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Lisboa: Mais de 100 empresários jantaram "às escuras" para sentir dificuldades de invisuais

por Lerparaver

O primeiro jantar do género em Portugal, promovido pela Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) e pelos centros Dolce Vita, realizou-se no piso subterrâneo do centro comercial Monumental em Lisboa, fechado em forma de "caixa-forte negra" para que não existisse luz.

As ementas em braille provocaram a primeira reacção de estranheza e desconforto, enquanto se aproveitou a entrada ainda com as luzes acesas. As instruções são simples como as do cinema: telemóveis e aparelhos com luz têm de ser desligados.

Antes desta experiência, algumas indicações da apresentadora da noite, Bárbara Guimarães, que explica como proceder durante o jantar para que não aconteçam "desastres".

Mas o verdadeiro desafio começa quando o prato principal é entregue, ainda tapado, nas mesas e se desligam as luzes para que se aproveite a refeição.

Entre as tampas que vão rasando algumas cabeças e as pessoas procuram os talheres, alguém exclama feliz: "Encontrei uma batata". Outra pessoa com uma voz triunfante exclama: "Ah, isto é carne". Enquanto alguns se vêem envolvidos numa "luta" entre talheres e a comida, há quem desista: "Já tou a comer à mão".

Entre dúvidas sobre a composição da refeição, algumas cotoveladas e "desistências dos talheres" também há quem não se adapte e faça alguma "batota", aproveitando as luzes dos telemóveis para situar a comida perdida.

Quando as luzes se acendem, o sucesso da experiência mede-se pela quantidade de comida desaparecida do prato e que não "voou" para o colo de ninguém.

A experiência é apenas parcial já que apenas de tempos a tempos a luz volta a desaparecer mas as dificuldades mantêm-se. O desafio impressiona: "O que vale é que isto são só dez minutos", diz alguém em jeito de desabafo.

É sem luz que Ana Sofia Sousa, invisual e trabalhadora da ACAPO, declama um poema de Alberto Caeiro escrito em braille, e que o cantor Luís Represas toca e canta uma música do seu repertório e alguns músicos dão um tom clássico à refeição.

No meio de gargalhadas, desastres e brincadeiras a experiência "foi um sucesso" e "é para repetir" afirma José Esteves, presidente da ACAPO.

"Pretendemos sensibilizar para que tenhamos uma sociedade que nos integre melhor, que nos receba melhor, para que consigamos ser cidadãos como os outros", afirmou José Esteves.

"Nós somos todos potencialmente cegos. Eu com 21 anos conduzia", sublinhou.

Idália Moniz, secretária de estado adjunta e da Reabilitação, alertou para que os programas e incentivos do governo sejam mais utilizados e para a falta de informação.

"O estigma só se vence com informação. Os invisuais têm uma grande dificuldade em arranjar trabalho e quando arranjam agarram-se a ele com toda a força. Não faltam, não chegam atrasados, são até mais esforçados e com as novas tecnologias podem fazer de tudo. É preciso perder a ideia comum de que os cegos só dão é bons telefonistas", acrescentou.

O jantar foi buscar o modelo a uma cadeia de restaurantes chamada "Dans Le Noir", em que os empregados são cegos e os jantares são sempre servidos às escuras, sendo para repetir nos restantes centros comerciais da cadeia, espalhados pelo país.

NYM.

Lusa/Fim.

Fonte: http://ww1.rtp.pt/noticias/index.php?article=341924&visual=26