Disponível em: www.mec.gov.br/ibc
TEMA: EQUOTERAPIA
Os efeitos da Equoterapia para o portador de cegueira adquirida - um estudo de caso
Carlos Henrique Silva
RESUMO
O texto apresenta os resultados preliminares da utilização da Equoterapia como recurso terapêutico, que proporciona benefícios psicológico e motor ao portador de cegueira adquirida.
ABSTRACT
This text presents the preliminary results of the use of Equine-terapy as a therapeutic tool providing psychological and motor benefits, payable to bearer of acquired blindness.
Introdução
A Equoterapia é um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar, nas áreas de Saúde, Educação e Equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas portadoras de deficiências e/ou com necessidades especiais. Neste método, o cavalo atua como agente cinesioterapêutico, facilitador do processo ensino-aprendizagem e como agente de inserção e reinserção social. Também é considerado um conjunto de técnicas reeducativas que atuam para superar danos sensoriais, cognitivos e comportamentais por intermédio do cavalo. Outro aspecto da equitação terapêutica é o seu impacto sobre a psicologia do paciente. O cavalo é a ligação entre o paciente e o terapeuta, entre o paciente e o adulto. O paciente cria, através do cavalo, uma nova imagem do seu próprio corpo, devido às informações recebidas da montaria e a relação pluri-disciplinar com a equipe, favorecendo uma estruturação do eu. A lateralização, o esquema corporal e a imagem sã somente se manifestam e se estruturam em função da relação com o outro, dependendo do espaço-tempo. Situar-se no espaço-tempo é estabelecer limites, conhecer, utilizar pontos de referência, fazendo com que ocorra o princípio da descoberta, etapa fundamental para o desenvolvimento humano. (Lallery, H. 1988).
A Equoterapia é desenvolvida por uma equipe multidisciplinar composta, no mínimo, por um psicólogo, um fisioterapeuta e um instrutor de equitação. De acordo com os fundamentos básicos, o atendimento em Equoterapia é planejado em função das necessidades e potencialidades do praticante, com os objetivos a serem alcançados planejados pela equipe multidisciplinar que atuará no atendimento.
Os trabalhos em Equoterapia são agrupados nos seguintes programas básicos:
Hipoterapia
É um programa essencialmente direcionado para a área de Saúde e voltado para pessoas portadoras de deficiência física, sensorial e/ou mental. Apresenta como principais características:
- o praticante não tem condições físicas e/ou mentais para se manter sozinho sobre o cavalo;
- necessita de um auxiliar-guia para conduzir o cavalo e, eventualmente, de um auxiliar-lateral para mantê-lo montado, dando-lhe segurança;
- a ênfase das ações é dos profissionais da área de saúde, precisando, portanto, de um terapeuta ou mediador, a pé ou montado, para a execução de exercícios programados;
- o cavalo atua, principalmente, como agente cinesioterapêutico.
Educação/Reeducação
É direcionado a uma ou mais áreas de aplicação. Tem como características principais:
- o praticante tem condições de exercer alguma atuação sobre o cavalo e conduzi-lo, dependendo em menor grau do auxiliar-guia e do auxiliar-lateral;
- a ação de profissionais de equitação é mais efetiva, embora os exercícios devam ser programados por toda a equipe, de acordo com os objetivos traçados para o praticante;
- o cavalo também propicia benefícios pelo seu movimento tridimensional, atuando como facilitador do processo ensino-aprendizagem.
Pré-esportivo
Apresenta maior ênfase para as áreas de Educação e Social, e tem como características:
- o praticante reúne boas condições para atuar e conduzir o cavalo, podendo participar de pequenos exercícios específicos de hipismo;
- a ação do profissional de equitação é mais efetiva, mas a orientação e o acompanhamento de profissionais das áreas de Saúde e Educação continuam sendo imprescindíveis;
- o praticante exerce maior influência sobre o cavalo;
- o cavalo atua, também, como agente de inserção/reinserção social.
Seus efeitos terapêuticos visados são: melhoramento da relação (comunicação, autocontrole, autoconfiança, atenção); melhoramento da psicomotricidade (melhorar o tônus, mobilizar as articulações da coluna e da bacia, facilitar o equilíbrio e a postura do tronco, favorecer a obtenção da lateralidade, melhorar a percepção do esquema corporal, permitir que se trabalhe a coordenação ou a dissociação de movimentos e favorecer a referência de espaço e de tempo); melhoramento da socialização, visando à melhora da integração dos indivíduos portadores de deficiências.
Como existe pouca referência na literatura que aborde o assunto sobre a aplicação da Equoterapia aos portadores de cegueira, decidimos realizar um estudo para avaliarmos os efeitos psicológicos e motores em indivíduos acometidos de cegueira adquirida.
Com efeito, a cegueira não é apenas uma das mais graves deficiências, mas é também diferente das demais.
A cegueira adquirida, em qualquer fase da vida, tem um grande impacto sobre o emocional do indivíduo e de sua família. A perda da visão pode ocorrer por diversos fatores, em diferentes idades e de várias formas. Seus efeitos sobre o indivíduo, sobre sua personalidade, dependem da fase de desenvolvimento em que se encontra, da forma súbita ou progressiva de sua instalação e das condições familiares e pessoais do indivíduo antes da ocorrência da cegueira.
São múltiplas as perdas causadas a quem perdeu a visão e estão todas inter-relacionadas, o que torna o quadro mais grave, pois juntas formam as limitações que a cegueira impõe ao indivíduo. Como diz Tomas J. Carrol, "Seja como for, é o fim de uma certa maneira de viver que era parte do homem". Seu primeiro impacto é o desenvolvimento de um quadro depressivo (fase de choque), seguido de um período de lamentações pela vida que se foi, pela própria perda.
Objetivo
Avaliar os efeitos psicológicos e motores em um indivíduo com cegueira adquirida submetido à Equoterapia.
Método
Procedeu-se a um estudo de caso em um sujeito de 51 anos, acometido de cegueira súbita há 4 anos, vítima de acidente, com diagnóstico de depressão, casado, pai de três filhos, com primeiro grau completo, ex-trabalhador em indústria de refrigerantes.
Como não foram encontradas na literatura referências ao método de atendimento a portadores de cegueira em Equoterapia, foi elaborado um programa de intervenção específico visando ao seu desenvolvimento integral. O programa foi baseado na aplicação de técnicas de equitação, privilegiando exercícios que estimulassem o equilíbrio, o sentimento de segurança, a utilização dos outros sentidos, a independência.
Realizaram-se, num período de oito meses, sessões semanais de Equoterapia, com 30 minutos de duração, totalizando 24 (vinte e quatro) sessões. Durante a realização das sessões, foi seguido o programa pré-estabelecido, sofrendo algumas alterações devido ao progresso alcançado pelo paciente no fator independência.
As primeiras sessões foram desenvolvidas com uma equipe de três auxiliares (um guia e dois laterais) e, a partir da 8a, apenas com dois (figura 1); já na 14a, o paciente estava montando o cavalo e conduzindo-o pelo picadeiro, sem o auxílio do guia e dos laterais, apenas se orientando por um estímulo sonoro (figura 2).
Foram feitos registros diários das observações, filmagens e fotos em sua maioria. Ao final, foi realizada uma entrevista aberta com o paciente e sua esposa para avaliar se houve mudança em seu comportamento emocional e/ou físico. Colheram-se também informações junto aos profissionais da instituição que o paciente freqüenta, a respeito de alguma mudança observada.
Resultados
A análise dos dados registrados nas observações diárias, que relatam desde os progressos alcançados nas técnicas eqüestres até as mudanças de comportamentos emocionais e físicos, aponta para uma melhora do equilíbrio, da marcha, da postura, da segurança, da independência, do uso dos outros sentidos e da coordenação dos movimentos. A análise qualitativa das entrevistas aponta para uma melhora da auto-estima e autoconfiança, do sentimento de segurança. De maneira geral, também houve uma acentuada melhora do quadro depressivo.
Conclusão
Este estudo de caso demonstrou que a Equoterapia é um recurso terapêutico que pode trazer benefícios também aos portadores de cegueira adquirida.
Os resultados visualizados neste estudo apontam para a necessidade de se continuar o estudo, com um grupo significativo de indivíduos portadores de cegueira submetidos à equoterapia, com controles mais rigorosos para que possa ser desenvolvido um programa de atendimento específico aos cegos.
Bibliografia
1. AMIRALIAN, M. L. T. M. Compreendendo o Cego: uma visão psicanalítica da cegueira por meio de desenhos-estórias. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
2. CARROL, T. J. Cegueira: o que ela é, o que ela faz e como viver com ela. São Paulo: Campanha Nacional de Educação dos Cegos - MEC, 1968.
3. FREIRE, H. B. G. Equoterapia: teoria e técnica: uma experiência com crianças autistas. São Paulo: Vetor, 1999.
4. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE EQUOTERAPIA. Coletânea de Trabalhos do I Congresso Brasileiro de Equoterapia. Brasília-DF, 1999.
Carlos Henrique Silva é psicólogo, professor na Universidade Católica Dom Bosco, em Campo Grande-MS, componente da equipe do Programa de Equoterapia da UCDB, onde desenvolve pesquisas, atendimento e supervisão de acadêmicos-estagiários. Mestrando em Psicologia, área de concentração Saúde Mental e Sociedade, tem vários artigos publicados em Anais de Congressos Nacionais e Internacionais, referentes a pesquisas com deficientes visuais em Equoterapia.
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