Aquilino Rodrigues (1)
1. Introdução
As tecnologias da Informação e da comunicação encontram-se num estado muito avançado de desenvolvimento e crescimento. As novidades da indústria sucedem-se a um ritmo estonteante, e ninguém hoje tem dúvidas de que será possível em breve transmitir som imagem e dados à distância, com menores custos e aparelhos mais pequenos e simples. O poder das novas tecnologias é tal, que permite pela primeira vez imaginar uma sociedade em que todos, independentemente das suas limitações físicas, possam aceder à informação e comunicar sem qualquer limitação. É sobre este novo paradigma, e suas implicações práticas que se debruça este trabalho.
2. Questões actuais
É consensual a ideia de que a Internet - a rede das redes - representa o pilar básico de transmissão de informação de hoje para o futuro. Cada vez mais organizações estão a converter a sua documentação para o formato da Internet, havendo mesmo publicações exclusivamente existentes nesta Rede. Mas a Internet não é apenas um repositório de informações e conhecimentos. É um verdadeiro Fórum virtual, onde as pessoas podem expor e trocar ideias, enviar mensagens, comprar e vender, e desenvolver um sem número de actividades. A Administração Pública tem acompanhado esta evolução, e é cada vez maior o número de serviços públicos disponíveis na Internet.
Duas características da Internet são fundamentais para o seu sucesso:
primeiro, com a Internet, não há longe nem distâncias: o custo de acesso a uma página situada num computador na Nova Zelândia é o mesmo que o do acesso a uma página num computador em Portugal. Na realidade, no primeiro caso os dados têm que atravessar meio mundo, o que tem os seus custos, mas para o utilizador da Internet, esses custos estão diluídos na taxa que paga ao seu Fornecedor de Acesso à Internet.
Em segundo lugar, a informação está em formato digital. Desta forma, pode ser armazenada, transferida, copiada e alterada vezes sem conta. Com as ajudas técnicas adequadas, uma pessoa cega ou amblíope pode, em teoria, aceder facilmente a esta mesma informação. Não se trata aqui de criar um novo suporte de informação - seja ele o braille, cassetes áudio, ou texto ampliado - mas sim usar o mesmo suporte (o computador) com uma adaptação.
Nunca, como hoje, a tecnologia foi tão amiga das pessoas com necessidades especiais. Apesar disso, são ainda poucas as pessoas cegas que no nosso país utilizam o computador, em particular, a Internet. Porquê? Porque a questão da acessibilidade não se esgota nas possibilidades tecnológicas. Quanto custa a um deficiente visual um computador e a sua adaptação? Como pode essa pessoa aprender a usar o computador e a Internet? Que benefícios reais trará o computador para a sua vida? São perguntas muito importantes, e para as quais ainda não há respostas adequadas.
3. Uma estrada a construir
São cinco horas da manhã, no continente. A edição electrónica do jornal Público acaba de ser publicada na Internet. Às sete da manhã, João, que vive em Bragança, levanta-se e liga o seu computador. Estabelece a ligação à Internet, e abre a página do jornal para ler as notícias mais importantes do dia. Dez minutos depois, desliga o seu computador e vai preparar-se para sair.
Este episódio imaginário pode acontecer hoje em dia, não só em Bragança, mas em qualquer parte do mundo. Se João for normovisual, precisa do seu computador, de um acesso à Internet e de algumas noções básicas sobre navegação na Rede. Na verdade, se João for um entusiasta dos computadores, não lhe será difícil encontrar inúmeros artigos em jornais e revistas, e muitos livros sobre este assunto. Se, pelo contrário, João sofrer de uma limitação de visão, tem dificuldades acrescidas. Em primeiro lugar, precisa de uma adaptação técnica para o seu computador: síntese de voz, braille, ou ampliação de texto. Estas soluções são caras, e a menos que João tenha boas possibilidades económicas, não estarão ao seu alcance. É aqui que começa a responsabilidade social do Estado, possibilitando através de subsídios ou da oferta de equipamento, vencer esta primeira barreira.
Admitindo que as ajudas técnicas estão disponíveis e devidamente instaladas, surge o problema seguinte: como utilizar o computador? Para isto, só há uma resposta, e está na hora de todos a assumirmos plenamente: formação. Os computadores são sistemas extremamente complexos, e muito orientados para a utilização visual. Decorre daí, que praticamente toda a documentação existente no mercado livreiro se concentra na utilização do computador do ponto de vista visual: é o método do "apontar e clicar", e do "arrastar e largar", sempre com o omnipresente dispositivo apontador a que chamamos "rato".
A formação é o elemento chave no processo da acessibilidade. É nela que se têm que fazer os maiores investimentos, sob pena de estarmos a construir castelos no ar. De que serve ter tecnologias avançadas ao nosso dispor, se não as soubermos usar? Todos estamos conscientes da importância que as estradas têm para o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida das populações. Pois bem, para uma pessoa cega, o computador é a sua estrada. É através dele que pode escrever os seus textos, ler os seus livros, estudar, trabalhar e comunicar. Se achamos normal que uma pessoa tire a carta de condução, da mesma forma deveríamos acolher a ideia da formação especifica em informática para pessoas com deficiência visual. Dir-se-á que já existem cursos de informática para pessoas cegas há muitos anos. É verdade, mas da mesma forma que não faz sentido haver aulas de condução colectivas, também o ensino da informática deve ser personalizado. Não há dois utilizadores com as mesmas necessidades e características.
É necessário, a meu ver, que as entidades com experiência acumulada na área da informática para deficientes visuais, promovam acções de formação personalizadas, e cuidadosamente preparadas. Isto envolve a criação de manuais específicos, com explicação dos conceitos informáticos, e de como utilizar eficazmente as aplicações através do teclado, e não do rato. Este aspecto é de tal importância, que excede o campo da deficiência visual. Muitos utilizadores estão privados do uso do rato por dificuldades motoras, e não têm à sua disposição manuais adequados. Por exemplo, no Windows, muitos sabem que para abrir o menu de propriedades de um objecto se clica sobre esse objecto com o botão direito do rato, mas poucos sabem que o comando Shift-F10 faz a mesma coisa. O tempo e os recursos envolvidos na elaboração e preparação destas acções de formação, justificam a união de esforços. Com o apoio financeiro do estado, por um lado; com a experiência das empresas fornecedoras de ajudas técnicas, por outro; e com o entusiasmo de dezenas de utilizadores, que têm feito a custo a conquista deste difícil novo mundo, será possível fazer dos computadores e da Internet ferramentas realmente acessíveis e úteis para todos.
4. Realidade e Conceitos
É importante ter presente que, quando falamos de informação, e discutimos o problema da acessibilidade, estamos a falar de conceitos fundamentais. Não devemos confundir esses conceitos com a realidade presente da indústria informática e de comunicações. Hoje em dia o acesso à informação está intimamente ligado ao computador pessoal, vulgo "PC", com um sistema operativo Windows. O seu uso é tão generalizado que se confunde a aprendizagem de informática com a aprendizagem deste sistema operativo e das suas aplicações. No entanto, é bom ter presente que há outros sistemas e outros tipos de máquinas. Os computadores Macintosh, menos populares no nosso país, são uma alternativa ao PC, para a qual existem também ajudas técnicas para deficientes visuais. Uma outra área em grande crescimento actualmente, é a dos sistemas de bolso, ou "palmtops". Estas pequenas máquinas, que antes se limitavam a funções de um diário digital, como agenda de compromissos, lista de contactos e calculadora, são hoje em dia verdadeiros computadores, com grande capacidade de processamento e armazenamento, e, claro está, ligação à Internet. É inevitável que dentro de poucos anos estes sistemas comecem a ser utilizáveis também por pessoas deficientes visuais.
5. Conclusão
Neste artigo, foram abordadas algumas questões relativas à acessibilidade das pessoas deficientes visuais à informação. Um trabalho sobre este tema não estaria completo, no actual contexto, sem uma referência ao extraordinário trabalho do GUIA - Grupo Português pelas Iniciativas em Acessibilidade, e ao empenho dos seus mentores. O GUIA é responsável pela primeira petição electrónica efectuada em Portugal, que mereceu a melhor atenção por parte da Assembleia da República, e após a qual resultaram duas resoluções muito importantes do Conselho de Ministros, uma designada de Iniciativa Nacional para a Acessibilidade das Pessoas com Necessidades Especiais, e a outra relativa à acessibilidade dos sítios da Internet da Administração Pública.
A preocupação pela acessibilidade à Internet é partilhada por muitas entidades ligadas ao estudo e ao desenvolvimento desta Rede. Em particular, o W3C - World Wide Web Consortium - promove a Iniciativa pela Acessibilidade da Web (WAI), que reúne uma vasta comunidade de especialistas interessados em tornar a Internet cada vez mais acessível a mais pessoas. É de todo pertinente referir as palavras de Tim Berners-Lee, inventor da World Wide Web e Director do W3C: "o poder da Web está na sua universalidade. O acesso por todos, independentemente da sua deficiência, é um aspecto essencial".
6. Contactos na Internet
GUIA - Grupo Português pelas Iniciativas em Acessibilidade www.acessibilidade.net
Grupo de Discussão do GUIA www.egroups.com/list/acessibilidade
WAI - Web Accessibility Iniciative www.w3.org/wai
Windows é uma marca registada da Microsoft Corporation. Macintosh é uma marca registada da Apple Computer.
1 Director Técnico da Electrosertec, Lda.
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