor do pescoço de sua
enfermeira, aquele que a dama gorda usava no comercial sobre uma firma de
advocacia na TV, e, mais importante ainda, aquelas cruzes ocultas que ele sabia
existirem ali: as formadas pelas vidraças e pelos postes telefônicos... no
cruzamento das calçadas, e nas ripas em forma de T dos bancos dos parques, e
em lâminas perpendiculares que cortam a grama, e — quando eles paravam e o
deixavam sair porque as imagens se tornavam muito deprimentes — em cordões
de sapatos que se cruzam e nos fios de telefone e nos fios elétricos e nas meias
descartadas... na junção do chão lustroso ladrilhado e nas portas fechadas da
geladeira... nas sombras horizontais e nos cordões verticais, nos corrimãos e suas
grades... e, é claro, nos espaços brancos entre as colunas dos jornais, nos espaços
pretos entre as teclas do telefone, e até em cubos, sobretudo quando está
desdobrado em sua versão bidimensional o que então lhe permitia incluir dados,
bagagem, pequenas caixas de ovos, e, é claro, O Cubo de Rubik[4] que estava
pousado na extremidade da mesa do dr. Wilensky, bem ao lado do porta-lápis
perfeitamente quadrado da marca Lucite. Nico conhecia a verdade — símbolos
eram sempre sinais.
Nada mais de cruzes desenhadas, nada mais de cruzes esculpidas, nada mais
de cruzes rabiscadas na borracha de seu tênis, quando ele pensava que ninguém
estava olhando, disseram seus médicos. Se ele quisesse ter total liberdade na sua
correspondência, eles precisavam perceber o seu progresso.
Isso levou seis anos. Mas hoje ele conseguira o que queria.
Do modo que Os Três prometeram. Essa era uma das poucas verdades além
de Deus. Os Três mantinham suas promessas... mesmo antes, quando o
acolheram pela primeira vez. Na época não o deixaram com nada. Nem mesmo
suas medalhas, que foram perdidas — roubadas! — no asilo. Os Três não podiam
consegui-las de volta, mas eles lhe trouxeram algumas outras. Mostraram-lhe a
porta.
Mostraram-lhe o que ninguém mais via. Onde Deus se encontrava. E onde o
diabo estava escondido. E esperando.
Quase por duzentos anos ele tinha estado ali, escondido no único lugar no qual
os Homens M, os Maçons, esperavam que as pessoas nunca iriam olhar — bem
diante de seus próprios rostos. Mas Os Três olharam. Eles procuraram. E eles
encontraram a porta do diabo. Do jeito que o Livro havia dito. Foi então que Nico
representou a sua parte.
Como um filho servindo a sua mãe. Como um soldado servindo ao país.
Como um anjo servindo à vontade de Deus.
Em retribuição, Nico só tinha de esperar. Os Três lhe disseram isso no dia em
que ele puxou o gatilho. A redenção estava chegando. Basta esperar. Fazia oito
anos. Nada comparado com a salvação eterna.
Sozinho no banheiro, Nico fechou a tampa da privada e ajoelhou-se para
dizer uma prece. Seus lábios moviam-se sem som. A cabeça movia-se para cima
e para baixo ligeiramente... dezesseis vezes... sempre dezesseis. E depois ele
fechava o olho esquerdo na palavra Amém. Com um puxão forte com as pontas
dos dedos ele arrancava um cílio do olho esquerdo. Depois arrancava um outro.
Ainda de joelhos, ele pegava os dois cílios e os colocava na fria porcelana branca
da privada fechada. A superfície tinha de ser branca — caso contrário ele não os
veria.
Esfregando a unha do seu indicador direito contra a argamassa do chão, ele a
desgastava de maneira violenta enchendo a unha, até a ponta. Quando se
inclinava, aproximando-se como uma criança que examina uma formiga, ele
usava a extremidade pontuda da unha para colocar os dois cílios no lugar. O que
os médicos tiravam, ele sempre podia colocar de novo. Como Os Três disseram,
tudo estava dentro dele. E depois, como Nico fazia todas as manhãs, ele lenta e
gentilmente dava um puxão de um milímetro e tirava a prova. Ali estava. Um
cílio se cruzava perfeitamente com o outro. Uma cruz minúscula.
Um leve sorriso apareceu nos lábios de Nico. E ele começou a rezar.
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