OS DEFICIENTES VISUAIS E A LEITURA
Colóquio
TEMA 6 - O CONTRIBUTO DO VOLUNTARIADO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE LEITURA
VOLUNTARIADO - Benefícios e Limitações
(por Assis Milton)
Dezembro de 1999
Falar de Voluntariado é quase tão complicado como falar de Amor. Quem não sabe o que é o Amor, e quem não sente que sabe o que é Voluntariado? Mas quando alguém se dá ao trabalho de pôr estes conceitos no papel, ou tenta abordá-los de improviso, depara-se com inúmeros pequenos e grandes obstáculos. Rigorosamente falando, o conceito absoluto de Voluntariado não existe. No Mundo não há duas pessoas iguais, nunca houve nem nunca haverá. Segue se daqui que cada um de nós tem um conceito de Voluntariado ímpar. Isto não quer dizer que não tentemos encontrar o denominador comum da sua essência. Portanto, vou debruçar-me sobre este assunto de acordo com a minha sensibilidade.
Penso que nas sociedades modernas como a nossa, onde o dinheiro, sob as suas múltiplas formas, permeia toda a nossa vida como o indispensável elo de ligação, os direitos e deveres dos cidadãos estão mais ou menos firmemente definidos. As remunerações e outras formas de proventos constituem os alicerces da nossa estabilidade, permitindo que nós, como um todo, possamos prosseguir as nossas vidas com relativa tranquilidade.
Creio que os objectivos da sociedade não se prendem, no entanto, apenas a garantir a relativa tranquilidade. As ambições vão mais alto. Queremos um progressivo melhoramento das qualidades das nossas vidas. Mas como o nosso almejado crescente bem estar anda sempre um passo à frente da realidade presente, a nossa atenção vira-se, por vezes, para as energias humanas latentes, portanto não ocupadas, que constituem, por assim dizer, um enorme reservatório, pronto a ser aproveitado, neste caso o serviço voluntário.
As receitas que o Estado consegue gerar, assim como o sector não governamental, não são suficientes para dar conta de todas as nossas necessidades e ambições. Há que, por isso, lançar a nossa rede para apanhar o esforço contido no voluntariado.
Mas o que é então o voluntariado? Quando o homem do táxi presta um serviço e cobra por ele, sabemos que não está a prestar um apoio voluntário. Os funcionários, ou melhor dizendo, os que trabalham para terceiros, recebendo o seu salário periodicamente, estão fora do âmbito do voluntariado. Quando alguém dá uma boleia e não cobra nada, estará essa pessoa a ser um voluntário? Certamente cometeu um gesto singular de altruísmo, mas isso não tem nada a ver com o voluntariado. O conceito de voluntariado prende-se com um serviço prestado gratuitamente com certa regularidade. Mas a quem? Claro que directa ou indirectamente às pessoas carenciadas, através de uma organização ou instituição, não lucrativa.
A propósito de regularidade, conheço uma senhora que visita diariamente o seu pai que vive só e se encontra um tanto ou quanto debilitado, a fim de lhe prestar os cuidados indispensáveis. Estará ela a exercer o voluntariado? A sua motivação prende-se, certamente, com a ligação filial e talvez com o sentimento de cumprimento de um dever.
Conheço uma outra senhora que vai fazer praticamente o mesmo em relação a um idoso, em princípio, desconhecido. Aqui a motivação é outra. Esta senhora pertence a um movimento religioso (Sociedade S. Vicente de Paula, ligada à Igreja Católica). O seu alvo não tem nada a ver com parentesco. Poderia, neste caso, a pessoa alvo ser, perfeitamente, uma outra pessoa. Considero estarmos aqui perante um caso de voluntariado. Torna-se claro, então, que o elemento instituição é basilar nesta actividade. A instituição pode ser o ponto de partida, como no caso da Cruz Vermelha, Sociedade S. Vicente de Paula ou, como ponto de chegada, no caso dos hospitais, organizações de ou para pessoas deficientes.
Toda esta matéria que se prende com os voluntários e as organizações que gerem ou beneficiam dos serviços, encontra-se suficientemente abordada e consagrada em forma de lei no seguinte diploma legal: "Diário da República, Numero 254/98 - Segunda Série." A fim de permitir um acesso fácil a este diploma, junta-se a esta comunicação uma cópia.
Vejamos o que os legisladores entendem por Voluntariado: "1 - Voluntariado é o conjunto de acções de interesse social e comunitário realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projectos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade desenvolvidos sem fins lucrativos por entidades públicas ou privadas.
2 - Não são abrangidas pela presente lei as actuações que, embora desinteressadas, tenham um carácter isolado e esporádico ou sejam determinadas por razões familiares, de amizade e de boa vizinhança. "
Nem todas as organizações não lucrativas, no entanto, estão vocacionadas para comportar ou tolerar o voluntariado. A necessidade surge quando a missão a cumprir é superior à capacidade dos seus funcionários, ou seja, da sua capacidade executiva.
Mas o que é um voluntário? ou quem pode ser um voluntário? Esta é uma questão fundamental. A pessoa voluntária tem de reunir certos atributos indispensáveis: Tem de ser emocionalmente estável; Sentir uma inequívoca vontade de dar um pouco de si aos outros; tem de estar, pelo menos, relativamente desafogada financeiramente; dispor claramente de tempo suficiente para o efeito; ter os necessários conhecimentos e capacidade de trabalho; ter um bom trato; ser, pelo menos, relativamente saudável; ter apetência para o que vai fazer; ser disciplinada; ser capaz de cumprir horários e executar tarefas com sentido de responsabilidade; se necessário ser capaz de integrar harmoniosamente uma equipa; ser capaz de criar laços crescentes com a instituição onde vai exercer o seu altruísmo.
Virando agora a nossa atenção para o outro componente do voluntariado, o que há a dizer das instituições que vão gerir ou absorver esta oferta dos voluntários?
É claro que, qualquer organização que decida aceitar voluntários tem de se acautelar, pelo menos, dos seguintes aspectos: ter uma clara ideia dos objectivos que pretende alcançar; ser capaz de analisar e ordenar os afazeres em forma de tarefas bem delineadas; ser capaz de estabelecer um calendário para os objectivos em vista; ter o cuidado de não abandonar os voluntários à sua sorte dentro da instituição; conservá-los sempre ocupados, com entusiasmo se possível; reconhecer o mérito dos seus trabalhos ou participações; tomar iniciativas no sentido de valorizar o trabalho dos voluntários; fazer sentir que eles são importantes para a organização e para a causa em questão; dispensar aos voluntários a devida estima e consideração; se possível, envolver estas pessoas nalguma fase da organização das tarefas.
O que diz o Diploma acima referido a respeito das Instituições que poderão beneficiar do voluntariado? O seu Artigo 4o diz o seguinte:
"Organizações Promotoras - 1 - Para efeitos da presente lei, consideram-se organizações promotoras as entidades públicas da administração central, regional ou local ou outras pessoas colectivas de direito público ou privado, legalmente constituídas, que reúnam condições para integrar voluntários e coordenar o exercício da sua actividade, que devem ser definidas nos termos do artigo 10.
2 - Poderão igualmente aderir ao regime estabelecido no presente diploma, como organizações promotoras, outras organizações socialmente reconhecidas que reúnam condições para integrar voluntários e coordenar o exercício da sua actividade."
Falando dos voluntários e das organizações a que eles estão ligados, podemos, no caso da Sociedade S. Vicente da Paula, observar duas vertentes claras. Esta sociedade possui, por um lado, lares para idosos, assim como a prática de visitas domiciliares; e por outro lado, um corpo significativo de voluntários, regidos por normas definidas nos estatutos da organização. Os voluntários não são remunerados. Põem-se às portas das igrejas, paciente e humildemente, à espera que os fiéis se dignem dispensar uns cobres para os pobres. Vão prestar auxílio aos lares e idosos domiciliados, etc.
Mas os trabalhadores dos lares recebem os seus vencimentos e cumprem os seus deveres dentro dos horários estabelecidos. Seria impensável que estas responsabilidades que se prendem com os afazeres dos lares (cuidados de enfermagem, comida, higiene, roupa lavada, banhos, ocupação de tempos livres, etc.) fossem concretizados pelos voluntários. Grande parte destes voluntários são pessoas de idade, aposentadas, muitas vezes com alguma debilidade física, outras vezes, não habituadas a trabalhos duros. Contudo, dão o que podem, isto é, o seu saber, parte do seu tempo livre, fazendo o que está ao seu alcance, dentro dos objectivos da Instituição, é claro.
Falando da remuneração, não sei ao certo como funcionam os "Médicos sem Fronteiras". Sabemos que os missionários religiosos, motivados pela sua fé, entregam-se duma forma exemplar aos outros, não se importando enfrentar duras condições de vida, e muitas vezes, a morte. Sabemos que os missionários não têm remunerações, mas sim, o indispensável para a sua sobrevivência. São exemplos extremos de voluntariado, na minha opinião.
Em Portugal, o dedo acusatório apontado aos voluntários, salvo algumas honrosas excepções, é de que eles são instáveis, não cumprem horários, faltam muito, e geralmente permanecem pouco tempo no seu posto. A ser verdade este fenómeno, ele requer uma reflexão séria sobre as razões subjacentes. Haverá alguma coisa a fazer para que as coisas não sejam assim?
Tendo falado com algumas pessoas sobre este tema, cheguei à conclusão que há uma ideia generalizada de que o voluntário é aquele que é sobretudo livre ao prestar algum serviço, uma vez que não é remunerado. Poderá faltar ao seu compromisso ou virar-se para alguma outra actividade que lhe dê mais proveito ou gozo. Entendem que não se deve exigir o mesmo tipo de rigor quanto ao cumprimento de horário e rendimento, etc. É provável que eu esteja a exagerar um pouco. Sei, no entanto, que algumas das nossas instituições têm tido dificuldade de programar actividades com voluntários em mira, objectivando-os no tempo.
Quando se trata de cumprir prazos, levantam-se certas dúvidas. Imaginemos que um aluno tem exame no dia x, daqui a três semanas, e precisa de um texto vertido em braille. O texto seria para umas dezoito horas de trabalho efectivo. Podemos imaginar os possíveis resultados. Se tivermos de depender de algum voluntário instável. Na Inglaterra já se tornou tradição os reclusos transcreverem para braille, com grande regularidade, enormes quantidades de textos para uso individual. As instituições relacionadas com pessoas cegas requisitam estes trabalhos, pedidos pelos estudantes e trabalhadores. As autarquias locais têm um departamento através do qual recebem ofertas de voluntários, assim como pedidos de voluntários. Estes departamentos fazem a gestão deste banco de ofertas e pedidos. Creio que há uma tentativa desta natureza na autarquia de Vila Franca. Não sei como vão as coisas. Mas seria um passo desejável, a dar pelas autarquias do País duma forma universal, a fim de que o esforço de voluntários fosse aproveitado e valorizado o mais possível.
No que concerne à formação dos voluntários, há que considerar a natureza de tarefas em que eles vão estar envolvidos. Alguns trabalhos requerem maior ou menor especialização. Outros poderão dispensá-la. Por exemplo, acompanhar alguém a uma consulta médica. Se um voluntário estiver envolvido, digamos, na produção de textos braille, ele ou ela teria que ganhar umas noções do sistema braille. Isto implica umas boas horas de formação. Se a pessoa em questão não permanecer um tempo razoável nesta actividade, pouco ou nada se terá beneficiado com este voluntário.
Volvemos agora a nossa atenção ao mundo dos cegos. Que tipo de serviço voluntário poderia ir ao encontro das suas necessidades? Pessoas cegas vivendo autonomamente como singulares ou casais necessitam, entre outras coisas, de fazer compras, ir a uma consulta ou tratamento, ler correio, algum manual ou livro, revista, jornal. Os voluntários poderiam ajudar nestas carências, mas creio que isso raramente acontece. As pessoas cegas recorrem a um familiar ou amigo, nem sempre os mesmos. A confidencialidade entra aqui em jogo. Não há dúvidas que as pessoas cegas são vulneráveis quanto à confidencialidade. Elas têm de ter cautelas redobradas quando se expõem aos outros. Este facto dificulta um pouco as suas vidas.
Os benefícios do voluntariado à Sociedade em geral não podem deixar dúvidas. Mas também é certo que há muitas limitações ao seu aproveitamento. Os pontos acima abordados tornam isto claro.
Haveria muito que dizer ou falar sobre o voluntariado, mas eu não vou esticar a vossa paciência. Estou consciente de que, por mais que eu penetrasse na matéria, não conseguiria contribuir para alterar o fenómeno do voluntariado para melhor, porque reconheço humildemente que não sou nenhuma sumidade na matéria. Limitei-me a expor as minhas ideias sobre o assunto. Reconheço que é uma comunicação relativamente pobre, sem grandes revelações. Resta-me agradecer a atenção que me dispensaram.
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